O Instituto da Equiparação Salarial após as Leis 13.467/2017 e 14.611/2023: Evolução e Perspectivas

20 de novembro de 2025

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A equiparação salarial constitui um dos instrumentos jurídicos mais relevantes para efetivação do princípio constitucional da isonomia nas relações de trabalho. Fundamentada no artigo 461 da CLT e nos princípios constitucionais de não discriminação estabelecidos nos artigos 3º, IV; 5º, caput e I; 7º, XXX e XXXI da Constituição Federal, representa mecanismo essencial para correção de distorções remuneratórias injustificadas no ambiente laboral.

Este estudo analisa o instituto da equiparação salarial em sua configuração atual, considerando as substanciais alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017 e as modificaçoes da Lei 14.611/2023. A análise percorre desde os fundamentos constitucionais até os aspectos processuais e práticos, oferecendo visão abrangente e tecnicamente rigorosa do tema.

CAPÍTULO 1: CONCEITO E BASE CONSTITUCIONAL

1.1 Definição e Natureza Jurídica

A equiparação salarial constitui instituto jurídico de natureza eminentemente antidiscriminatória, destinado a corrigir distorções remuneratórias injustificadas entre trabalhadores que exercem funções idênticas para o mesmo empregador. Trata-se de figura jurídica mediante a qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador.

O instituto transcende a regulamentação infraconstitucional do artigo 461 da CLT. Seu fundamento primeiro reside nos princípios constitucionais da igualdade e não discriminação, ancorando-se diretamente no objetivo fundamental da República de promover o bem de todos sem preconceitos, na garantia de igualdade perante a lei e na vedação expressa de diferença salarial por motivos discriminatórios.

Esta fundamentação constitucional ampla possui implicações práticas relevantes. Situações não expressamente previstas no artigo 461 da CLT podem ensejar correção salarial quando caracterizada discriminação injustificada, como ocorre em casos de terceirização fraudulenta ou “pejotização” ilícita, onde a aparente diferença de empregadores mascara real identidade de subordinação e funções.

Importante distinguir a equiparação salarial de institutos correlatos. Enquanto a equiparação exige cumprimento cumulativo de requisitos objetivos rigorosos, a isonomia salarial prevista no artigo 358 da CLT admite função análoga entre brasileiros e estrangeiros. A equivalência salarial do artigo 460, por sua vez, aplica-se quando inexiste estipulação salarial ou prova sobre importância ajustada, constituindo instituto supletivo, não comparativo.

O princípio da primazia da realidade sobre a forma assume papel central na análise equiparatória. As situações fáticas prevalecem sobre denominações formais, sendo irrelevante a nomenclatura do cargo quando as funções exercidas são idênticas. Contratos formalmente distintos ou arranjos societários não obstam o reconhecimento do direito quando presente identidade funcional real.

1.2 Terceirização e “Pejotização”: Os Limites da Forma

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, expressa no RE 635.546, estabelece que não cabe equiparação salarial entre empregado da tomadora e trabalhador terceirizado, por ausência de identidade de empregador. Esta regra, contudo, comporta exceções importantes quando a terceirização configura mera intermediação fraudulenta de mão de obra.

A terceirização ilícita caracteriza-se quando a empresa interposta não assume verdadeiramente os riscos da atividade econômica, atuando como simples fornecedora de trabalhadores subordinados diretamente ao tomador. Nestes casos, o reconhecimento do vínculo direto com a tomadora abre possibilidade para pleitos equiparatórios com os demais empregados.

O fenômeno da “pejotização”, cada vez mais presente no mercado de trabalho brasileiro, merece atenção especial. A contratação de trabalhador como pessoa jurídica, quando presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego – subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade – constitui fraude que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica interposta e o reconhecimento do vínculo empregatício direto.

Nestas situações, o que distingue diferentes trabalhadores é a qualificação técnica, não a roupagem jurídica formal da contratação. A Orientação Jurisprudencial 383 da SBDI-1 do TST, ao garantir aos terceirizados as mesmas verbas dos empregados diretos quando presente igualdade de funções, sinaliza que o Judiciário Trabalhista não tolera discriminações baseadas em artifícios formais.

1.3 Arcabouço Normativo Atual

O artigo 461 da CLT, com as alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017, estabelece que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.

As principais inovações da reforma trabalhista incluíram a substituição de “mesma localidade” por “mesmo estabelecimento empresarial”, a inclusão da etnia entre os fatores vedados de discriminação, a ampliação do limite temporal de diferença no empregador de dois para quatro anos, a vedação expressa à equiparação em cadeia e a dispensa de homologação de planos de cargos e salários.

A Lei 14.611/2023 representa novo marco evolutivo, estabelecendo obrigatoriedade de relatórios semestrais de transparência salarial para empresas com cem ou mais empregados, ampliando as hipóteses de discriminação vedada para incluir raça e origem, agravando substancialmente as sanções aplicáveis e criando obrigatoriedade de planos de ação corretiva com participação sindical.

A Súmula 6 do TST consolida décadas de construção jurisprudencial sobre o tema, estabelecendo diretrizes sobre irrelevância da denominação dos cargos, desnecessidade de ambos estarem trabalhando ao tempo da ação, tratamento da equiparação derivada de decisão judicial e distribuição do ônus probatório.

CAPÍTULO 2: OS REQUISITOS ESSENCIAIS DA EQUIPARAÇÃO

A ordem jurídica estabelece tipo legal característico para a equiparação de salários, formado pelo preenchimento cumulativo de requisitos específicos. A ausência de qualquer destes elementos inviabiliza o reconhecimento do direito, razão pela qual sua compreensão precisa é fundamental para a adequada aplicação do instituto.

2.1 Identidade de Funções

O primeiro e mais fundamental requisito é a identidade funcional entre equiparando e paradigma. A Súmula 6, III, do TST esclarece que a equiparação só é possível se ambos exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, independentemente da denominação dos cargos.

Função compreende o conjunto unitário de tarefas, atribuições e responsabilidades efetivamente exercidas. Não se confunde com cargo, que representa denominação formal da posição ocupada, nem com tarefa individual, que constitui ato singular dentro do contexto laborativo. Trata-se do complexo de deveres e responsabilidades que situa o trabalhador em posicionamento específico na divisão do trabalho empresarial.

A jurisprudência tem sido rigorosa na exigência de identidade funcional plena. Não basta que empregados realizem tarefas similares ou parcialmente coincidentes. É necessário que o conjunto de atribuições seja efetivamente idêntico, considerando-se não apenas as atividades materiais executadas, mas também o grau de responsabilidade, autonomia e complexidade envolvidos.

A Orientação Jurisprudencial 296 da SDI-1 do TST estabelece limitação importante para profissões regulamentadas. Sendo o exercício profissional condicionado a habilitação técnica específica, torna-se impossível a equiparação entre profissional habilitado e não habilitado, ainda que realizem tarefas aparentemente idênticas.

2.2 Trabalho de Igual Valor

O §1º do artigo 461 da CLT define trabalho de igual valor como aquele “feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos”.

A produtividade refere-se ao índice de intensidade laborativa, valor relativo que considera a relação entre trabalho efetuado e tempo despendido. Este critério permite estabelecer comparação razoavelmente objetiva entre a intensidade laborativa dos empregados contrapostos, sendo mais adequado que a simples aferição de produção absoluta.

A perfeição técnica diz respeito à qualidade do trabalho executado, considerando precisão na execução, domínio técnico de ferramentas e processos, capacidade de resolução de problemas complexos e índice de erros. A demonstração de maior qualificação técnico-profissional do paradigma pode favorecer a tese de diferenciação qualitativa, desde que efetivamente repercuta no trabalho prestado.

A Lei 13.467/2017 estabeleceu duplo critério temporal cumulativo: diferença máxima de quatro anos entre equiparando e paradigma no mesmo empregador e diferença máxima de dois anos no exercício da mesma função. Esta alteração tornou mais restritivo o acesso à equiparação, exigindo que ambos os requisitos temporais sejam atendidos simultaneamente.

2.3 Mesmo Empregador

Este requisito, aparentemente simples, exige que equiparando e paradigma trabalhem para o mesmo empregador, aplicando-se o conceito amplo do artigo 2º da CLT. A questão ganha complexidade quando envolve grupos econômicos.

A Súmula 129 do TST reconhece a possibilidade de equiparação entre empregados de empresas distintas do mesmo grupo econômico, desde que configurada a responsabilidade solidária dual. O grupo econômico para fins trabalhistas caracteriza-se por direção, controle ou administração comum, com relação de coordenação ou subordinação entre empresas.

Em casos de sucessão empresarial, mantém-se a possibilidade de equiparação, considerando-se a continuidade da relação empregatícia garantida pelos artigos 10 e 448 da CLT. A cessão de empregados também não exclui a equiparação, conforme Súmula 6, V, do TST, quando a cedente responde pelos salários de ambos os trabalhadores comparados.

2.4 Estabelecimento Empresarial

A Lei 13.467/2017 substituiu “mesma localidade” por “mesmo estabelecimento empresarial”, aparentemente restringindo o alcance geográfico da equiparação. A doutrina e jurisprudência, contudo, têm interpretado este requisito de forma sistemática, considerando o princípio constitucional antidiscriminatório.

A interpretação consolidada considera que, ficando evidenciada a efetiva similitude de condições organizacionais e de trabalho entre os estabelecimentos empresariais situados no mesmo âmbito municipal, torna-se possível observar-se o parâmetro discriminatório adequado ao espírito constitucional. A noção de âmbito municipal preserva validade quando idênticos os parâmetros organizacionais e laborativos estruturados pela empresa.

A expansão do trabalho remoto trouxe novos desafios interpretativos. A tendência é considerar que trabalhadores remotos vinculados à mesma unidade de gestão podem ser comparados para fins equiparatórios, independentemente de localização física, desde que submetidos às mesmas condições organizacionais.

2.5 Contemporaneidade

A Lei 13.467/2017 positivou no §5º do artigo 461 o requisito da contemporaneidade, antes construído jurisprudencialmente. A equiparação só é possível entre empregados contemporâneos no cargo ou função, sendo desnecessário que estejam trabalhando ao tempo da reclamação, conforme Súmula 6, IV, do TST.

Contemporaneidade significa coincidência temporal no exercício das mesmas funções, ainda que por período reduzido. A jurisprudência tem entendido que coincidências inferiores a trinta dias dificilmente caracterizam contemporaneidade suficiente, aplicando-se por analogia o critério das substituições não eventuais.

O mesmo dispositivo vedou expressamente a indicação de paradigmas remotos, eliminando a chamada “equiparação em cadeia”. Esta alteração representa significativa restrição, impedindo que trabalhadores utilizem como referência paradigmas com quem não foram contemporâneos, mesmo que outro colega contemporâneo tenha obtido equiparação com tal paradigma remoto.

CAPÍTULO 3: SITUAÇÕES IMPEDITIVAS E ESPECIAIS

Mesmo quando presentes todos os requisitos constitutivos da equiparação salarial, determinadas circunstâncias podem legitimamente impedir o reconhecimento deste direito. Estes fatos impeditivos não representam exceções arbitrárias ao princípio isonômico, mas decorrem de situações em que o ordenamento jurídico reconhece justificativas objetivas para a diferenciação salarial.

3.1 Plano de Cargos e Salários

A existência de quadro de carreira ou plano de cargos e salários constitui tradicional impedimento ao pleito equiparatório. O pressuposto legal é que tais instrumentos criam mecanismos próprios de evolução funcional, tornando desnecessário o remédio judicial da equiparação.

A Lei 13.467/2017 promoveu alterações substanciais neste aspecto. Antes da reforma, a Súmula 6, I, do TST exigia homologação obrigatória pelo Ministério do Trabalho e promoções alternadas por antiguidade e merecimento. O novo texto dispensou qualquer homologação ou registro público, permitindo aprovação por negociação coletiva ou norma interna da empresa, e autorizou promoções por apenas um dos critérios.

Esta flexibilização suscita preocupações quanto ao excessivo enfraquecimento desse fato impeditivo. A possibilidade de aprovação unilateral, sem participação sindical, associada à autorização de promoções exclusivamente subjetivas, levanta questionamentos sobre a aptidão destes instrumentos para prevenir discriminações.

Para constituir impedimento válido, o plano deve apresentar estrutura organizacional clara, com descrição pormenorizada das atribuições, requisitos objetivos para cada posição e critérios transparentes de progressão. A aplicação deve ser rigorosamente isonômica, com adequada documentação de todas as movimentações funcionais.

3.2 A Questão da Terceirização

A impossibilidade de equiparação entre empregado próprio e terceirizado foi consolidada pelo STF no RE 635.546. A Corte estabeleceu que tal equiparação feriria o princípio da livre iniciativa, por envolver agentes econômicos distintos com políticas salariais próprias.

Admitir tal equiparação significaria, por via transversa, retirar do agente econômico a opção pela terceirização para fins de redução de custos. A terceirização lícita pressupõe empresas com autonomia jurídica e econômica real, cada qual assumindo os riscos de sua atividade.

Situação diversa ocorre na terceirização fraudulenta, caracterizada por mera intermediação de mão de obra. Nestes casos, o vínculo empregatício pode ser reconhecido diretamente com o tomador, abrindo-se possibilidade de equiparação. A OJ 383 da SBDI-1 reconhece direito dos terceirizados às mesmas verbas dos contratados diretos quando presente igualdade de funções, representando importante mecanismo contra discriminações.

A “pejotização”, contratação de trabalhador como pessoa jurídica quando presentes elementos da relação de emprego, configura fraude que autoriza reconhecimento do vínculo e consequente possibilidade de equiparação com empregados CLT.

3.3 Readaptação Funcional

O §4º do artigo 461 estabelece que não serve como paradigma o empregado readaptado por deficiência física ou mental atestada pela Previdência Social. Esta vedação visa proteger programas de reabilitação profissional.

Qualquer programa de readaptação estaria comprometido caso o trabalhador deslocado para função mais simples passasse a servir de paradigma. O readaptado mantém salário da função original como garantia social, não podendo esta proteção ser utilizada como parâmetro para majoração salarial de outros.

A readaptação formal pressupõe reconhecimento pelo INSS, com certificado de reabilitação após avaliação regular. Na readaptação informal, sem reconhecimento previdenciário, o impedimento não é automático, devendo o empregador comprovar limitação funcional documentada e necessidade objetiva da mudança.

3.4 Outras Situações Especiais

A vedação constitucional do artigo 37, XIII, impede equiparação entre servidores públicos, ainda que celetistas, conforme OJ 297 da SDI-1. Exceção ocorre com empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista que, pela Súmula 455 do TST, equiparam-se a empregadores privados.

O trabalho por produção apresenta características que naturalmente impedem equiparação tradicional. Quando a remuneração resulta diretamente da produtividade individual, o próprio sistema já incorpora critério objetivo de diferenciação.

Ocupantes de cargo de confiança podem encontrar dificuldades para servir como paradigma quando sua remuneração inclui gratificação específica pela gestão, constituindo vantagem pessoal não extensível.

A expansão do trabalho remoto criou novos desafios. Trabalhadores remotos vinculados ao mesmo estabelecimento e subordinados aos mesmos gestores podem pleitear equiparação com colegas presenciais exercendo idênticas funções, salvo quando as condições de trabalho são substancialmente distintas.

CAPÍTULO 4: LEI 14.611/2023 E A TRANSPARÊNCIA SALARIAL

A promulgação da Lei 14.611/2023 representa marco fundamental na evolução do combate à discriminação salarial, inaugurando paradigma de transparência e accountability nas relações trabalhistas, com obrigações inéditas de disclosure e mecanismos sancionatórios substancialmente mais rigorosos.

4.1 Contexto e Necessidade de Mudança

A desigualdade salarial, especialmente entre gêneros, constitui realidade persistente no mercado brasileiro. Dados recentes demonstram que mulheres recebem aproximadamente 77% do salário masculino para funções equivalentes, disparidade agravada por recortes raciais.

A Lei 14.611/2023 surge reconhecendo que mecanismos tradicionais, baseados em iniciativas individuais, mostraram-se insuficientes para mudança estrutural. Representa mudança de paradigma ao transferir para o empregador o ônus de demonstrar inexistência de discriminação através de transparência compulsória.

O legislador inspirou-se em experiências internacionais bem-sucedidas, particularmente da União Europeia e países nórdicos, objetivando criar ambiente onde discriminação salarial torne-se juridicamente arriscada e reputacionalmente insustentável.

4.2 Transparência Salarial Obrigatória

O mecanismo central é a obrigatoriedade de relatórios semestrais de transparência para empresas com cem ou mais empregados. Os dados devem ser desagregados por sexo, raça, etnia, origem e idade, sempre anonimizados para preservar privacidade individual mantendo relevância estatística.

A periodicidade semestral permite acompanhamento efetivo sem impor ônus desproporcional. Os relatórios devem ser disponibilizados internamente, aos sindicatos e ao Ministério do Trabalho, garantindo múltiplos níveis de controle.

O formato deve permitir identificação clara de disparidades, estratificando dados por cargo, nível hierárquico, tempo de serviço e qualificação. Mera apresentação de dados brutos sem análise comparativa não atende ao espírito da norma.

4.3 Sistema Sancionatório Ampliado

A lei revolucionou o sistema punitivo, estabelecendo multa de dez vezes o novo salário devido para discriminação comprovada, dobrada em reincidência. O descumprimento das obrigações de transparência sujeita a empresa a multa de até 3% da folha salarial.

O §6º do artigo 461 estabelece expressamente que o pagamento das diferenças não afasta direito a indenização por danos morais, superando antiga controvérsia jurisprudencial. A fiscalização compete ao Ministério do Trabalho, com papel fortalecido do MPT e legitimidade extraordinária dos sindicatos para ações coletivas.

4.4 Planos de Ação Corretiva

Identificadas disparidades, a lei estabelece obrigação de correção através de planos estruturados com participação sindical obrigatória. O diagnóstico deve identificar não apenas diferenças numéricas, mas causas estruturais, muitas vezes decorrentes de vieses inconscientes.

As metas devem ser específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e temporais. A participação sindical não é formalidade, atuando como garantidor da efetividade. O monitoramento deve ser contínuo, com relatórios periódicos de progresso.

4.5 Ampliação das Hipóteses de Discriminação

A lei expandiu o rol de características protegidas, incluindo expressamente raça, etnia e origem. Esta ampliação facilita caracterização da discriminação e inverte o ônus probatório quando disparidades estatísticas significativas são identificadas.

O conceito adotado abrange discriminação direta e indireta. Esta última manifesta-se através de políticas aparentemente neutras com impacto desproporcional sobre grupos protegidos, como exigências desnecessárias que afetam desproporcionalmente determinados grupos.

4.6 Interface com a LGPD

A implementação da transparência criou tensão aparente com a proteção de dados pessoais. A solução da anonimização busca equilibrar transparência com privacidade, exigindo técnicas que impossibilitem reidentificação mesmo por cruzamento de dados.

Para empresas menores, permite-se agregação em categorias mais amplas quando necessário, mantendo relevância estatística. A base legal é o cumprimento de obrigação legal, dispensando consentimento mas mantendo obrigações de segurança e minimização.

CAPÍTULO 5: ASPECTOS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS

A materialização do direito à equiparação no plano processual apresenta complexidades que transcendem a comprovação dos requisitos materiais. Prescrição, ônus probatório e limitações procedimentais são determinantes para o sucesso da pretensão.

5.1 A Prescrição

A prescrição bienal do artigo 7º, XXIX, da CF estabelece prazo de dois anos após extinção do contrato para ajuizamento da ação. Ultrapassado este marco, opera-se prescrição total, inviabilizando qualquer pretensão.

A prescrição quinquenal limita condenação aos valores dos cinco anos anteriores ao ajuizamento. Este mecanismo permite reconhecimento do direito, limitando as diferenças salariais ao período não prescrito.

A lesão é continuativa, renovando-se mensalmente com pagamentos discriminatórios. Cada pagamento constitui nova violação, preservando-se direito quanto a violações recentes. A Súmula 6, IV, estabelece desnecessidade de contemporaneidade ao tempo da reclamação quando o pedido relaciona-se com situação pretérita.

5.2 Ônus Probatório

A distribuição segue regra do artigo 818 da CLT e 373 do CPC. Ao reclamante incumbe provar fatos constitutivos; ao reclamado, fatos impeditivos, modificativos ou extintivos.

O empregado deve comprovar identidade funcional, mesmo empregador, mesmo estabelecimento e contemporaneidade. A Súmula 6, VIII, estabelece ser do empregador o ônus sobre fatos impeditivos.

Provados os requisitos básicos, opera-se inversão parcial. Demonstrada identidade de funções, presumem-se presentes demais pressupostos, transferindo-se ao empregador o ônus de demonstrar fato impeditivo.

A prova de diferença produtiva ou técnica exige elementos concretos: relatórios, indicadores, avaliações formalizadas anteriormente ao litígio. Alegando PCS, o empregador deve demonstrar atendimento aos requisitos legais, divulgação adequada e aplicação efetiva.

5.3 Vedação à Equiparação em Cadeia

O §5º do artigo 461 vedou expressamente equiparação por paradigma remoto, representando significativa restrição implementada pela reforma trabalhista.

Paradigma remoto refere-se ao trabalhador não contemporâneo do equiparando, cuja situação influenciou, via decisão judicial, o salário do paradigma imediato. Esta limitação pode perpetuar discriminações quando a decisão reconheceu situação discriminatória preexistente.

A interpretação tem gerado controvérsias. Alguns tribunais entendem proibição absoluta; outros aplicam vedação apenas quando vantagem decorreu especificamente de equiparação em cadeia. A vedação não alcança majorações por outros fundamentos como desvio funcional ou incorporação de gratificação.

CAPÍTULO 6: FERRAMENTAS PRÁTICAS

O enfrentamento adequado das questões equiparatórias exige abordagem preventiva e estruturada de empresas e trabalhadores.

6.1 Para Gestores e RH

A prevenção inicia com mapeamento criterioso da estrutura organizacional, mantendo descrições de cargo atualizadas e precisas. Política salarial transparente deve basear-se em critérios objetivos documentados. Auditoria periódica permite identificação precoce de distorções, sendo correção voluntária menos onerosa que condenação judicial.

Após a Lei 14.611/2023, compliance salarial tornou-se imperativo legal para empresas maiores. Relatórios semestrais exigem rigor técnico na anonimização. Toda diferenciação deve ser justificada por escrito, preservando-se avaliações e indicadores como prova potencial.

6.2 Para Empregados

O trabalhador deve verificar presença dos requisitos legais, identificando paradigma adequado com idênticas funções e contemporaneidade comprovada. A coleta sistemática de evidências é fundamental: e-mails, organogramas, atas, descrições de cargo. Gravações de conversas próprias são admitidas pela jurisprudência.

A consulta a advogado especializado é recomendável para análise técnica preliminar, evitando ações sem fundamento. O sindicato pode ser relevante após a Lei 14.611/2023, especialmente em discriminações sistêmicas onde ação coletiva mostra-se mais efetiva.

A documentação contemporânea das situações de trabalho constitui elemento probatório fundamental. Registros consistentes sobre atividades, responsabilidades e tarefas facilitam demonstração dos requisitos legais.

CONCLUSÃO

A equiparação salarial permanece como instituto fundamental do Direito do Trabalho brasileiro, especialmente após transformações legislativas recentes. Tendências contraditórias marcam a evolução normativa: enquanto a Lei 13.467/2017 impôs restrições significativas, a Lei 14.611/2023 fortaleceu mecanismos de combate à discriminação.

Os requisitos constitutivos, apesar das limitações, preservam o núcleo essencial do instituto. Sua interpretação demanda rigor técnico e sensibilidade às mudanças laborais contemporâneas. Os fatos impeditivos revelam tensão permanente entre autonomia empresarial e princípio constitucional antidiscriminatório.

A dimensão processual evidencia que o sucesso depende não apenas do direito material, mas da capacidade de demonstração adequada em juízo. As inovações da Lei 14.611/2023 sinalizam novo paradigma com transparência obrigatória, sanções majoradas e protagonismo sindical.

A efetividade do princípio isonômico transcende a dimensão jurídica, requerendo mudança cultural organizacional. A equidade salarial constitui não apenas obrigação legal, mas imperativo ético para construção de ambiente laboral produtivo e sustentável. O Direito oferece instrumentos; sua adequada utilização depende do compromisso social com relações de trabalho mais justas e equilibradas.

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE EQUIPARAÇÃO SALARIAL

1. O que é equiparação salarial segundo a CLT?

A equiparação salarial é o direito previsto no artigo 461 da CLT que garante igual salário para trabalhadores que exercem idêntica função, com trabalho de igual valor, para o mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial. É um instrumento jurídico fundamental para combater discriminações salariais injustificadas, especialmente por motivo de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. O instituto visa concretizar o princípio constitucional da isonomia nas relações de trabalho, assegurando que diferenças salariais sejam baseadas apenas em critérios objetivos e legítimos.

2. Quais são os requisitos para pedir equiparação salarial em 2025?

Os requisitos cumulativos são: (1) identidade de funções – realizar exatamente as mesmas tarefas e responsabilidades do paradigma; (2) trabalho de igual valor – mesma produtividade e perfeição técnica; (3) diferença temporal máxima de 2 anos na função e 4 anos para o mesmo empregador; (4) mesmo estabelecimento empresarial; (5) contemporaneidade no exercício da função. Todos devem estar presentes simultaneamente. A Lei 14.611/2023 não alterou estes requisitos, mas facilitou a comprovação de discriminações através da transparência salarial obrigatória.

3. Como comprovar direito à equiparação salarial na Justiça do Trabalho?

A comprovação da equiparação salarial depende fundamentalmente de prova testemunhal robusta, que demonstre a identidade de funções entre equiparando e paradigma. As testemunhas devem confirmar que ambos realizavam exatamente as mesmas tarefas, com mesmas responsabilidades e complexidade. Quanto aos documentos, o empregado deve juntar seus próprios contracheques, mas os contracheques do paradigma constituem ônus da empresa, que detém estes registros e tem obrigação legal de apresentá-los quando determinado judicialmente. Outros elementos probatórios importantes incluem: descrição oficial dos cargos, organograma empresarial, e-mails sobre atribuições, registros de atividades, avaliações de desempenho. Gravações de conversas próprias são admitidas pela jurisprudência. Comprovada a identidade funcional e demais requisitos básicos pelo empregado, inverte-se o ônus para o empregador demonstrar eventual diferença de produtividade ou existência de fato impeditivo através de documentação anterior ao litígio.

4. Qual a diferença entre equiparação salarial e isonomia salarial?

Equiparação salarial (art. 461 CLT) exige cumprimento rigoroso de requisitos objetivos específicos: identidade absoluta de funções, mesmo estabelecimento, contemporaneidade. Isonomia salarial (art. 358 CLT) é mais flexível, aplicando-se entre brasileiros e estrangeiros com funções análogas, não necessariamente idênticas. A equiparação é instrumento específico com requisitos taxativos, enquanto a isonomia é princípio mais amplo que pode admitir funções similares. Na prática, a equiparação é mais restritiva mas oferece proteção mais concreta quando seus requisitos são atendidos.

5. O que mudou na equiparação salarial com a Lei 14.611/2023?

A Lei 14.611/2023 não alterou os requisitos da equiparação, mas revolucionou sua aplicação prática através da transparência obrigatória. Empresas com 100+ empregados devem divulgar relatórios semestrais com dados salariais por gênero, raça e idade. As multas foram drasticamente aumentadas: 10 vezes o salário devido por discriminação comprovada, dobrada em reincidência, mais indenização por danos morais. A transparência facilita identificação de disparidades e inverte parcialmente o ônus probatório quando há diferenças estatísticas significativas injustificadas.

6. Como funciona o relatório de transparência salarial obrigatório?

Empresas com 100 ou mais empregados devem publicar semestralmente (março e setembro) relatório com dados salariais desagregados por sexo, raça, etnia, origem e idade. Os dados são extraídos do eSocial e Portal Emprega Brasil, anonimizados conforme LGPD. O relatório mostra médias e medianas salariais por cargo (CBO), proporção de cargos de direção por gênero e critérios remuneratórios. Deve ser divulgado no site da empresa, redes sociais e disponibilizado aos empregados. Descumprimento gera multa de até 3% da folha salarial.

7. Qual a multa por discriminação salarial entre homens e mulheres?

A Lei 14.611/2023 estabelece multa de 10 vezes o novo salário devido ao empregado discriminado, elevada ao dobro (20 vezes) em caso de reincidência. Além disso, há direito a indenização por danos morais, conforme §6º do art. 461 CLT. Para empresas que não divulgarem o relatório de transparência: multa administrativa de até 3% da folha salarial, limitada a 100 salários-mínimos. As sanções majoradas tornam a discriminação salarial economicamente inviável para as empresas.

8. Empresas com quantos funcionários devem fazer relatório de transparência salarial?

Empresas com 100 ou mais empregados estão obrigadas a elaborar e publicar o relatório de transparência salarial semestralmente. A contagem é feita por CNPJ, não por grupo econômico. Se qualquer estabelecimento (matriz ou filial) tiver 100+ empregados, deve cumprir a obrigação para aquele CNPJ específico. Empresas menores não têm obrigatoriedade, mas permanecem sujeitas às demais regras sobre igualdade salarial e podem ser processadas por discriminação.

9. Terceirizado pode pedir equiparação salarial com funcionário CLT?

Via de regra não, conforme decisão do STF no RE 635.546, pois não há identidade de empregador. Exceções: (1) terceirização ilícita com subordinação direta à tomadora – reconhecido o vínculo, cabe equiparação; (2) aplicação da OJ 383 da SBDI-1 que garante aos terceirizados as mesmas verbas do pessoal direto quando exercem função idêntica, embora tecnicamente não seja equiparação salarial típica. Na terceirização lícita, com empresas autônomas, não cabe equiparação entre empregados de empresas diferentes.

10. Qual o prazo de prescrição para ação de equiparação salarial?

Existem dois prazos: prescrição bienal – 2 anos após extinção do contrato para ajuizar a ação; prescrição quinquenal – limita a condenação aos valores dos 5 anos anteriores ao ajuizamento. Trabalhador ativo só se preocupa com a quinquenal. Ex-empregado deve ajuizar em até 2 anos da demissão, podendo cobrar diferenças dos últimos 5 anos. Ultrapassados 2 anos da rescisão, perde-se totalmente o direito. A lesão é continuada, renovando-se mensalmente com cada pagamento discriminatório.

11. Como calcular diferenças salariais em ação trabalhista?

O cálculo considera: (1) diferença entre salário do equiparando e paradigma mensalmente; (2) reflexos em todas as verbas de natureza salarial – 13º salário, férias + 1/3, DSR, horas extras, adicional noturno; (3) FGTS sobre as diferenças com multa de 40% se houve dispensa; (4) correção monetária desde cada parcela devida; (5) juros de mora de 1% ao mês desde ajuizamento; (6) contribuições previdenciárias. Em discriminação por gênero/raça, adiciona-se indenização por danos morais. O período alcança os 5 anos anteriores não prescritos.

12. Plano de cargos e salários impede equiparação salarial?

Nem sempre. Após a reforma trabalhista, dispensa-se homologação ministerial, bastando divulgação interna e critérios objetivos. Para impedir validamente a equiparação deve ter: estrutura organizacional clara, descrição detalhada de funções, requisitos objetivos para cada cargo, critérios transparentes de progressão (antiguidade e/ou merecimento), aplicação comprovadamente isonômica. Planos meramente formais, desatualizados ou aplicados com favorecimentos pessoais não constituem impedimento válido. O empregador deve provar cumprimento rigoroso do plano.

13. Funcionário em home office tem direito a equiparação salarial?

Sim, o trabalho remoto não impede equiparação salarial. Trabalhadores em home office vinculados ao mesmo estabelecimento empresarial e subordinados aos mesmos gestores podem pleitear equiparação com colegas presenciais ou outros remotos, desde que exerçam idênticas funções. O fundamental é a identidade funcional e submissão às mesmas condições organizacionais, não a localização física. A jurisprudência tem admitido esta possibilidade, especialmente após a expansão do teletrabalho pós-pandemia.

14. O que é paradigma remoto e equiparação em cadeia?

Paradigma remoto é o trabalhador que serviu de paradigma para outro, mas com quem o atual equiparando não foi contemporâneo. Equiparação em cadeia ocorria quando “A” obtinha equiparação com “B”, e depois “C” pedia equiparação com “A” baseando-se nesse aumento, mesmo sem ter sido contemporâneo de “B”. A Lei 13.467/2017 vedou expressamente esta possibilidade no §5º do art. 461. Agora, só pode ser paradigma quem foi contemporâneo direto do equiparando, impedindo equiparações sucessivas com paradigmas remotos.

15. Empregado readaptado pode servir como paradigma para equiparação?

Não, conforme §4º do art. 461 CLT. O trabalhador readaptado por deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não serve como paradigma. A vedação protege programas de reabilitação profissional – o readaptado mantém salário anterior como garantia social, não como parâmetro de mercado. Aplica-se apenas à readaptação formal com certificação do INSS. Readaptações informais, sem reconhecimento previdenciário, devem ser analisadas caso a caso conforme documentação médica.

16. Como provar trabalho de igual valor para equiparação salarial?

Trabalho de igual valor significa igual produtividade e mesma perfeição técnica. Para provar: (1) demonstrar quantidade similar de trabalho no mesmo tempo (produtividade); (2) comprovar qualidade equivalente – precisão, índice de erros, retrabalhos; (3) apresentar avaliações de desempenho similares; (4) evidenciar mesmo nível de complexidade das tarefas; (5) usar indicadores objetivos de performance. O empregador alegando diferença deve apresentar dados concretos anteriores ao litígio – relatórios, métricas, avaliações documentadas. Impressões subjetivas ou avaliações posteriores à ação não bastam.


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AUTOR

Maurício Lindenmeyer Barbieri

Sócio da Barbieri Advogados. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Inscrito na Ordem dos Advogados (OAB/RS nº 36.798, OAB/DF nº 24.037, OAB/SC nº 61.179-A, OAB/PR nº 101.305, OAB/SP nº 521.298, OAB Lisboa nº 64443L, RAK Stuttgart nº 50.159). Membro da Associação de Juristas Brasil-Alemanha. Professor universitário, exerceu a docência na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade Ritter dos Reis (UniRitter). Contador com registro no CRC-RS nº 106371/O.

Estas respostas constituem orientações gerais sobre o instituto da equiparação salarial. Cada situação possui especificidades que demandam análise individualizada. Para avaliação específica de seu caso, consulte a Barbieri Advogados.