Férias Vencidas: Direitos do Trabalhador e Obrigações do Empregador
Férias Vencidas: Direitos do Trabalhador e Obrigações do Empregador
As férias anuais remuneradas constituem um dos direitos fundamentais do trabalhador, assegurado constitucionalmente e disciplinado de forma minuciosa pela Consolidação das Leis do Trabalho. Muito além de representar um período de descanso, as férias cumprem função essencial na preservação da saúde física e mental do empregado, na sua reinserção no contexto familiar e comunitário, e na manutenção da própria produtividade organizacional.
Entretanto, a realidade do ambiente corporativo frequentemente revela situações em que o empregador não concede as férias no período legalmente estabelecido, dando origem ao fenômeno das férias vencidas. Esta ocorrência não apenas compromete os objetivos protetivos do instituto, como também gera significativas consequências jurídicas e financeiras para a empresa, incluindo o pagamento em dobro da remuneração correspondente, além de sanções administrativas e riscos trabalhistas relevantes.
A complexidade da matéria exige compreensão técnica dos prazos, procedimentos e efeitos jurídicos decorrentes da concessão extemporânea de férias. O presente artigo examina de forma aprofundada os aspectos fundamentais das férias vencidas, analisando os direitos do trabalhador, as obrigações patronais, as consequências do descumprimento e as estratégias de gestão preventiva. Nosso objetivo é fornecer subsídios técnicos que permitam tanto aos empregadores quanto aos trabalhadores compreender adequadamente esta relevante questão trabalhista, fundamentada na jurisprudência consolidada e na melhor doutrina especializada.
O Que São Férias Vencidas?
As férias vencidas caracterizam-se como aquelas cujos períodos de aquisição e de fruição já se consumaram integralmente, sem que o empregado tenha podido efetivamente gozá-las. Nesta situação, o empregador encontra-se necessariamente em mora quanto à sua obrigação de conceder o descanso anual, configurando inadimplemento contratual com reflexos jurídicos específicos.
Para compreender adequadamente o conceito de férias vencidas, torna-se imprescindível distinguir dois períodos temporais fundamentais que regem a dinâmica deste instituto trabalhista: o período aquisitivo e o período concessivo.
O período aquisitivo corresponde ao lapso temporal de 12 meses de vigência do contrato de trabalho durante o qual o empregado adquire o direito às férias. Iniciando-se no primeiro dia de trabalho, este período se completa após 12 meses de prestação de serviços, momento em que nasce o direito subjetivo do trabalhador ao gozo das férias anuais remuneradas. A assiduidade do empregado ao longo deste período, combinada com os fatores legalmente estabelecidos nos artigos 130 a 133 da CLT, determinará a extensão temporal das férias adquiridas.
Já o período concessivo, também denominado período de gozo ou fruição, consiste no lapso de 12 meses imediatamente subsequente ao término do período aquisitivo. É neste intervalo temporal que o empregador deve, obrigatoriamente, conceder as férias ao trabalhador, exercendo sua prerrogativa de escolher a época que melhor atenda aos interesses organizacionais, respeitadas as limitações legais estabelecidas no artigo 136 da Consolidação.
Consideremos um exemplo prático elucidativo: um empregado admitido em 10 de janeiro de 2023 completará seu primeiro período aquisitivo em 9 de janeiro de 2024. A partir de 10 de janeiro de 2024, inicia-se o período concessivo, que se estenderá até 9 de janeiro de 2025. Caso o empregador não conceda as férias até esta última data, elas se tornarão vencidas a partir de 10 de janeiro de 2025, caracterizando mora patronal e ensejando as consequências jurídicas previstas no artigo 137 da CLT.
Esta sistemática temporal difere fundamentalmente daquela aplicável às férias simples e às férias proporcionais. As férias simples são aquelas cujo período aquisitivo já se completou, mas cujo período concessivo ainda está em curso, ou seja, o empregador ainda dispõe de prazo legal para concedê-las sem incorrer em mora. Já as férias proporcionais caracterizam-se pela incompletude do próprio período aquisitivo, situação que normalmente se verifica quando ocorre a extinção do contrato de trabalho antes de transcorridos 12 meses desde a última aquisição de férias.
A distinção entre estas modalidades revela-se essencial para a correta aplicação das normas trabalhistas, especialmente no que concerne ao cálculo das verbas devidas e à identificação dos marcos prescricionais aplicáveis a cada situação.
Fundamento Legal: O Que Diz a CLT?
A disciplina normativa das férias vencidas encontra-se estabelecida em diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, complementados por normas constitucionais e pela Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil e em vigor desde 23 de setembro de 1999. A análise sistemática destes preceitos revela a estrutura jurídica que fundamenta tanto o direito do trabalhador quanto as obrigações e penalidades impostas ao empregador inadimplente.
Artigo 134 da CLT – Período Concessivo
O artigo 134 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece o marco temporal fundamental para a concessão de férias, determinando que elas sejam concedidas por ato do empregador nos 12 meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. A redação do dispositivo é imperativa, não conferindo margem de discricionariedade ao empregador quanto ao cumprimento deste prazo.
A norma consagra, em sua essência, a obrigatoriedade de concessão das férias dentro do período legalmente estabelecido, impondo ao empregador o dever de planejar e efetivar o descanso anual do trabalhador tempestivamente. Esta imposição normativa decorre da própria natureza do instituto das férias, que não se estrutura exclusivamente em função do interesse individual do empregado, mas igualmente em considerações relacionadas à política de saúde pública, bem-estar coletivo e construção da cidadania.
A partir da Lei 13.467/2017, que promoveu ampla reforma na legislação trabalhista, o artigo 134 passou a permitir o fracionamento das férias em até três períodos, desde que haja concordância do empregado. Esta possibilidade, contudo, não altera a imperatividade do prazo concessivo de 12 meses, devendo a totalidade das férias, ainda que parceladas, ser integralmente fruída dentro deste lapso temporal.
O parágrafo primeiro do artigo 134, em sua redação atual, estabelece que um dos períodos fracionados não poderá ser inferior a quatorze dias corridos, e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos. Adicionalmente, o parágrafo terceiro, também inserido pela reforma trabalhista, veda o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado, regra que busca assegurar a efetividade do descanso e evitar a fragmentação prejudicial do período de recuperação do trabalhador.
Embora o artigo 136 da CLT confira ao empregador a prerrogativa de definir a época de concessão das férias que melhor consulte os interesses da empresa, tal faculdade encontra-se circunscrita aos limites temporais do período concessivo. Ultrapassado este prazo sem a devida concessão, o empregador perde definitivamente esta prerrogativa e incorre nas sanções legalmente previstas.
Artigo 137 da CLT – Pagamento em Dobro
O artigo 137 da CLT constitui o dispositivo central na disciplina das férias vencidas, estabelecendo as consequências jurídicas do descumprimento do prazo concessivo pelo empregador. Sua redação determina de forma categórica: “Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.”
A expressão “sempre” reveste-se de significação jurídica fundamental, conferindo caráter absoluto à penalidade. Não há margem interpretativa que permita ao empregador eximir-se desta consequência, independentemente das razões que possam ter motivado o atraso na concessão. A norma não contempla excludentes, atenuantes ou justificativas que afastem a aplicação da dobra remuneratória, configurando-se como sanção de incidência automática pelo inadimplemento patronal.
A natureza jurídica desta dobra tem sido objeto de análise doutrinária e jurisprudencial consistente. Embora a Consolidação utilize a expressão “respectiva remuneração”, a parcela não ostenta caráter salarial, mas sim natureza híbrida de penalidade e reparação. O caráter punitivo manifesta-se na sanção imposta ao empregador que descumpre sua obrigação legal, enquanto o aspecto reparatório visa compensar o trabalhador pela frustração dos objetivos das férias, que perdem parte significativa de sua efetividade quando concedidas tardiamente ou pagas sem o efetivo gozo do período de descanso.
Esta caracterização jurídica produz efeitos práticos relevantes, especialmente no âmbito previdenciário. Por não ostentar natureza salarial, a dobra de férias não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária, conforme reconhecido pelo artigo 28, parágrafo 9º, alínea “d”, da Lei 8.212/1991, com redação conferida pela Lei 9.528/1997. O Diploma de Custeio da Seguridade Social expressamente exclui do salário de contribuição as importâncias recebidas a título de indenização, categoria na qual se enquadra a parcela ora examinada.
O primeiro parágrafo do artigo 137 assegura ao empregado o direito de ajuizar ação trabalhista pleiteando a fixação judicial da época de gozo das férias vencidas, quando o empregador permanecer em mora. A sentença que acolher este pedido cominará pena diária de cinco por cento do salário mínimo, devida ao empregado até o efetivo cumprimento da obrigação de conceder o descanso, configurando-se em mecanismo de tutela específica da obrigação de fazer.
O segundo parágrafo estabelece que esta pena diária será devida até que seja cumprida a determinação judicial, criando pressão econômica crescente sobre o empregador inadimplente. Trata-se de instrumento processual destinado a assegurar a efetividade da prestação jurisdicional, conhecido tecnicamente como astreintes, que se acumula diariamente até o integral cumprimento da obrigação.
Finalmente, o terceiro parágrafo determina que cópia da decisão judicial transitada em julgado seja remetida ao órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego, para fins de aplicação de multa de caráter administrativo. Esta previsão evidencia que o descumprimento do prazo concessivo de férias sujeita o empregador a um sistema tríplice de sanções: a dobra remuneratória de natureza civil, a pena diária de índole processual e a multa administrativa de caráter punitivo-regulatório, demonstrando a gravidade com que o ordenamento jurídico trata a violação deste direito fundamental do trabalhador.
Convenção 132 da OIT
A Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho, adotada em Genebra no ano de 1970, trata especificamente das férias anuais remuneradas e representa o mais importante diploma internacional sobre a matéria. O Brasil ratificou este tratado por meio do Decreto Legislativo 47, de 23 de setembro de 1981, depositando o instrumento de ratificação perante a OIT em 23 de setembro de 1998. A Convenção entrou em vigor no ordenamento jurídico nacional em 23 de setembro de 1999, sendo promulgada pelo Decreto Presidencial 3.197, de 5 de outubro de 1999.
Este diploma internacional integra o sistema normativo trabalhista brasileiro com status supralegal, conforme orientação jurisprudencial consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, que reconheceu hierarquia diferenciada aos tratados internacionais de direitos humanos, categoria na qual se inserem os diplomas da OIT ratificados pelo Brasil.
A Convenção 132 estabelece em seu artigo 9º que a parte ininterrupta das férias deve ser concedida e gozada o mais tardar dentro de um ano, e o restante do período mínimo de férias dentro de dezoito meses, contados a partir do término do ano de aquisição. Observa-se, assim, que o prazo estipulado pelo diploma internacional para a concessão integral das férias mostra-se menos favorável ao trabalhador do que aquele previsto na legislação brasileira, que determina a fruição completa em 12 meses subsequentes ao período aquisitivo.
Em face do princípio da norma mais favorável, que rege o Direito do Trabalho brasileiro e encontra fundamento no artigo 620 da CLT, no caput do artigo 7º e no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, prevalece a aplicação do prazo mais restritivo estabelecido no artigo 134 da Consolidação. A norma internacional não possui, portanto, o condão de ampliar o período concessivo nem de afastar as consequências previstas no ordenamento interno para a concessão extemporânea.
Cabe ressaltar que a própria Convenção 132, em diversos de seus dispositivos, adota postura normativa caracterizada por certa flexibilidade, permitindo que acordos individuais ou coletivos estabeleçam condições distintas daquelas por ela previstas. Esta característica reforça a interpretação de que o diploma internacional não se sobrepõe às garantias mais protetivas estabelecidas pela legislação nacional, devendo ser aplicado de forma complementar e sistêmica ao ordenamento trabalhista brasileiro, sempre observado o critério hermenêutico da maior vantagem ao trabalhador.
A interação entre as normas internacionais ratificadas e a legislação doméstica ilustra a complexidade do sistema de fontes do Direito do Trabalho, no qual a proteção ao trabalhador constitui vetor interpretativo fundamental. O operador jurídico deve, permanentemente, proceder ao cotejo entre os diversos diplomas normativos aplicáveis, identificando, em cada situação concreta, qual conjunto de regras proporciona maior tutela aos direitos do empregado, aplicando-o em detrimento de disposições menos favoráveis, independentemente de sua origem normativa.
O Pagamento em Dobro: Como Funciona?
A penalidade do pagamento em dobro das férias vencidas constitui sanção de natureza pecuniária que incide automaticamente sobre a remuneração devida ao empregado pelo período de descanso não concedido tempestivamente. A aplicação desta regra exige compreensão técnica precisa quanto à base de cálculo, à forma de incidência do terço constitucional e aos reflexos jurídicos decorrentes de sua natureza jurídica específica.
Base de Cálculo
A base de cálculo para o pagamento em dobro das férias vencidas compreende a integralidade da remuneração a que o empregado faria jus no período de descanso, acrescida do terço constitucional previsto no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal. Sobre este valor total aplica-se o multiplicador dois, resultando no montante efetivamente devido ao trabalhador.
A remuneração das férias, conforme estabelece o artigo 142 da CLT, corresponde àquela devida ao empregado na data de início de sua fruição. Este critério temporal mostra-se relevante especialmente em contratos que prevejam salário variável, comissões, adicionais ou outras parcelas de natureza flutuante, devendo o cálculo considerar as condições remuneratórias vigentes no momento em que as férias efetivamente se iniciam, e não aquelas vigentes ao término do período aquisitivo ou concessivo.
Tratando-se de empregado remunerado por salário fixo mensal, o cálculo apresenta relativa simplicidade. Considera-se o valor do salário mensal correspondente aos trinta dias de férias, acrescenta-se um terço deste montante a título de acréscimo constitucional, e multiplica-se o resultado por dois. Exemplificativamente, empregado que perceba salário mensal de três mil reais terá o seguinte cálculo: remuneração básica de três mil reais, acrescida de um terço constitucional de mil reais, totalizando quatro mil reais, que multiplicados por dois resultam em oito mil reais devidos a título de férias vencidas.
A complexidade aumenta consideravelmente quando se trata de remuneração variável. O parágrafo primeiro do artigo 142 da CLT determina que, quando o salário for pago por hora, com jornadas variáveis, apurar-se-á a média do período aquisitivo, aplicando-se o valor do salário na data da concessão das férias. Já o parágrafo segundo estabelece que, quando o salário for pago por tarefa ou peça, tomar-se-á por base a média da produção no período aquisitivo do direito a férias, aplicando-se o valor da remuneração da tarefa na data da concessão.
No caso de empregado comissionista ou que receba percentagens, o parágrafo terceiro do artigo 142 determina que a base de cálculo corresponderá à média percebida pelo empregado nos doze meses que precederam a concessão das férias. Esta média duodecimal deve ser calculada considerando-se os valores efetivamente recebidos em cada um dos meses do período aquisitivo, atualizados monetariamente até a data da concessão, conforme orientação jurisprudencial consolidada.
Os adicionais legais ou normativos habitualmente percebidos pelo empregado integram obrigatoriamente a remuneração das férias, nos termos do parágrafo quinto do artigo 142 da CLT. Quando tais adicionais forem pagos em valores variáveis ou não forem devidos no momento da concessão das férias, computar-se-ão pela média duodecimal recebida no período aquisitivo, conforme preceitua o parágrafo sexto do mesmo dispositivo.
Importante destacar que parcelas de natureza indenizatória não integram a base de cálculo das férias, ainda que pagas habitualmente ao empregado. Verbas como vale-transporte, ajuda de custo, diárias para viagem que não excedam cinquenta por cento da remuneração, entre outras de idêntica natureza, não compõem o salário e, consequentemente, não incidem no cálculo das férias vencidas.
Incidência do Terço Constitucional na Dobra
A questão da incidência do terço constitucional sobre as férias dobradas suscitou, durante considerável período, controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Sustentava-se, em determinadas interpretações, que o acréscimo constitucional deveria incidir apenas sobre o valor simples das férias, não sendo aplicável à dobra resultante da penalidade prevista no artigo 137 da CLT.
Esta tese fundamentava-se em interpretação literal da expressão constitucional “férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”, contida no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal. Argumentava-se que o texto constitucional referia-se ao gozo efetivo das férias, não contemplando situações em que o pagamento decorresse de penalidade pelo atraso na concessão.
Entretanto, tal interpretação restritiva não prevaleceu na jurisprudência trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento no sentido de que o terço constitucional incide sobre a integralidade do valor das férias, inclusive sobre a parcela resultante da dobra prevista no artigo 137 da CLT. Este posicionamento encontra-se cristalizado na Súmula 328, que estabelece: “O pagamento das férias, integrais ou proporcionais, gozadas ou não, na vigência da CF/1988, sujeita-se ao acréscimo do terço previsto no respectivo art. 7º, inciso XVII.”
O fundamento desta orientação jurisprudencial reside na natureza acessória do terço constitucional. Tratando-se de acréscimo que incide sobre o valor das férias, e sendo a dobra componente integrante deste valor nas situações de concessão extemporânea, não há fundamento jurídico para excluir a parcela adicional de um terço da base de cálculo ampliada pela penalidade legal.
Assim, a equação matemática para o cálculo das férias vencidas com terço constitucional estrutura-se da seguinte forma: toma-se o valor da remuneração correspondente ao período de férias, acrescenta-se um terço deste montante, e sobre o resultado aplica-se o multiplicador dois. Não se trata de calcular o terço apenas sobre o valor simples e depois somar à dobra, mas sim de considerar que a dobra incide sobre o valor total das férias já acrescidas do terço constitucional.
Retomando o exemplo anteriormente utilizado, empregado com salário de três mil reais mensais terá: remuneração das férias de três mil reais, acrescida de terço constitucional de mil reais, perfazendo quatro mil reais. Este montante de quatro mil reais, multiplicado por dois em razão da dobra do artigo 137, resulta em oito mil reais devidos. Não seria correto calcular a dobra sobre os três mil reais (seis mil reais) e depois acrescentar mil reais de terço, pois isto resultaria em apenas sete mil reais, violando o direito constitucional ao acréscimo de um terço sobre a totalidade das férias.
Esta interpretação harmoniza-se com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, notadamente o princípio da proteção e o critério hermenêutico do in dubio pro operario, que orientam a aplicação das normas trabalhistas no sentido mais favorável ao empregado sempre que houver dúvida razoável quanto ao alcance ou sentido de determinado preceito.
Natureza Jurídica da Dobra
A correta identificação da natureza jurídica da dobra de férias vencidas revela-se fundamental para a determinação de seus efeitos no âmbito trabalhista, previdenciário e tributário. Embora o artigo 137 da CLT utilize a expressão “pagará em dobro a respectiva remuneração”, o que poderia sugerir caráter salarial à parcela, a melhor doutrina e a jurisprudência consolidada reconhecem que a dobra não ostenta natureza remuneratória, mas sim indenizatória e punitiva.
O caráter punitivo da dobra manifesta-se de forma inequívoca. Trata-se de sanção imposta pelo ordenamento jurídico ao empregador que descumpre sua obrigação legal de conceder férias no período estabelecido. A penalidade possui finalidade pedagógica e dissuasória, visando desestimular práticas empresariais contrárias à legislação trabalhista e induzir o cumprimento tempestivo das obrigações patronais. O rigor da sanção reflete a gravidade com que o legislador trata a violação ao direito de férias, reconhecendo sua importância para a preservação da saúde física e mental do trabalhador.
Simultaneamente, a dobra apresenta caráter reparatório ou compensatório. As férias concedidas extemporaneamente ou pagas sem o efetivo gozo do descanso não cumprem integralmente suas funções essenciais. A recuperação das energias físicas e mentais do empregado, sua reinserção no contexto familiar e comunitário, e os demais objetivos do instituto restam parcialmente frustrados quando as férias não são fruídas no momento adequado. A dobra visa, assim, compensar o trabalhador por esta frustração, constituindo forma de reparação pelos prejuízos imateriais decorrentes do inadimplemento patronal.
Esta natureza jurídica híbrida produz consequências práticas relevantes. No âmbito previdenciário, por não constituir verba de natureza salarial, a dobra de férias não integra o salário de contribuição para fins de incidência de contribuições previdenciárias. O artigo 28, parágrafo 9º, alínea “d”, da Lei 8.212/1991, com redação conferida pela Lei 9.528/1997, expressamente exclui da base de cálculo do salário de contribuição “as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da CLT”.
No âmbito do imposto de renda, a Receita Federal do Brasil tradicionalmente tem considerado a dobra de férias como rendimento tributável, sujeitando-a à incidência do imposto na fonte e na declaração anual. Esta posição, embora questionável sob a perspectiva da natureza indenizatória da parcela, fundamenta-se na inexistência de previsão legal expressa de isenção para esta verba específica.
Para fins de apuração de outros direitos trabalhistas, a dobra de férias não produz reflexos. Não integra a remuneração do empregado para cálculo do décimo terceiro salário, do aviso prévio, das horas extras ou de qualquer outra parcela trabalhista, precisamente por não ostentar natureza salarial. Trata-se de verba autônoma, com finalidade específica de penalizar e reparar o descumprimento de obrigação legal.
Em casos de insolvência empresarial ou falência, a natureza jurídica da dobra influencia sua classificação no concurso de credores. Embora o artigo 148 da CLT determine que a remuneração das férias seja considerada como salário para os efeitos do artigo 449, que trata da preferência creditória na falência, a jurisprudência tem entendido que esta equiparação não se estende à parcela correspondente à dobra, que receberia tratamento de crédito comum, não privilegiado.
Finalmente, cabe registrar que a natureza não salarial da dobra não afasta sua exigibilidade integral. Trata-se de direito líquido e certo do empregado, decorrente do inadimplemento patronal, cuja natureza jurídica específica apenas define os efeitos reflexos da parcela, não sua essência como obrigação trabalhista plenamente exigível.
Concessão Extemporânea: Efeitos Jurídicos
A concessão de férias após o término do período legalmente estabelecido configura mora patronal que gera múltiplos efeitos jurídicos, variando conforme as férias sejam concedidas durante a vigência do contrato de trabalho ou pagas por ocasião da rescisão contratual. A análise sistemática destes efeitos revela a complexidade das consequências decorrentes do inadimplemento da obrigação de conceder férias tempestivamente.
Durante o Contrato de Trabalho
Quando o empregador não concede as férias dentro do período concessivo, mas o contrato de trabalho permanece em vigor, a primeira consequência jurídica é a manutenção da obrigação de conceder o descanso. O simples transcurso do prazo não extingue o direito do trabalhador ao gozo efetivo das férias, nem converte automaticamente a obrigação de fazer em obrigação de pagar. O empregador permanece obrigado a proporcionar ao empregado o período de descanso, ainda que extemporaneamente.
Entretanto, a mora patronal produz alteração substancial no regime jurídico da concessão. O empregador perde definitivamente a prerrogativa conferida pelo artigo 136 da CLT de escolher a época das férias que melhor consulte os interesses da empresa. Esta faculdade somente subsiste enquanto vigente o período concessivo. Ultrapassado este prazo, o empregador passa a estar vinculado à necessidade de conceder as férias de imediato, não mais podendo invocar conveniência organizacional para postergar a fruição do descanso.
A obrigação de pagamento em dobro incide integralmente sobre a remuneração das férias concedidas após o prazo legal. O artigo 137 da CLT é explícito ao determinar que “sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração”. A expressão “sempre” confere caráter absoluto à sanção, não admitindo exceções ou atenuações.
Situação peculiar verifica-se quando as férias vencidas são concedidas de forma parcelada, com parte dos dias sendo fruídos ainda dentro do período concessivo e parte após este prazo. Nesta hipótese, a Súmula 81 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece solução jurídica que distribui os efeitos da mora de forma proporcional: “Os dias de férias gozados após o período legal de concessão deverão ser remunerados em dobro”.
Esta orientação jurisprudencial implica que o empregado receberá remuneração simples pelos dias de férias efetivamente gozados dentro do período concessivo, e remuneração dobrada pelos dias fruídos após o término deste prazo. Exemplificativamente, se o período concessivo encerra-se em 10 de janeiro de 2025 e o empregador concede férias de 30 dias com início em 5 de janeiro de 2025, os primeiros cinco dias serão remunerados de forma simples, enquanto os 25 dias restantes, fruídos após 10 de janeiro, receberão a dobra prevista no artigo 137 da CLT.
Esta solução jurídica, embora produza cálculos de maior complexidade, revela-se tecnicamente adequada por não penalizar excessivamente o empregador que, embora tardiamente, ainda concedeu parte das férias dentro do prazo legal, ao mesmo tempo em que não prejudica o trabalhador quanto aos dias efetivamente gozados em mora patronal.
Além da obrigação pecuniária, o empregador em mora quanto à concessão de férias sujeita-se a outras consequências de natureza processual e administrativa, que serão examinadas nos tópicos subsequentes deste capítulo.
Ação Judicial para Fixação da Época
O parágrafo primeiro do artigo 137 da CLT confere ao empregado instrumento processual específico para compelir o empregador inadimplente a conceder as férias vencidas. Trata-se de ação trabalhista que visa à obtenção de tutela jurisdicional específica, mediante a qual o magistrado fixa judicialmente a época em que as férias deverão ser gozadas, substituindo-se à vontade do empregador omisso.
Esta modalidade de ação trabalhista constitui exemplo de tutela específica da obrigação de fazer, instituto que ganhou significativa relevância no processo civil brasileiro a partir da reforma processual da década de 1990 e que foi amplamente incorporado ao Código de Processo Civil de 2015. O objetivo precípuo desta forma de tutela jurisdicional não é a condenação ao pagamento de indenização substitutiva, mas sim a efetiva realização, na medida do possível, do resultado prático equivalente ao adimplemento voluntário da obrigação.
A sentença que acolher o pedido de fixação judicial da época das férias cominará pena diária de cinco por cento do salário mínimo, devida ao empregado até que seja cumprida a determinação judicial. Esta pena, tecnicamente denominada astreinte, constitui mecanismo de coerção indireta destinado a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Seu valor acumula-se diariamente, majorando progressivamente o custo do descumprimento e criando pressão econômica crescente sobre o empregador recalcitrante.
O parágrafo segundo do artigo 137 estabelece que a pena diária será devida até o efetivo cumprimento da determinação judicial, não prevendo limitação temporal ou quantitativa para sua incidência. A ausência de teto legal para o valor acumulado das astreintes suscitou debate jurisprudencial quanto à possibilidade de fixação de limite pelo magistrado ou de redução do valor acumulado quando este se tornar desproporcional. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, embora o juiz possa fixar prazo razoável para cumprimento da obrigação antes do início da contagem da multa diária, e embora possa posteriormente reduzir o valor acumulado quando manifestamente excessivo, a astreinte deve ser estabelecida em patamar suficiente para desestimular o descumprimento.
No âmbito trabalhista, prevalece o entendimento de que o percentual de cinco por cento do salário mínimo estabelecido no parágrafo segundo do artigo 137 constitui valor mínimo, podendo o magistrado majorá-lo quando julgar insuficiente para compelir o empregador ao cumprimento, mas não podendo reduzi-lo, por se tratar de patamar fixado expressamente em lei.
Relevante observar que a fixação judicial da época das férias não exime o empregador do pagamento em dobro previsto no caput do artigo 137. A dobra incide sobre a remuneração das férias em razão da concessão extemporânea, configurando-se no momento em que se ultrapassa o período concessivo. A necessidade de intervenção judicial apenas agrava a situação do empregador, que além da dobra remuneratória deverá arcar com as astreintes diárias e com a multa administrativa, sem prejuízo das custas processuais e honorários advocatícios decorrentes da necessidade de judicialização.
Multa Administrativa
O parágrafo terceiro do artigo 137 da CLT estabelece que cópia da decisão judicial transitada em julgado que fixar a época de gozo das férias será remetida ao órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego, para fins de aplicação de multa de caráter administrativo. Esta previsão legal evidencia que o descumprimento do prazo concessivo de férias sujeita o empregador a sanção administrativa autônoma, independente e cumulativa em relação às consequências de natureza civil decorrentes da mora.
A multa administrativa por descumprimento da legislação de férias encontra fundamento nos artigos 201 e 634 da CLT, que estabelecem o regime geral de infrações administrativas trabalhistas. A Portaria 392/2022 do Ministério do Trabalho e Emprego, que consolida as normas sobre imposição de multas administrativas por infração à legislação trabalhista, tipifica a irregularidade na concessão de férias como infração grave, sujeitando o empregador a penalidade pecuniária.
O valor da multa administrativa varia conforme a natureza jurídica do empregador e a gravidade da infração, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos no artigo 634 da CLT, com as alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017. Para microempresas e empresas de pequeno porte, a multa pode variar de valores mais reduzidos, enquanto para empresas de maior porte os valores mostram-se substancialmente superiores. A reincidência e a presença de circunstâncias agravantes podem elevar o patamar da penalidade até seu limite máximo.
Importante destacar que a multa administrativa não se confunde com a dobra remuneratória prevista no caput do artigo 137. Enquanto esta última possui natureza de penalidade civil destinada ao empregado prejudicado, a multa administrativa constitui sanção de direito público, revestindo-se de caráter punitivo-regulatório, cujo valor reverte em favor da União Federal. Tampouco se confunde com as astreintes processuais estabelecidas na sentença que fixa a época das férias, que possuem natureza coercitiva e destinam-se ao trabalhador como forma de compeli-lo ao cumprimento da decisão judicial.
A aplicação da multa administrativa segue procedimento próprio previsto na legislação de fiscalização do trabalho. Recebida a comunicação da decisão judicial transitada em julgado, o órgão fiscalizador lavrará auto de infração, assegurando-se ao empregador o direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo administrativo. A defesa poderá ser apresentada no prazo legal, com possibilidade de recurso às instâncias administrativas superiores.
Cumpre observar que a fiscalização do trabalho pode lavrar auto de infração por descumprimento do prazo concessivo de férias independentemente de provocação judicial, no exercício regular de seu poder de polícia administrativa. A constatação, em procedimento fiscal, de que empregados possuem férias vencidas não concedidas enseja a autuação do empregador, ainda que não tenha havido ajuizamento de ação trabalhista. Neste caso, a multa administrativa poderá ser aplicada mesmo sem a dobra remuneratória ter sido judicialmente reconhecida, evidenciando a autonomia das esferas sancionatória civil e administrativa.
Na Rescisão Contratual
A extinção do contrato de trabalho produz efeitos específicos sobre as férias vencidas, diferenciando-se o tratamento jurídico conforme a modalidade de rescisão. No que concerne às férias vencidas, contudo, aplica-se regra uniforme: independentemente da causa de extinção do vínculo empregatício, as férias vencidas serão sempre devidas com a dobra prevista no artigo 137 da CLT.
Esta uniformidade de tratamento decorre do fato de que as férias vencidas constituem direito adquirido do empregado, incorporado definitivamente ao seu patrimônio jurídico desde o momento em que se completou o respectivo período aquisitivo. A natureza de direito adquirido impede que a modalidade de ruptura contratual afete a exigibilidade da parcela ou elimine a dobra incidente sobre sua remuneração.
Assim, receberá a dobra de férias vencidas o empregado dispensado sem justa causa, o dispensado com justa causa, aquele que solicita demissão, o que tem seu contrato extinto por culpa recíproca, por falecimento, por aposentadoria, ou por qualquer outra causa de cessação do vínculo empregatício. Até mesmo na dispensa por justa causa obreira, hipótese em que o empregado perde diversas verbas rescisórias, as férias vencidas com a dobra permanecem exigíveis, porque adquiridas antes da falta grave que motivou a ruptura.
O cálculo das férias vencidas pagas na rescisão observará a remuneração vigente na data da extinção contratual, respeitada a projeção do aviso prévio quando este for devido. O artigo 142 da CLT estabelece que a remuneração das férias será calculada com base no salário vigente na data de sua concessão, e o artigo 487, parágrafo primeiro, determina que o aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais. Consequentemente, havendo aviso prévio, ainda que indenizado, a data a ser considerada para fins de cálculo será aquela correspondente ao término de sua projeção.
Quanto à prescrição, as férias vencidas pagas na rescisão sujeitam-se a regime específico. Durante a vigência do contrato, a prescrição das férias vencidas conta-se do término do respectivo período concessivo, observado o prazo quinquenal. Entretanto, com a ruptura contratual, passa a incidir também o prazo bienal previsto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, contado da extinção do vínculo. Assim, mesmo que determinadas férias vencidas não estivessem prescritas pela regra quinquenal, poderão tornar-se inexigíveis se não forem reclamadas no prazo de dois anos após o término do contrato.
A natureza jurídica das férias vencidas pagas na rescisão permanece sendo de penalidade e reparação quanto à dobra, e assume caráter indenizatório quanto à parcela principal. Embora durante o contrato as férias gozadas tenham natureza salarial, quando pagas sem o efetivo gozo por ocasião da ruptura contratual assumem inequívoco caráter indenizatório, por constituírem compensação pecuniária pela impossibilidade de fruição do descanso. Esta natureza indenizatória é expressamente reconhecida pela legislação previdenciária, que exclui as férias indenizadas da base de cálculo da contribuição previdenciária.
Finalmente, cabe registrar que as férias vencidas não se confundem com as férias simples e proporcionais que também podem ser devidas na rescisão. Tratam-se de parcelas autônomas, com regimes jurídicos distintos, que se acumulam quando presentes os respectivos pressupostos. Um empregado pode receber, na mesma rescisão contratual, férias vencidas em dobro referentes a período aquisitivo cujo prazo concessivo já se esgotou, férias simples referentes a período aquisitivo completo cujo prazo concessivo ainda está em curso, e férias proporcionais referentes ao período aquisitivo incompleto, cada qual com seu cálculo específico e seus efeitos jurídicos próprios.
Prescrição: Prazos para Reclamar Férias Vencidas
A prescrição constitui instituto jurídico que extingue a pretensão de exigibilidade judicial de um direito em razão do decurso do prazo legalmente estabelecido sem que o titular tenha exercido sua faculdade de ação. No âmbito do Direito do Trabalho, a matéria prescricionai recebe tratamento constitucional específico, previsto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, que estabelece os prazos aplicáveis aos créditos resultantes das relações de trabalho.
A prescrição das férias vencidas submete-se a regime jurídico particular, que varia conforme as férias sejam reclamadas durante a vigência do contrato de trabalho ou após sua extinção. Esta dualidade de critérios prescricionais decorre da própria sistemática constitucional, que distingue entre a prescrição quinquenal, aplicável às pretensões surgidas no curso do vínculo empregatício, e a prescrição bienal, incidente sobre a ação trabalhista como um todo após a ruptura contratual.
Prescrição Durante o Contrato
Durante a vigência do contrato de trabalho, a prescrição das férias vencidas rege-se pelo prazo quinquenal previsto na parte final do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, que estabelece: “até o limite de cinco anos do que for devido”. Este dispositivo consagra a denominada prescrição parcial ou prescrição de trato sucessivo, aplicável aos créditos trabalhistas que se renovam periodicamente ao longo da relação de emprego.
O marco inicial para a contagem do prazo quinquenal das férias vencidas situa-se no dia imediatamente posterior ao término do período concessivo. Este critério fundamenta-se na teoria da actio nata, segundo a qual a prescrição somente começa a fluir a partir do momento em que nasce para o titular do direito a possibilidade de exercer a pretensão correspondente. Enquanto o período concessivo está em curso, o empregador ainda dispõe de prazo legal para conceder as férias, não se podendo falar em inadimplemento ou mora. Somente com o esgotamento deste prazo é que surge a exigibilidade judicial do direito, deflagrando-se a contagem prescricional.
Exemplificativamente, consideremos empregado admitido em 15 de março de 2020, que completou seu primeiro período aquisitivo em 14 de março de 2021. O período concessivo destas férias estendeu-se de 15 de março de 2021 a 14 de março de 2022. Não tendo o empregador concedido as férias até esta última data, elas tornaram-se vencidas em 15 de março de 2022, data em que se iniciou a contagem do prazo prescricional quinquenal. Permanecendo o contrato em vigor, o empregado terá até 14 de março de 2027 para ajuizar reclamação trabalhista pleiteando estas férias vencidas.
A aplicação da prescrição quinquenal durante o contrato opera de forma individual em relação a cada período de férias. Cada período aquisitivo gera direito autônomo a férias, com período concessivo próprio e, consequentemente, com prazo prescricional independente. Assim, é plenamente possível que, em um mesmo contrato de longa duração, certos períodos de férias estejam prescritos enquanto outros permanecem exigíveis, conforme o transcurso do quinquênio em relação a cada um deles.
Esta fragmentação da prescrição revela-se particularmente relevante em situações de acúmulo prolongado de férias não concedidas. Empregador que sistematicamente deixa de conceder férias ao longo de vários anos poderá constatar que, ao ser demandado judicialmente, os períodos mais antigos já se encontram atingidos pela prescrição, subsistindo apenas a exigibilidade dos períodos mais recentes, dentro do quinquênio anterior ao ajuizamento da ação.
Cumpre esclarecer que o prazo quinquenal não se aplica à totalidade das férias devidas durante o contrato, mas às pretensões que ultrapassem este período contado retroativamente da data do ajuizamento da ação. O empregado que permanece trabalhando pode, a qualquer momento, ajuizar reclamação pleiteando as férias vencidas não concedidas, obtendo a condenação do empregador ao pagamento de todos os períodos cujos prazos concessivos se encerraram nos cinco anos anteriores ao protocolo da petição inicial.
Importante destacar que a prescrição não atinge o direito às férias propriamente dito, mas apenas a pretensão de sua exigibilidade judicial. O empregador que efetivamente concede férias vencidas prescritas, pagando a dobra correspondente, realiza pagamento devido, não podendo posteriormente pleitear sua repetição sob alegação de que a dívida estava prescrita. A prescrição constitui defesa que deve ser alegada pelo devedor, não operando de ofício no processo trabalhista após a vigência da Lei 13.467/2017, que alterou o artigo 11, parágrafo segundo, da CLT.
Prescrição Após a Extinção Contratual
Com a extinção do contrato de trabalho, a sistemática prescricionai sofre alteração substancial. O inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal estabelece, em sua parte inicial, prazo de dois anos para o ajuizamento da ação trabalhista, contado da extinção do contrato: “ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.
Este prazo bienal, denominado prescrição total ou prescrição da ação, constitui limite temporal absoluto para o exercício da pretensão trabalhista após a ruptura do vínculo empregatício. Transcorridos dois anos da extinção contratual sem que o trabalhador tenha ajuizado reclamação trabalhista, extingue-se a pretensão relativamente a todos os créditos decorrentes daquele contrato, incluindo as férias vencidas, simples e proporcionais.
A interação entre a prescrição bienal e a prescrição quinquenal produz efeitos que merecem análise detida. Durante a vigência do contrato, cada período de férias vencidas possui seu prazo prescricional quinquenal próprio, contado do término do respectivo período concessivo. Com a extinção contratual, passa a incidir também o prazo bienal, que pode alcançar férias que ainda não estariam prescritas pela regra quinquenal.
Consideremos situação ilustrativa: empregado cujo período concessivo de férias encerrou-se em 10 de janeiro de 2023, sem que as férias fossem concedidas. O prazo prescricional quinquenal destas férias vencidas iniciou-se em 11 de janeiro de 2023, estendendo-se até 10 de janeiro de 2028. Se o contrato de trabalho for extinto em 15 de março de 2025, começa a fluir, a partir desta data, o prazo bienal para ajuizamento de ação. Caso o empregado não ajuíze reclamação trabalhista até 14 de março de 2027, perderá o direito de pleitear estas férias, embora o prazo quinquenal somente se completasse em janeiro de 2028.
Esta sistemática pode gerar situações em que férias recentemente vencidas tornem-se inexigíveis pelo decurso do biênio, caso a extinção contratual tenha ocorrido há mais de dois anos. Por exemplo, empregado dispensado em 10 de janeiro de 2023, cujo período concessivo de férias encerrou-se em 5 de dezembro de 2022, terá estas férias alcançadas pela prescrição bienal caso não ajuíze ação até 9 de janeiro de 2025, embora o prazo quinquenal contado do término do período concessivo somente se esgotasse em dezembro de 2027.
A jurisprudência trabalhista consolidou entendimento no sentido de que o prazo prescricional bienal tem natureza de prescrição da ação, e não do direito material. Consequentemente, interrompe-se ou suspende-se o prazo bienal pelas causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição previstas no Código Civil, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho por força do artigo 8º da CLT.
Relevante observar que o marco inicial do prazo bienal é a data efetiva da extinção do contrato de trabalho. Quando houver aviso prévio, ainda que indenizado, a data a ser considerada será aquela correspondente ao término de sua projeção, e não a data da comunicação da dispensa ou do último dia efetivamente trabalhado. Esta orientação decorre do parágrafo primeiro do artigo 487 da CLT, que determina a integração do aviso prévio, mesmo indenizado, ao tempo de serviço para todos os efeitos legais.
A prescrição bienal aplica-se uniformemente a todas as verbas rescisórias e a todos os créditos decorrentes do contrato extinto, incluindo férias vencidas, simples e proporcionais, independentemente do momento em que cada período aquisitivo se completou. O empregado que pretenda pleitear seus direitos trabalhistas após a extinção do contrato deve estar atento ao prazo fatal de dois anos, sob pena de ver extinta sua pretensão pela decadência do direito de ação.
Consequências para o Empregador
O descumprimento da obrigação de conceder férias no período legalmente estabelecido expõe o empregador a um conjunto amplo e diversificado de consequências jurídicas, que transcendem a mera obrigação de pagamento em dobro da remuneração correspondente. A mora patronal quanto às férias gera repercussões nas esferas administrativa, trabalhista, econômica e até reputacional, podendo comprometer significativamente a sustentabilidade organizacional e a gestão de riscos corporativos.
Sanções Administrativas
A fiscalização do trabalho, no exercício de seu poder de polícia administrativa, possui competência para autuar empregadores que mantenham empregados com férias vencidas não concedidas. Esta atribuição decorre dos artigos 626 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelecem o sistema de fiscalização, autuação e imposição de penalidades administrativas por descumprimento da legislação trabalhista.
A irregularidade na concessão de férias configura infração administrativa tipificada, sujeitando o empregador à lavratura de auto de infração e à aplicação de multa pecuniária. O artigo 153 da CLT estabelece sanção específica para o descumprimento das normas sobre férias, determinando que o empregador que não conceder as férias nos prazos e condições previstos na legislação ficará sujeito à multa administrativa prevista no artigo 634 da Consolidação.
A Portaria 392/2022 do Ministério do Trabalho e Emprego, que consolida as normas sobre imposição de multas por infração à legislação trabalhista, classifica as irregularidades relacionadas a férias conforme sua gravidade. A não concessão de férias no prazo legal constitui infração de natureza grave, acarretando penalidade pecuniária que varia conforme o porte da empresa e o número de trabalhadores afetados.
Os valores das multas administrativas observam os limites estabelecidos no artigo 634 da CLT, com redação conferida pela Lei 13.467/2017. Para infrações leves, a multa varia de um valor mínimo equivalente a determinado patamar da Unidade Fiscal de Referência até valor máximo consideravelmente superior. Para infrações graves, categoria na qual se insere o descumprimento do prazo concessivo de férias, os valores são substancialmente majorados. Tratando-se de infrações gravíssimas, que podem incluir situações de reiterado e sistemático descumprimento das normas sobre férias, as multas atingem patamares ainda mais elevados.
A gradação da penalidade administrativa considera diversos fatores. O porte econômico da empresa constitui elemento fundamental, aplicando-se às microempresas e empresas de pequeno porte valores reduzidos em relação àqueles impostos a empresas de médio e grande porte. O número de trabalhadores atingidos pela irregularidade também influencia o quantum da multa, podendo a penalidade ser aplicada de forma individualizada por empregado prejudicado ou de forma global quando a irregularidade afetar parcela significativa do quadro funcional.
A reincidência representa agravante que pode elevar substancialmente o valor da multa. Empregador que, tendo sido anteriormente autuado por irregularidades em férias, persiste na prática irregular, sofrerá penalidade majorada em razão da reiteração. A jurisprudência administrativa consolidada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego reconhece a reincidência específica, que se configura pela repetição de infração da mesma natureza, e a reincidência genérica, caracterizada pela prática de qualquer infração trabalhista após autuação anterior.
O procedimento para aplicação da multa administrativa observa as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Lavrado o auto de infração, o empregador será notificado para, querendo, apresentar defesa escrita no prazo de dez dias. A defesa será apreciada pela autoridade administrativa competente, que poderá acolhê-la integralmente, arquivando o auto de infração, acolhê-la parcialmente, reduzindo o valor da multa ou modificando a tipificação da infração, ou rejeitá-la, mantendo integralmente a autuação.
Da decisão administrativa que mantém ou reduz a multa cabe recurso ao órgão hierarquicamente superior, observados os prazos e requisitos estabelecidos na legislação processual administrativa. Esgotadas as instâncias administrativas com a manutenção da penalidade, a multa será inscrita em dívida ativa da União, constituindo-se em título executivo extrajudicial que fundamentará execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Relevante destacar que a multa administrativa não se confunde com a dobra remuneratória de férias prevista no artigo 137 da CLT, nem com as astreintes processuais que podem ser cominadas em ação judicial. Trata-se de sanções autônomas e cumulativas, cada qual com fundamento, natureza jurídica e finalidade próprios. O empregador que mantém empregado com férias vencidas sujeita-se, simultaneamente, ao pagamento da dobra em favor do trabalhador, à multa administrativa em favor da União, e, se houver ação judicial, às astreintes processuais.
Riscos Trabalhistas
Para além das sanções administrativas, o descumprimento sistemático da obrigação de conceder férias gera significativos riscos trabalhistas que podem comprometer a sustentabilidade financeira da organização. O principal risco consiste na formação de passivo trabalhista de dimensões expressivas, especialmente quando a irregularidade se estende por período prolongado e atinge parcela considerável do quadro de empregados.
O passivo trabalhista decorrente de férias vencidas não se limita ao valor principal da dobra remuneratória. Sobre os créditos trabalhistas reconhecidos judicialmente incidem juros de mora e correção monetária, calculados desde a data em que cada parcela se tornou devida até o efetivo pagamento. No processo do trabalho, os juros de mora seguem a taxa estabelecida no artigo 39 da Lei 8.177/1991, correspondente à Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, acumulada mensalmente.
A correção monetária, por sua vez, visa preservar o poder aquisitivo do crédito trabalhista, recompondo as perdas decorrentes da inflação no período entre o vencimento da obrigação e seu efetivo adimplemento. A Lei 13.467/2017 estabeleceu que, para créditos judiciais trabalhistas, a correção monetária seria calculada pela Taxa Referencial – TR. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.867 e 6.021, declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos trabalhistas, determinando a aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E.
A incidência de juros e correção monetária sobre valores significativos de férias vencidas acumuladas ao longo de anos pode representar acréscimo substancial ao montante devido. Considerando-se que os juros incidem desde a data em que cada período de férias se tornou exigível, e que a correção monetária recompõe integralmente as perdas inflacionárias, o valor final a ser pago pelo empregador pode superar em muito o montante originalmente devido.
Acrescem-se a estes valores os honorários advocatícios de sucumbência. O artigo 791-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, estabelece que ao advogado do vencedor serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de cinco e o máximo de quinze por cento sobre o valor que resultar da liquidação da sentença. Em ações envolvendo expressivos valores de férias vencidas acumuladas, os honorários advocatícios podem representar montante considerável, onerando ainda mais o custo final do descumprimento da obrigação.
O risco trabalhista agrava-se quando a irregularidade é detectada em contextos de auditoria externa ou due diligence para operações societárias. Empresas que pretendem realizar fusões, aquisições, cisões ou abertura de capital no mercado de valores mobiliários submetem-se a rigorosos processos de auditoria que identificam passivos trabalhistas contingentes. A constatação de férias vencidas acumuladas para parcela significativa do quadro funcional pode inviabilizar a operação pretendida, gerar renegociação de valores com substancial redução do preço, ou ensejar a imposição de cláusulas contratuais onerosas para mitigação dos riscos identificados.
Em processos de certificação empresarial, especialmente aqueles relacionados a boas práticas de gestão de pessoas, responsabilidade social corporativa e conformidade trabalhista, a existência de férias vencidas não concedidas pode obstar a obtenção dos selos e certificações pretendidos. Empresas que integram cadeias de fornecimento de grandes corporações frequentemente submetem-se a auditorias de compliance trabalhista, podendo ser excluídas do rol de fornecedores homologados caso sejam identificadas irregularidades graves na gestão de férias.
O descumprimento reiterado da obrigação de conceder férias pode, ainda, fundamentar pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho. O artigo 483 da CLT elenca as hipóteses em que o empregado pode considerar rescindido o contrato por culpa do empregador, pleiteando as verbas rescisórias correspondentes à dispensa sem justa causa. Embora a jurisprudência exija conduta empresarial grave para configuração da rescisão indireta, o acúmulo prolongado de múltiplos períodos de férias vencidas, associado a outras irregularidades contratuais, pode caracterizar descumprimento das obrigações contratuais que autorize a rescisão por culpa patronal.
Aspectos Reputacionais e Organizacionais
As consequências do descumprimento da obrigação de conceder férias estendem-se para além da esfera jurídica, atingindo dimensões reputacionais e organizacionais que podem comprometer a competitividade e a sustentabilidade da empresa no longo prazo. A gestão inadequada de férias reflete deficiências nos processos de recursos humanos e pode impactar negativamente o clima organizacional, a produtividade e a capacidade de atração e retenção de talentos.
O clima organizacional deteriora-se significativamente quando os empregados percebem que a empresa descumpre sistematicamente a obrigação de conceder férias. Este direito trabalhista possui elevada visibilidade entre os trabalhadores, que acompanham atentamente o transcurso dos períodos aquisitivos e concessivos. A percepção de que a organização desrespeita sistematicamente este direito fundamental gera descontentamento, desmotivação e perda de confiança na gestão, com reflexos diretos sobre o engajamento e a produtividade.
A ausência de concessão regular de férias compromete, ademais, os próprios objetivos do instituto. As férias destinam-se à recuperação das energias físicas e mentais do trabalhador, à sua reinserção no contexto familiar e comunitário, e à prevenção de doenças ocupacionais relacionadas ao estresse e à fadiga crônica. Empregados privados do descanso anual apresentam maior incidência de afastamentos por doenças, redução de produtividade, aumento de erros e acidentes de trabalho, gerando custos diretos e indiretos para a organização.
No âmbito da responsabilidade social corporativa e dos critérios ESG – Environmental, Social and Governance, a conformidade com a legislação trabalhista constitui elemento essencial da dimensão social. Empresas que adotam práticas de desrespeito sistemático aos direitos trabalhistas enfrentam dificuldades crescentes para acesso a linhas de financiamento diferenciadas, participação em índices de sustentabilidade do mercado de capitais, e obtenção de certificações que atestem boas práticas de governança.
A reputação corporativa no mercado de trabalho também sofre impactos negativos. Em contexto de crescente transparência proporcionada pelas plataformas digitais de avaliação de empregadores, práticas inadequadas de gestão de férias tornam-se públicas e influenciam a percepção de potenciais candidatos sobre a empresa. Organizações que ostentam má reputação quanto ao respeito aos direitos trabalhistas enfrentam dificuldades para atração de profissionais qualificados, especialmente em mercados competitivos e em segmentos que demandam alta especialização técnica.
A exposição midiática constitui risco adicional. Autuações administrativas de grande vulto, ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho, ou reclamações trabalhistas envolvendo valores expressivos relacionados a férias vencidas podem ganhar repercussão em veículos de comunicação, comprometendo a imagem institucional da empresa perante clientes, fornecedores, investidores e a sociedade em geral.
Por todas estas razões, a gestão adequada de férias transcende o mero cumprimento de obrigação legal, constituindo elemento estratégico de gestão de pessoas e de riscos corporativos. A implementação de sistemas eficientes de controle dos períodos aquisitivos e concessivos, a adoção de políticas claras de planejamento de férias, e o estabelecimento de mecanismos de governança que assegurem o cumprimento tempestivo das obrigações trabalhistas representam investimentos que se justificam não apenas pela prevenção de sanções e passivos, mas pela construção de ambiente organizacional saudável, produtivo e sustentável.
Situações Especiais e Jurisprudência
A aplicação das normas relativas a férias vencidas envolve situações fáticas específicas que demandam análise particularizada quanto aos efeitos jurídicos decorrentes. A jurisprudência trabalhista consolidada, especialmente através das súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, tem oferecido soluções interpretativas para estas situações, conferindo maior previsibilidade e segurança jurídica às relações de trabalho.
Férias Parceladas e Vencimento Parcial
Situação que desperta questionamentos na prática trabalhista diz respeito às férias que são concedidas de forma parcelada, com parte dos dias sendo fruídos ainda dentro do período concessivo e parte após o término deste prazo. A questão que se coloca é se a dobra prevista no artigo 137 da CLT incidirá sobre a totalidade das férias ou apenas sobre os dias efetivamente gozados em mora patronal.
A Súmula 81 do Tribunal Superior do Trabalho oferece solução jurídica para esta controvérsia, estabelecendo: “Os dias de férias gozados após o período legal de concessão deverão ser remunerados em dobro”. Esta orientação jurisprudencial determina que a dobra incide exclusivamente sobre os dias fruídos após o término do período concessivo, permanecendo com remuneração simples os dias gozados dentro do prazo legal.
A aplicação prática desta orientação exige cálculo diferenciado, que separa os dias de férias em dois blocos distintos. O primeiro bloco, correspondente aos dias fruídos dentro do período concessivo, será remunerado de forma simples, acrescido do terço constitucional. O segundo bloco, referente aos dias gozados após o término do período concessivo, receberá a dobra remuneratória prevista no artigo 137 da CLT, também acrescida do terço constitucional.
Exemplificativamente, considere-se empregado cujo período concessivo de férias encerra-se em 20 de março de 2025. O empregador concede férias de trinta dias com início em 15 de março de 2025. Os primeiros cinco dias, compreendidos entre 15 e 19 de março, foram fruídos dentro do período concessivo, devendo ser remunerados de forma simples. Os vinte e cinco dias restantes, correspondentes ao período de 20 de março em diante, foram gozados após o término do prazo legal, ensejando a aplicação da dobra remuneratória.
O cálculo proceder-se-á da seguinte forma: considerando-se salário mensal de três mil reais, o valor diário corresponde a cem reais. Os cinco dias gozados no prazo legal serão remunerados por quinhentos reais, acrescidos do terço constitucional de cento e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos, totalizando seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos. Os vinte e cinco dias gozados em mora correspondem a dois mil e quinhentos reais, acrescidos do terço constitucional de oitocentos e trinta e três reais e trinta e três centavos, perfazendo três mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos, que multiplicados por dois em razão da dobra resultam em seis mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e seis centavos. O valor total devido será de sete mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos.
Esta sistemática revela-se tecnicamente adequada por não penalizar excessivamente o empregador que, ainda que tardiamente, concedeu parte das férias dentro do prazo legal, ao mesmo tempo em que preserva integralmente o direito do trabalhador à dobra remuneratória quanto aos dias efetivamente gozados em descumprimento do prazo concessivo.
A orientação jurisprudencial aplica-se tanto às férias individuais quanto às férias coletivas, sempre que ocorra concessão parcialmente tempestiva e parcialmente extemporânea. A prova da data de início e término das férias, essencial para a correta aplicação da regra, pode ser demonstrada através das anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social, dos recibos de férias, dos controles de ponto, e de qualquer outro documento idôneo que comprove o período efetivo de afastamento do empregado.
Incidência do Terço Constitucional
A questão da incidência do terço constitucional sobre as férias, incluindo aquelas pagas sem o efetivo gozo por ocasião da rescisão contratual, suscitou significativa controvérsia jurisprudencial ao longo dos anos. Argumentava-se que a expressão constitucional “gozo de férias anuais remuneradas” demandaria a efetiva fruição do descanso para que fosse devido o acréscimo de um terço previsto no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal.
O Tribunal Superior do Trabalho consolidou orientação diversa através da Súmula 328, que estabelece: “O pagamento das férias, integrais ou proporcionais, gozadas ou não, na vigência da CF/1988, sujeita-se ao acréscimo do terço previsto no respectivo art. 7º, inciso XVII”. Esta súmula pacificou o entendimento de que o terço constitucional incide sobre todas as modalidades de férias, independentemente de serem efetivamente gozadas ou pagas de forma indenizatória.
A fundamentação jurídica desta orientação reside na natureza acessória do terço constitucional. Tratando-se de acréscimo que se vincula às férias como parcela principal, sua incidência não pode ser condicionada à modalidade de pagamento ou à circunstância de gozo efetivo. Sempre que houver férias devidas, sejam vencidas, simples ou proporcionais, sejam gozadas durante o contrato ou pagas na rescisão, o terço constitucional integrará obrigatoriamente o valor devido.
Esta interpretação harmoniza-se com o princípio constitucional de proteção ao trabalhador, evitando que situações de descumprimento patronal das obrigações trabalhistas resultem em diminuição de direitos. Se o empregador deixa de conceder férias tempestivamente, obrigando-se ao pagamento sem o efetivo gozo, não pode esta circunstância, derivada de sua própria mora, ensejar a supressão do terço constitucional que integraria o valor das férias caso tivessem sido regularmente concedidas.
Nas situações de férias vencidas, a Súmula 328 confirma que o terço constitucional incide sobre o valor dobrado. Como já analisado anteriormente neste estudo, a dobra aplicada sobre as férias vencidas engloba não apenas a remuneração básica correspondente ao período, mas também o acréscimo constitucional de um terço. Não se trata de calcular o terço apenas sobre o valor simples das férias e depois acrescentar à dobra, mas sim de considerar que a dobra incide sobre a totalidade do valor das férias, já acrescidas do terço constitucional.
Controvérsia sobre Pagamento Extemporâneo
Questão de significativa relevância prática dizia respeito à incidência da dobra prevista no artigo 137 da CLT nas situações em que o empregador, embora concedendo as férias dentro do período concessivo, deixava de efetuar o pagamento antecipado das verbas correspondentes no prazo estabelecido pelo artigo 145 da Consolidação, que determina o pagamento até dois dias antes do início do gozo.
O Tribunal Superior do Trabalho havia editado a Súmula 450, que estabelecia: “É devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137 da CLT, quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no art. 145 do mesmo diploma legal”. Esta orientação fundamentava-se no entendimento de que o descumprimento do prazo de pagamento antecipado frustrava a efetividade plena do gozo das férias, uma vez que o empregado, não dispondo dos recursos financeiros no momento adequado, via prejudicada sua capacidade de planejar e usufruir adequadamente do período de descanso.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 501, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, em julgamento concluído em 5 de agosto de 2022, declarou a inconstitucionalidade da Súmula 450 do TST. O fundamento principal da decisão residiu na alegação de violação ao princípio constitucional da legalidade, considerando que a súmula teria criado hipótese de pagamento em dobro não prevista expressamente na legislação.
A Corte Suprema entendeu que o artigo 137 da CLT estabelece a dobra remuneratória exclusivamente para as situações de concessão das férias após o período legal, não contemplando o mero atraso no pagamento das verbas quando as férias são gozadas tempestivamente. A interpretação analógica ou extensiva da norma sancionatória, ampliando sua incidência para além das hipóteses legalmente previstas, configuraria violação ao princípio da reserva legal em matéria de penalidades.
Com a declaração de inconstitucionalidade da Súmula 450, consolida-se o entendimento de que a dobra do artigo 137 da CLT incide exclusivamente quando as férias são concedidas e gozadas após o término do período concessivo, não sendo aplicável ao mero descumprimento do prazo de pagamento antecipado das verbas. O atraso no pagamento, embora configure irregularidade sujeita a sanções administrativas e possa ensejar outras consequências trabalhistas, não enseja automaticamente a aplicação da penalidade de pagamento em dobro da remuneração.
Esta orientação, embora reduza o alcance sancionatório da norma celetista, preserva a técnica de interpretação restritiva das normas que estabelecem penalidades, princípio elementar do direito sancionador. As sanções trabalhistas, assim como as penalidades em geral, somente podem ser aplicadas nas hipóteses expressamente previstas em lei, vedando-se a aplicação analógica ou extensiva que amplie o rol de situações penalizáveis para além do texto legal.
Boas Práticas para Empregadores
A prevenção da formação de férias vencidas exige implementação de sistema estruturado de gestão que combine controles administrativos eficientes, planejamento estratégico e governança corporativa adequada. As práticas recomendadas abrangem desde procedimentos operacionais até políticas organizacionais mais amplas, todas voltadas ao cumprimento tempestivo das obrigações legais e à preservação dos direitos dos trabalhadores.
Controle de Períodos Aquisitivos e Concessivos
A gestão adequada de férias inicia-se pelo controle rigoroso dos períodos aquisitivos e concessivos de cada empregado. Este controle demanda sistema informatizado ou planilhas organizadas que registrem, para cada trabalhador, a data de admissão, as datas de início e término de cada período aquisitivo, e as correspondentes datas limite para concessão dentro do período concessivo.
O sistema de controle deve permitir visualização imediata da situação individual de cada empregado e relatórios gerenciais que identifiquem os trabalhadores cujos períodos concessivos estão próximos do vencimento. Recomenda-se a geração de alertas automáticos com antecedência mínima de noventa dias do término do período concessivo, possibilitando ao departamento de recursos humanos e às áreas gestoras planejarem adequadamente a concessão das férias.
A complexidade do controle aumenta proporcionalmente ao tamanho do quadro funcional. Organizações com centenas ou milhares de empregados necessitam de sistemas informatizados robustos, integrados aos demais módulos de gestão de pessoas, que automatizem os cálculos de períodos, os alertas de vencimento, e a geração de relatórios gerenciais. A adoção de plataformas digitais especializadas em gestão de recursos humanos contribui significativamente para a eficiência do controle e a redução de riscos de inadimplemento.
Particular atenção deve ser conferida aos casos de afastamentos que possam interferir na contagem dos períodos aquisitivos. O artigo 131 da CLT estabelece que determinados afastamentos não prejudicam a aquisição de férias, devendo ser computados normalmente no período aquisitivo, como os casos de licença-maternidade, afastamento por acidente de trabalho ou doença atestada pelo Instituto Nacional do Seguro Social por até seis meses, e outras hipóteses legalmente previstas. Já o artigo 133 enumera situações que prejudicam a aquisição de férias, determinando o início de novo período aquisitivo após o retorno do empregado ao serviço.
O correto enquadramento de cada situação de afastamento e sua repercussão sobre os períodos aquisitivos exige conhecimento técnico da legislação trabalhista e atenção aos procedimentos administrativos. Erros na contagem dos períodos podem resultar tanto em concessão prematura de férias, com pagamento de verbas indevidas, quanto em concessão tardia, com formação de férias vencidas e incidência da dobra remuneratória.
Planejamento Estratégico da Concessão
A concessão de férias não deve ocorrer de forma casuística ou desorganizada, mas segundo planejamento estratégico que concilie os interesses organizacionais com os direitos dos trabalhadores. Este planejamento deve considerar as peculiaridades operacionais de cada área, os períodos de maior e menor demanda de trabalho, a necessidade de manutenção de níveis adequados de pessoal nas diversas atividades, e as preferências individuais dos empregados quando compatíveis com as necessidades empresariais.
Recomenda-se que as áreas gestoras elaborem, com antecedência, programação anual de férias que distribua ao longo do ano os períodos de afastamento dos diversos empregados, evitando concentrações que possam comprometer a continuidade operacional. Esta programação deve ser periodicamente revisada para acomodar imprevistos, alterações nas necessidades organizacionais, e situações individuais que demandem ajustes.
A comunicação clara e tempestiva aos empregados sobre as datas programadas para suas férias constitui elemento essencial do planejamento. O artigo 135 da CLT determina que o empregador comunique ao empregado, por escrito e mediante recibo, com antecedência mínima de trinta dias, a data de início das férias. Este prazo legal mínimo deve ser observado rigorosamente, permitindo que o trabalhador organize adequadamente seus compromissos pessoais e familiares.
A prerrogativa patronal de escolher a época de concessão das férias que melhor consulte os interesses da empresa, prevista no artigo 136 da CLT, deve ser exercida de forma razoável e com atenção às limitações legais. A lei estabelece que o estudante menor de dezoito anos tem direito a fazer coincidir suas férias trabalhistas com as férias escolares, e que os membros de uma família que trabalhem no mesmo estabelecimento ou empresa gozarão férias no mesmo período, se assim o desejarem e se disto não resultar prejuízo para o serviço.
O planejamento deve considerar, ainda, a vedação introduzida pela Lei 13.467/2017 quanto ao início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado. Esta restrição legal visa preservar a efetividade do descanso, evitando que a fragmentação do período prejudique a recuperação das energias do trabalhador.
Procedimentos de Concessão e Pagamento
O cumprimento rigoroso dos procedimentos legais de concessão e pagamento de férias revela-se fundamental para a regularidade da obrigação e a prevenção de questionamentos administrativos ou judiciais. Estes procedimentos compreendem diversas obrigações formais que devem ser observadas sequencialmente.
A comunicação escrita ao empregado sobre a data de início das férias, mediante recibo, deve anteceder em no mínimo trinta dias o início do período de afastamento, conforme determina o artigo 135 da CLT. Esta comunicação formal cumpre dupla função: cientifica o empregado sobre a data programada para suas férias, permitindo-lhe a organização de sua vida pessoal, e constitui prova documental do cumprimento da obrigação patronal, essencial para eventual defesa em procedimento administrativo ou judicial.
As anotações pertinentes às férias devem ser efetuadas na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado e nos livros ou fichas de registro de empregados mantidos pela empresa. O parágrafo primeiro do artigo 135 determina que o empregado dará quitação do pagamento das férias, com indicação do início e do termo das mesmas. O parágrafo segundo estabelece que a concessão das férias será, igualmente, anotada no livro ou nas fichas de registro dos empregados.
O pagamento da remuneração das férias e do terço constitucional deve ser efetuado até dois dias antes do início do período de gozo, conforme preceituado pelo artigo 145 da CLT. Este pagamento antecipado possui função essencial no instituto das férias, possibilitando que o empregado disponha de recursos financeiros para usufruir adequadamente do período de descanso, seja em atividades de lazer, viagens, ou simplesmente na manutenção de suas necessidades ordinárias sem comprometimento orçamentário.
Caso o empregado tenha requerido a conversão de um terço das férias em abono pecuniário, nos termos do artigo 143 da CLT, o valor correspondente a esta conversão também deverá ser pago até dois dias antes do início das férias. O mesmo se aplica à antecipação da metade do décimo terceiro salário, se requerida pelo empregado nos termos da Lei 4.749/1965, que faculta ao trabalhador solicitar, no mês de janeiro de cada ano, o pagamento de metade de sua gratificação natalina por ocasião das férias.
A elaboração de recibos discriminados, que especifiquem claramente os valores pagos a título de remuneração de férias, terço constitucional, abono pecuniário e antecipação de décimo terceiro salário, constitui boa prática que previne controvérsias futuras. Os recibos devem ser assinados pelo empregado, comprovando a quitação das verbas, e arquivados pelo empregador pelo prazo prescricional aplicável.
Sistemas de Alertas e Governança
A implementação de sistemas de alertas preventivos constitui mecanismo essencial para evitar o vencimento de férias por desatenção ou falha nos controles administrativos. Estes sistemas devem gerar notificações automáticas em múltiplos momentos do período concessivo, permitindo ação tempestiva dos responsáveis pela gestão de pessoas.
Recomenda-se a configuração de alertas em três momentos distintos: o primeiro com antecedência de noventa dias do término do período concessivo, possibilitando o planejamento da concessão; o segundo com antecedência de sessenta dias, demandando definição da data específica de início das férias; e o terceiro com antecedência de trinta dias, correspondente ao prazo mínimo legal para comunicação ao empregado, momento em que a concessão já deve estar formalizada.
Os alertas devem ser direcionados simultaneamente ao departamento de recursos humanos, responsável pelos procedimentos formais e controles administrativos, e aos gestores diretos dos empregados, que possuem conhecimento das necessidades operacionais de suas áreas e condições de programar o afastamento sem prejuízo às atividades. A responsabilização compartilhada entre a área de recursos humanos e as áreas gestoras contribui para maior efetividade no cumprimento da obrigação.
A governança corporativa em matéria de férias deve incluir indicadores de desempenho que permitam o monitoramento da efetividade da gestão. Métricas relevantes incluem o percentual de empregados com férias em dia, o número de empregados com férias próximas ao vencimento, o montante de passivo trabalhista decorrente de férias vencidas não concedidas, e o valor de multas administrativas aplicadas por irregularidades em férias.
Estes indicadores devem ser periodicamente reportados à alta administração da empresa, possibilitando a tomada de decisões estratégicas e a alocação de recursos necessários à regularização de eventuais passivos. A transparência na gestão de férias, com divulgação interna dos indicadores, contribui para criar cultura organizacional de valorização do cumprimento das obrigações trabalhistas e de respeito aos direitos dos empregados.
Auditorias Periódicas e Conformidade
A realização de auditorias internas periódicas sobre a situação das férias de todo o quadro funcional constitui prática preventiva que permite identificar irregularidades antes que se tornem passivos significativos. Estas auditorias devem ser conduzidas por profissionais com conhecimento técnico da legislação trabalhista, preferencialmente integrantes de área de compliance ou assessoria jurídica interna, ou através de auditores externos especializados.
A auditoria deve examinar a integralidade dos controles de férias, verificando a correção dos cálculos de períodos aquisitivos e concessivos, o adequado registro dos afastamentos e suas repercussões sobre a aquisição de férias, a observância dos prazos de comunicação e pagamento, e a correta aplicação das regras de fracionamento e conversão em abono pecuniário quando aplicáveis.
Identificadas irregularidades, a auditoria deve quantificar o passivo correspondente e propor plano de regularização que priorize a concessão efetiva das férias vencidas aos empregados ainda em atividade, evitando o agravamento da situação. Para empregados que já não integrem o quadro funcional, o passivo deve ser adequadamente provisionado contabilmente e, quando possível, quitado mediante acordo com os ex-empregados.
A conformidade trabalhista em matéria de férias integra-se aos sistemas mais amplos de compliance corporativo, especialmente relevantes para empresas de capital aberto, organizações sujeitas a regulação setorial específica, e companhias que participam de cadeias de fornecimento de grandes corporações. A demonstração de conformidade pode ser exigida em processos de certificação, habilitação em licitações públicas, e operações de fusões e aquisições.
A documentação adequada de todos os procedimentos relacionados a férias, incluindo as comunicações aos empregados, os recibos de pagamento, as anotações em carteira de trabalho e registros de empregados, e os eventuais acordos de fracionamento ou conversão em abono pecuniário, constitui elemento essencial da conformidade. Esta documentação deve ser organizada de forma sistemática e preservada pelo prazo prescricional aplicável, facilitando sua apresentação em fiscalizações administrativas ou na defesa de eventual reclamação trabalhista.
Direitos Correlatos do Trabalhador
O instituto das férias anuais remuneradas não se esgota no direito ao período de descanso propriamente dito, abrangendo conjunto de direitos acessórios e correlatos que integram o regime jurídico da parcela trabalhista. Estes direitos complementam a proteção legal conferida ao empregado, assegurando não apenas o afastamento remunerado do trabalho, mas também condições materiais e formais para o efetivo aproveitamento do período de descanso.
Terço Constitucional de Férias
O direito ao acréscimo de um terço sobre a remuneração das férias encontra previsão expressa no inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. Esta garantia constitucional, inserida no rol dos direitos fundamentais sociais, possui aplicação imediata e caráter imperativo, não podendo ser objeto de renúncia ou transação prejudicial ao empregado.
O terço constitucional caracteriza-se como parcela de natureza acessória, que se vincula necessariamente às férias como parcela principal. Sua incidência independe da modalidade de férias, aplicando-se tanto às férias vencidas quanto às férias simples e proporcionais. Igualmente, não se condiciona ao efetivo gozo do período de descanso, sendo devido também nas hipóteses de pagamento indenizado por ocasião da rescisão contratual, conforme pacificado pela Súmula 328 do Tribunal Superior do Trabalho.
O cálculo do terço constitucional toma por base o valor integral da remuneração das férias, consideradas todas as parcelas que a compõem. Tratando-se de empregado com remuneração fixa mensal, o terço corresponde a um terço do salário mensal. Quando a remuneração é variável, composta por comissões, percentagens ou outras parcelas flutuantes, o terço incidirá sobre a média apurada para fins de cálculo da remuneração de férias, conforme os critérios estabelecidos nos parágrafos do artigo 142 da CLT.
A natureza jurídica do terço constitucional acompanha a natureza da parcela principal a que se vincula. Quando as férias são efetivamente gozadas durante o contrato de trabalho, tanto a remuneração do período quanto o terço constitucional possuem natureza salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais. Quando as férias são pagas de forma indenizada, sem o efetivo gozo, por ocasião da rescisão contratual, tanto a remuneração quanto o terço assumem natureza indenizatória, não se sujeitando à incidência de contribuição previdenciária.
Nas situações de férias vencidas, o terço constitucional integra a base de cálculo sobre a qual incide a dobra prevista no artigo 137 da CLT. Como já analisado anteriormente, não se trata de calcular o terço apenas sobre o valor simples das férias e depois somar à dobra, mas sim de considerar que a dobra aplica-se ao valor total das férias já acrescidas do terço constitucional. Esta interpretação decorre da natureza acessória do terço, que adere indissociavelmente ao valor principal das férias.
Abono Pecuniário de Férias
O artigo 143 da Consolidação das Leis do Trabalho faculta ao empregado converter um terço do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. Esta faculdade, denominada abono pecuniário de férias ou conversão pecuniária de férias, constitui direito potestativo do empregado nas férias individuais, não dependendo de concordância do empregador quando tempestivamente exercido.
O requerimento de conversão deve ser apresentado pelo empregado até quinze dias antes do término do período aquisitivo das respectivas férias. Este prazo possui natureza decadencial, de modo que sua inobservância implica perda do direito potestativo, passando a conversão a depender de concordância expressa ou tácita do empregador. O requerimento deve ser formulado por escrito, sendo recomendável que o empregador forneça recibo ao empregado, comprovando a apresentação tempestiva do pedido.
O valor do abono pecuniário corresponde a um terço da remuneração das férias, acrescido do terço constitucional incidente sobre esta fração. A equação de cálculo estrutura-se da seguinte forma: abono pecuniário equivale à remuneração de férias acrescida de um terço constitucional, dividida por três. Exemplificativamente, empregado com salário de três mil reais mensais, ao converter um terço de suas férias em pecúnia, receberá: três mil reais de remuneração de férias, acrescidos de mil reais de terço constitucional, totalizando quatro mil reais, que divididos por três resultam em mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos a título de abono pecuniário.
Este empregado gozará efetivamente vinte dias de férias, recebendo dois mil reais de remuneração proporcional a este período, acrescidos de seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos de terço constitucional proporcional, totalizando dois mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos. Somando-se o abono pecuniário de mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos, o empregado receberá o montante global de quatro mil reais, equivalente ao que receberia se gozasse integralmente os trinta dias de férias.
A natureza jurídica do abono pecuniário é inequivocamente indenizatória, conforme expressamente estabelecido pelo artigo 144 da CLT. Trata-se de indenização pela não fruição de dez dias de férias, não possuindo caráter salarial e não integrando a remuneração do empregado para quaisquer efeitos. A legislação previdenciária, através do artigo 28, parágrafo nono, alínea “e”, item 6, da Lei 8.212/1991, com redação conferida pela Lei 9.711/1998, expressamente exclui o abono pecuniário de férias da base de cálculo da contribuição previdenciária.
A conversão pecuniária de parte das férias encontra fundamento na autonomia da vontade do trabalhador, que pode preferir dispor de recursos financeiros adicionais em detrimento de alguns dias de descanso. Entretanto, a ordem jurídica estabelece limite para esta conversão, restringindo-a a um terço do período de férias, de modo a preservar período mínimo de descanso efetivo que assegure o cumprimento dos objetivos essenciais do instituto, relacionados à saúde e segurança do trabalhador.
Nas férias coletivas, o regime jurídico do abono pecuniário difere substancialmente. O parágrafo segundo do artigo 143 determina que a conversão somente poderá ser objeto de acordo coletivo entre o empregador e o sindicato representativo da respectiva categoria profissional. Não há, portanto, direito potestativo individual do empregado, nem prerrogativa unilateral do empregador, devendo a conversão resultar de negociação coletiva quando se tratar de férias concedidas coletivamente.
Antecipação da Primeira Parcela do Décimo Terceiro Salário
A Lei 4.749, de 12 de agosto de 1965, que dispõe sobre o pagamento da gratificação natalina, faculta ao empregado requerer, no mês de janeiro de cada ano, o adiantamento de metade do décimo terceiro salário por ocasião das férias. Esta faculdade constitui direito potestativo do empregado, não dependendo de concordância do empregador quando tempestivamente exercido.
O requerimento deve ser apresentado no mês de janeiro, conforme determina o parágrafo segundo do artigo 2º da referida lei. A doutrina e a jurisprudência têm interpretado este prazo com certa flexibilidade, admitindo requerimentos apresentados posteriormente desde que anteriormente às férias, embora o rigor técnico do dispositivo estabeleça o mês de janeiro como prazo para o exercício regular do direito.
O valor da antecipação corresponde à metade do décimo terceiro salário calculado com base na remuneração do mês de gozo das férias. Para empregados com remuneração fixa, o cálculo apresenta simplicidade: divide-se o salário mensal por dois. Para empregados com remuneração variável, deve-se calcular a média da remuneração dos meses trabalhados até o mês anterior ao das férias, dividindo-se o resultado por doze e multiplicando-se pelo número de meses trabalhados, chegando-se ao valor proporcional do décimo terceiro, do qual se paga metade a título de antecipação.
O pagamento da antecipação deve ser efetuado até dois dias antes do início do gozo das férias, conforme determina o parágrafo terceiro do artigo 2º da Lei 4.749/1965. Este prazo coincide com aquele estabelecido para o pagamento da própria remuneração de férias e do terço constitucional, possibilitando que o empregador efetue todos os pagamentos em ato único.
A antecipação não possui natureza de liberalidade patronal, mas constitui direito do empregado regularmente exercido. Consequentemente, o empregador não pode negar o pagamento quando tempestivamente requerido, sujeitando-se a sanções administrativas e trabalhistas em caso de descumprimento. O valor antecipado será compensado por ocasião do pagamento da gratificação natalina, quando o empregador quitará apenas a segunda parcela correspondente ao saldo remanescente.
Esta sistemática de antecipação visa proporcionar ao empregado recursos financeiros adicionais para melhor aproveitamento do período de férias, harmonizando-se com os objetivos do instituto de possibilitar não apenas o descanso, mas também atividades de lazer, integração familiar e social. O empregado que recebe, além da remuneração de férias e do terço constitucional, também metade do décimo terceiro salário, dispõe de capacidade financeira ampliada para realizar viagens, adquirir bens, ou simplesmente reforçar seu orçamento doméstico durante o período de afastamento.
Conclusão
As férias vencidas constituem modalidade específica de descumprimento da obrigação de concessão de férias dentro do período legalmente estabelecido, ensejando consequências jurídicas de natureza múltipla e significativa gravidade. A análise desenvolvida ao longo deste estudo demonstra que a mora patronal quanto às férias não se limita à obrigação de pagamento em dobro da remuneração correspondente, alcançando também sanções administrativas, riscos trabalhistas ampliados, e repercussões organizacionais e reputacionais que podem comprometer a sustentabilidade empresarial.
A imperatividade das normas reguladoras das férias reflete a importância que o ordenamento jurídico confere a este instituto, reconhecendo sua função essencial não apenas para o trabalhador individualmente considerado, mas também para a política de saúde pública e para a construção da cidadania em sociedade democrática. O artigo 137 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao determinar que “sempre” as férias concedidas após o prazo legal serão pagas em dobro, não admite exceções ou atenuações, configurando sanção de incidência automática pelo inadimplemento.
A prevenção da formação de férias vencidas exige implementação de sistema estruturado de gestão que combine controles administrativos eficientes, planejamento estratégico da concessão, e governança corporativa adequada. A adoção de boas práticas nesta matéria transcende o mero cumprimento de obrigação legal, constituindo elemento estratégico de gestão de pessoas e de riscos corporativos. Organizações que desenvolvem cultura de respeito aos prazos legais de concessão de férias não apenas evitam sanções e passivos, mas também constroem ambiente organizacional mais saudável, produtivo e sustentável.
Para os trabalhadores, a compreensão adequada dos direitos relacionados às férias vencidas, dos prazos prescricionais aplicáveis, e dos mecanismos de tutela jurisdicional disponíveis revela-se essencial para a preservação e efetivação de suas prerrogativas. O conhecimento dos marcos temporais para exercício da pretensão, tanto durante a vigência do contrato quanto após sua extinção, possibilita o ajuizamento tempestivo de eventual reclamação trabalhista, evitando a perda de direitos pela incidência da prescrição.
A complexidade da matéria, especialmente no que concerne aos cálculos de remuneração variável, à interação entre diferentes períodos de férias, e à aplicação de regras específicas para situações diferenciadas, demanda assessoria jurídica especializada tanto para empregadores quanto para empregados. A interpretação adequada dos dispositivos legais, a análise da jurisprudência consolidada, e a aplicação dos princípios específicos do Direito do Trabalho requerem conhecimento técnico especializado que assegure a correta compreensão dos direitos e obrigações decorrentes do instituto.
A concessão regular de férias transcende o mero cumprimento de obrigação legal, constituindo elemento fundamental na política de saúde e bem-estar dos trabalhadores e na gestão de riscos corporativos. O equilíbrio entre os interesses organizacionais legítimos e os direitos fundamentais dos empregados alcança-se mediante planejamento adequado, controles eficientes, e comprometimento institucional com a conformidade trabalhista. A gestão responsável de férias representa investimento que se justifica não apenas pela prevenção de sanções e passivos, mas fundamentalmente pela construção de relações de trabalho pautadas pelo respeito mútuo, pela observância da legislação, e pela valorização da dignidade humana do trabalhador.
Sobre o Autor
Maurício Lindenmeyer Barbieri é sócio-gerente da Barbieri Advogados, escritório com trinta anos de atuação especializada em Direito do Trabalho e Direito Empresarial. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), inscrito na Ordem dos Advogados da Alemanha (RAK Stuttgart, nº 50.159), na Ordem dos Advogados de Portugal (OAB Lisboa, nº 64443L) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS nº 36.798, OAB/DF nº 24.037, OAB/SC nº 61.179-A, OAB/PR nº 101.305, OAB/SP nº 521.298). Membro da Associação de Juristas Brasil Alemanha.
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Artigo publicado em 03.04.2025 no site da Barbieri Advogados. Todos os direitos reservados. A reprodução total ou parcial deste conteúdo sem autorização expressa é proibida.

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