Venda Casada em Serviços Bancários: Entre a Prática de Mercado e a Proteção ao Consumidor
Venda Casada em Serviços Bancários: Entre a Prática de Mercado e a Proteção ao Consumidor
Introdução A venda casada permanece como uma das práticas abusivas mais recorrentes no mercado bancário brasileiro, gerando significativo contencioso judicial. A questão central reside na tênue linha entre a oferta legítima de produtos combinados e a imposição ilegal de contratações não desejadas pelo consumidor.
1. Fundamento Legal e Normativo
O artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor é categórico ao vedar a prática de condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro. No âmbito bancário, a Resolução 4.283/2013 do Banco Central reforçou essa proteção, estabelecendo diretrizes específicas para o setor.
O CADE, por sua vez, tem analisado a questão também sob a ótica concorrencial, reconhecendo que a venda casada pode configurar infração à ordem econômica quando praticada por instituições com posição dominante.
2. Casos Práticos e Modalidades Recorrentes
As situações mais frequentes incluem:
-
Condicionamento de crédito imobiliário à contratação de seguro habitacional específico da instituição
-
Exigência de seguro prestamista como condição para liberação de empréstimo consignado
-
Vinculação obrigatória de títulos de capitalização a financiamentos
-
Imposição de abertura de conta-corrente com pacote de serviços para aprovação de crédito
3. Posicionamento Jurisprudencial Consolidado
O Superior Tribunal de Justiça tem mantido posicionamento firme sobre a matéria. A recente decisão monocrática do Ministro João Otávio de Noronha (REsp 2171270, julgado em 04/04/2025) reafirma que, uma vez reconhecida a venda casada pelas instâncias ordinárias com base no conjunto probatório, torna-se inviável a revisão em sede de recurso especial.
Esse entendimento consolida orientação anterior, como demonstrado no AREsp 2228204 (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2023), evidenciando que a caracterização da venda casada é questão eminentemente fática, demandando análise minuciosa das circunstâncias de cada contratação.
O seguro prestamista tem sido objeto recorrente dessas decisões, especialmente quando sua contratação é apresentada como obrigatória sem a devida transparência sobre a facultatividade ou possibilidade de contratação com outra seguradora.
4. Elementos Probatórios e Ônus da Prova
A jurisprudência tem exigido demonstração clara de que houve efetiva imposição, não bastando a mera oferta conjunta de produtos. Documentos contratuais, gravações de atendimento, correspondências eletrônicas e depoimentos de prepostos têm sido elementos decisivos na comprovação da prática abusiva.
O ônus da prova, via de regra, recai sobre o consumidor, mas os tribunais têm aplicado a inversão quando presentes os requisitos de verossimilhança e hipossuficiência técnica.
5. Consequências Jurídicas e Reparação
Reconhecida a venda casada, as consequências incluem:
-
Nulidade das cláusulas que estabelecem a vinculação
-
Direito à restituição dos valores pagos indevidamente
-
Possibilidade de indenização por danos morais, especialmente quando demonstrado constrangimento ou coação
-
Aplicação de multas administrativas pelos órgãos de proteção ao consumidor
A evolução jurisprudencial demonstra crescente rigor na coibição dessa prática, sinalizando ao mercado a necessidade de adequação dos procedimentos comerciais aos ditames legais e à proteção efetiva do consumidor bancário.
