Usufruto no Direito Brasileiro: Aspectos Jurídicos e Aplicação Prática

O instituto do usufruto representa uma das mais importantes formas de desmembramento da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, permitindo a separação entre o direito de usar e gozar de um bem e a titularidade dominial propriamente dita. Esta divisão da propriedade em nua-propriedade e usufruto oferece soluções jurídicas versáteis para o planejamento patrimonial e sucessório, configurando-se como ferramenta essencial na prática advocatícia contemporânea.
Conceito e Natureza Jurídica do Usufruto
O usufruto está disciplinado no Código Civil brasileiro a partir do artigo 1.390, sendo definido como o direito real que confere ao usufrutuário a faculdade de usar e gozar de bens pertencentes a outrem, denominado nu-proprietário, preservando-se a substância da coisa. Trata-se de direito real sobre coisa alheia, caracterizado pela temporalidade e pela inalienabilidade, que confere ao titular a posse direta do bem e o direito de perceber seus frutos naturais, industriais e civis.
A natureza jurídica do usufruto como direito real garante sua oponibilidade erga omnes, sendo essencial o registro no Cartório de Registro de Imóveis quando incidente sobre bens imóveis. O desmembramento da propriedade plena resulta em duas situações jurídicas distintas: o nu-proprietário mantém a titularidade despojada dos atributos de uso e gozo, enquanto o usufrutuário detém esses direitos sem a propriedade da substância do bem.
Modalidades de Usufruto
O direito brasileiro reconhece diversas espécies de usufruto, classificadas segundo critérios distintos. Quanto à duração, distingue-se o usufruto vitalício, que perdura até a morte do usufrutuário, do usufruto temporário, estabelecido por prazo determinado. Para pessoas jurídicas, a legislação estabelece limite máximo de trinta anos.
Relativamente ao objeto, diferencia-se o usufruto próprio, incidente sobre bens infungíveis e inconsumíveis, do usufruto impróprio ou quase-usufruto, que recai sobre bens fungíveis e consumíveis. No primeiro caso, o usufrutuário deve preservar a substância do bem, enquanto no segundo adquire a propriedade dos bens consumíveis, assumindo a obrigação de restituir bens do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Quanto à origem, o usufruto pode ser legal, emanado diretamente da lei como no caso do usufruto dos pais sobre os bens dos filhos menores; voluntário, resultante da manifestação de vontade das partes por ato inter vivos ou causa mortis; ou ainda constituído por usucapião, mediante posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus de usufrutuário pelo prazo legal.
Direitos e Deveres das Partes
O usufrutuário goza de amplos poderes sobre o bem, incluindo a posse direta, o uso conforme a destinação econômica, a percepção de todos os frutos gerados e a faculdade de administrar o bem. Pode ainda ceder o exercício do usufruto mediante arrendamento ou empréstimo, transferindo a terceiros a percepção dos frutos sem alienar o direito real propriamente dito.
Em contrapartida, o usufrutuário assume obrigações significativas, destacando-se o dever de inventariar os bens sujeitos à deterioração, prestar caução quando exigida, conservar a substância do bem realizando as despesas ordinárias de manutenção, e arcar com o pagamento de impostos, taxas e despesas decorrentes da posse ou da percepção de frutos. A restituição do bem ao término do usufruto deve observar o estado em que foi recebido, consideradas as deteriorações decorrentes do uso normal.
O nu-proprietário, embora privado temporariamente do uso e gozo, mantém direitos essenciais como a faculdade de dispor da nua-propriedade e fiscalizar o cumprimento das obrigações pelo usufrutuário. Suas responsabilidades limitam-se ao custeio de despesas extraordinárias e reparos estruturais que ultrapassem a manutenção ordinária.
Extinção do Usufruto
O artigo 1.410 do Código Civil enumera as hipóteses de extinção do usufruto, sendo a morte do usufrutuário a causa mais comum, dada a natureza personalíssima do direito. Outras formas incluem o termo final quando constituído por prazo determinado, a destruição da coisa, a consolidação quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de usufrutuário e nu-proprietário, a culpa do usufrutuário que resulte em alienação ou deterioração dos bens, a renúncia e a prescrição pelo não uso.
Importante destacar que o falecimento do nu-proprietário não extingue o usufruto, transmitindo-se a nua-propriedade aos herdeiros já onerada com o direito real. Esta característica confere segurança jurídica ao instituto e permite sua utilização eficaz no planejamento sucessório.
A extinção por não uso tem sido admitida pela jurisprudência quando comprovada a inércia do usufrutuário por período prolongado. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que “a conduta inerte da usufrutuária, associada a expressivo transcurso de lapso temporal (11 anos) sem o uso e gozo do imóvel, dá ensejo à extinção do usufruto” (TJSP, Apelação Cível 1004431-22.2020.8.26.0564, Rel. Des. Alexandre Coelho, 8ª Câmara de Direito Privado, DJe 26/05/2022).
Jurisprudência Consolidada
Impenhorabilidade do Direito de Usufruto
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem papel fundamental na interpretação e aplicação prática do usufruto. Destaca-se o entendimento consolidado sobre a impenhorabilidade do direito de usufruto em razão de sua natureza inalienável, conforme dispõe o artigo 649, I, do Código de Processo Civil. O STJ reitera que o direito real de usufruto, por ser personalíssimo e inalienável, é impenhorável, sendo absolutamente impenhorável o direito real de usufruto.
Contudo, os frutos gerados pelo direito, como aluguéis e dividendos, constituem patrimônio do usufrutuário e são passíveis de penhora. Esta distinção foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Goiás no julgamento que reconheceu serem “imóveis oriundos de doação com cláusula de usufruto vitalício em favor do doador e cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade enquanto o doador vida tiver (…) prevalecendo as referidas cláusulas que impedem as constrições dos bens assim cravados” (TJGO, AI 0801058-54.2020.8.10.0000, Rel. Des. Jamil de Miranda Gedeon Neto, 3ª Câmara Cível, DJe 05/05/2021).
Alienação da Nua-Propriedade
A alienação da nua-propriedade é tema pacificado na jurisprudência superior, que reconhece a possibilidade de venda, doação ou oneração da nua-propriedade sem afetar o usufruto. Conforme entendimento do STJ, “a nua-propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção” (STJ, REsp 1712097/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 13/04/2018).
Responsabilidade Tributária e Condominial
No âmbito da responsabilidade por encargos do imóvel, a jurisprudência consolidou o entendimento de que compete ao usufrutuário o pagamento dos tributos e despesas decorrentes da posse. O Superior Tribunal de Justiça firmou que “é o usufrutuário o responsável pelo pagamento das cotas de condomínio” (STJ, REsp 242168/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3ª Turma, DJe 19/12/2003).
A inadimplência tributária pelo usufrutuário pode ensejar a extinção do direito por culpa, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “sendo incontroverso que a apelante deixou de efetuar o pagamento de impostos sobre o imóvel em questão (…) o usufruto deve ser declarado extinto, uma vez que a responsabilidade pelo pagamento dos tributos devidos pela posse da coisa usufruída é do usufrutuário, nos termos do artigo 1.403, inciso II, do Código Civil” (TJSP, Apelação Cível 0002197-89.2005.8.26.0312, Rel. Des. Luis Mario Galbetti, 7ª Câmara de Direito Privado, DJe 27/08/2013).
Usufruto Judicial
O usufruto judicial, previsto no Código de Processo Civil como forma de execução, tem sido validado pela jurisprudência trabalhista. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região decidiu que “as despesas e as dívidas no curso do usufruto judicial são de responsabilidade da executada, já que a constituição deste visa à satisfação de débitos, não podendo o exequente ser atingido por questões internas de administração da Cooperativa executada” (TRT4, AP 0103200-45.2005.5.04.0702, Rel. Des. Luiz Alberto de Vargas, 3ª Turma, DJe 19/08/2009).
Aplicações Práticas no Planejamento Patrimonial
O usufruto apresenta relevante utilidade no planejamento sucessório e na gestão patrimonial. Permite garantir renda vitalícia ao cônjuge sobrevivente mantendo a propriedade dos bens na linha sucessória direta, viabiliza a antecipação da legítima aos herdeiros preservando o usufruto em favor do ascendente, e oferece alternativas para a estruturação de investimentos familiares com otimização tributária.
No contexto empresarial, o usufruto pode ser empregado na cessão de direitos sobre participações societárias, permitindo a transferência dos dividendos mantendo-se o controle acionário. Constitui também instrumento valioso na execução judicial, conforme demonstrado pela jurisprudência trabalhista citada.
Considerações Finais
O usufruto consolida-se como instituto fundamental no direito civil brasileiro, oferecendo flexibilidade na gestão patrimonial e segurança jurídica nas relações familiares e empresariais. Sua correta aplicação exige compreensão aprofundada das nuances legais e jurisprudenciais, bem como observância rigorosa das formalidades constitutivas e registrais.
A evolução jurisprudencial constante adapta o instituto às necessidades sociais e econômicas contemporâneas, mantendo sua relevância prática e confirmando sua importância como ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório. A assessoria jurídica especializada mostra-se indispensável para a constituição e gestão adequada do usufruto, garantindo a eficácia do instituto e a proteção dos interesses das partes envolvidas.