Súmula 314 do STJ: Prescrição Intercorrente em Execução Fiscal

25 de outubro de 2025

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Introdução à Prescrição Intercorrente em Execução Fiscal | Barbieri Advogados

Introdução

A execução fiscal representa um dos maiores desafios do sistema judiciário brasileiro, respondendo por parcela significativa dos processos em tramitação e apresentando elevada taxa de congestionamento. A dificuldade em localizar devedores e bens penhoráveis tem gerado execuções que se arrastam por anos, perpetuando situações de incerteza jurídica tanto para o Fisco quanto para os contribuintes. Nesse contexto, a prescrição intercorrente emerge como instrumento fundamental para impedir que processos executivos fiscais permaneçam eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário.

A Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 12 de dezembro de 2005, estabelece que “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. Este enunciado, aparentemente simples, suscitou intensos debates sobre sua aplicação prática, especialmente quanto ao marco inicial da contagem do prazo de suspensão e aos requisitos para o reconhecimento da prescrição intercorrente.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.340.553/RS sob o regime de recursos repetitivos, estabeleceu parâmetros definitivos para a aplicação da Súmula 314, consolidando seis teses jurídicas nos Temas 566 a 571. A decisão, relatada pelo Ministro Mauro Campbell Marques e proferida em 12 de setembro de 2018, representou marco fundamental na evolução jurisprudencial sobre prescrição intercorrente, fixando que o prazo de suspensão inicia-se automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública sobre a não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis, independentemente de requerimento ou decisão judicial expressa nesse sentido.

O Contexto da Controvérsia

A aplicação do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) gerou, ao longo dos anos, divergências interpretativas significativas entre tribunais e procuradorias fazendárias. O dispositivo legal estabelece que o juiz suspenderá o curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou não forem encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, determinando que, decorrido o prazo de um ano sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, os autos sejam arquivados. O cerne da controvérsia residia na definição do momento exato em que se iniciava esse prazo de suspensão.

Parte das Fazendas Públicas sustentava que o início do prazo de suspensão dependeria de requerimento expresso da procuradoria, solicitando formalmente a suspensão do feito com base no artigo 40 da Lei de Execução Fiscal. Segundo esta interpretação, simples pedidos de diligências por prazos de 30, 60, 90 ou 120 dias impediriam o início da contagem do prazo de suspensão, permitindo à Fazenda Pública escolher o momento mais conveniente para que se iniciasse o procedimento previsto na lei. Esta tese, se acolhida, conferiria ao credor fiscal controle sobre o termo inicial do prazo, potencialmente eternizando execuções infrutíferas.

Outra vertente interpretativa defendia que a suspensão dependeria de decisão judicial expressa determinando sua aplicação, com menção específica ao artigo 40 da Lei de Execução Fiscal. Conforme este entendimento, a mera intimação da Fazenda Pública sobre a não localização de bens, sem que o magistrado declarasse formalmente a suspensão do processo, seria insuficiente para inaugurar o prazo. Esta interpretação também atribuía ao Poder Judiciário a discricionariedade sobre o momento inicial da contagem, gerando insegurança jurídica e tratamento desigual entre jurisdições.

Os contribuintes e a doutrina mais moderna, por sua vez, defendiam interpretação teleológica do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, sustentando que o espírito da norma seria impedir a perpetuação de execuções fiscais infrutíferas. Segundo esta corrente, o início do prazo de suspensão deveria ser automático, operando-se ex lege no momento em que a Fazenda Pública tomasse ciência da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis. Esta interpretação buscava privilegiar a segurança jurídica e a eficiência processual, impedindo que escolhas discricionárias do credor ou do magistrado pudessem estender indefinidamente o prazo prescricional.

A divergência entre tribunais regionais federais e tribunais de justiça sobre a matéria gerou a necessidade de uniformização jurisprudencial. Execuções fiscais permaneciam ativas por décadas, com a Fazenda Pública repetindo sucessivamente pedidos de diligências infrutíferas apenas para evitar o reconhecimento da prescrição intercorrente. O cenário demandava posicionamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça sobre os parâmetros de aplicação da Súmula 314.

As Teses Fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.340.553/RS sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, fixou seis teses jurídicas para uniformizar a aplicação da prescrição intercorrente em execuções fiscais. O julgamento, realizado pela Primeira Seção em 12 de setembro de 2018, estabeleceu parâmetros definitivos que alteraram significativamente a dinâmica das execuções fiscais em todo o território nacional.

A primeira tese estabelece que o prazo de um ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no artigo 40, parágrafos 1º e 2º, da Lei de Execução Fiscal tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido. A Corte enfatizou que, havendo ou não petição da Fazenda Pública requerendo a suspensão, e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, o prazo inicia-se automaticamente, cabendo ao magistrado o dever de declarar ter ocorrido a suspensão da execução. O Ministro Relator destacou que nem o juiz nem a Procuradoria da Fazenda Pública são senhores do termo inicial deste prazo, somente a lei o é.

A segunda tese firma que, findo o prazo de um ano de suspensão, inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável de acordo com a natureza do crédito exequendo, durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição. Após o transcurso deste prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá reconhecer de ofício a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. Esta tese reforça o caráter automático e objetivo da contagem dos prazos, eliminando margem para discricionariedade judicial ou fazendária.

A terceira tese estabelece distinção fundamental entre meros requerimentos processuais e atos efetivamente interruptivos da prescrição. A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação, ainda que por edital, são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente. O simples peticionamento em juízo, requerendo a realização de penhora sobre ativos financeiros ou outros bens, não possui o condão de interromper a prescrição. Contudo, quando os requerimentos feitos pelo exequente dentro do prazo resultam em citação efetiva ou penhora concretizada, ainda que após escoados os prazos de suspensão e prescrição, considera-se interrompida a prescrição intercorrente retroativamente na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.

A quarta tese trata das nulidades processuais relacionadas à falta de intimação. A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos, ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu. A exceção refere-se à falta da intimação que constitui o termo inicial do prazo de suspensão, hipótese em que o prejuízo é presumido. Esta tese consagra a aplicação do princípio pas de nullité sans grief no âmbito das execuções fiscais.

A quinta tese impõe ao magistrado o dever de fundamentação específica ao reconhecer a prescrição intercorrente. O juiz deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa. Esta exigência visa garantir a transparência da decisão e possibilitar o adequado controle das instâncias superiores sobre a correta aplicação dos prazos prescricionais.

O Ministro Relator Mauro Campbell Marques fundamentou as teses no espírito do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, afirmando que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária. A decisão harmoniza o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal com o artigo 174 do Código Tributário Nacional, reconhecendo a supremacia da norma complementar em matéria de prescrição tributária.

Fundamento Jurídico: O Caráter Automático da Prescrição Intercorrente

A fundamentação construída pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553/RS parte de premissa essencial: o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal estabelece comando imperativo que não comporta discricionariedade judicial ou fazendária quanto ao seu início. O Ministro Relator Mauro Campbell Marques enfatizou que a norma determina que “o juiz suspenderá” a execução, utilizando verbo no futuro do indicativo que não admite escolha sobre o momento da suspensão. Trata-se de imposição legal que opera automaticamente quando verificados os pressupostos fáticos da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis.

O entendimento firmado pela Corte Superior afasta interpretações que conferiam à Fazenda Pública ou ao magistrado a possibilidade de escolher o momento mais conveniente para o início da contagem do prazo. A decisão reconhece que permitir tal escolha equivaleria a conferir às partes ou ao juízo o poder de alterar prazos prescricionais estabelecidos em lei, violando a segurança jurídica e o princípio da igualdade. O início automático do prazo de suspensão no momento da ciência da Fazenda Pública sobre a não localização do devedor ou de bens garante tratamento isonômico a todos os executados e impede a perpetuação de execuções infrutíferas.

A decisão estabelece importante distinção entre a suspensão do processo e a suspensão do prazo prescricional. Durante o período de um ano previsto no caput do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, tanto o processo quanto o prazo prescricional ficam suspensos, permitindo à Fazenda Pública realizar diligências para localizar o devedor ou bens penhoráveis. Findo esse período sem que tais diligências logrem êxito, inicia-se automaticamente o prazo prescricional quinquenal, durante o qual os autos devem permanecer arquivados sem baixa na distribuição. Esta sistemática impõe à Fazenda Pública o dever de diligência no prazo estabelecido em lei, sob pena de consumação da prescrição intercorrente.

O Superior Tribunal de Justiça também estabeleceu critério objetivo para distinguir atos processuais que efetivamente interrompem a prescrição daqueles que constituem mera movimentação formal do processo. A efetiva citação do devedor, ainda que editalícia, e a efetiva constrição patrimonial são os únicos atos capazes de interromper o curso da prescrição intercorrente. Meros requerimentos de diligências, mesmo que sucessivos e reiterados, não possuem esse efeito. A decisão rechaça a prática, comum em muitas procuradorias fazendárias, de protocolar sucessivos pedidos de pesquisas em sistemas informatizados sem que tais diligências resultem em localização efetiva de bens ou do devedor.

A fundamentação reconhece, contudo, efeito retroativo à interrupção quando o requerimento formulado tempestivamente resulta em citação ou penhora concretizada posteriormente. Esta solução equilibra a proteção ao contribuinte contra execuções eternas com a preservação do direito da Fazenda Pública quando suas diligências, embora demoradas, mostram-se efetivas. A retroação opera na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera, não na data da efetiva citação ou penhora, premiando a diligência tempestiva do credor fiscal.

A Corte Superior harmonizou o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal com o artigo 174 do Código Tributário Nacional, reconhecendo que a prescrição e a decadência tributárias constituem matérias reservadas à lei complementar, conforme determina o artigo 146, inciso III, alínea b, da Constituição Federal. Esta harmonização impede que norma ordinária, como a Lei de Execução Fiscal, possa estabelecer prazos prescricionais diversos daqueles previstos no Código Tributário Nacional. O prazo quinquenal de prescrição intercorrente decorre diretamente do artigo 174 do Código Tributário Nacional, aplicando-se após o transcurso do período de um ano de suspensão previsto na Lei de Execução Fiscal.

Impactos Práticos da Decisão

A consolidação do entendimento nos Temas 566 a 571 do Superior Tribunal de Justiça produziu efeitos transformadores na dinâmica das execuções fiscais em todo o território nacional. Para os contribuintes executados, a decisão representa importante ferramenta de defesa contra a perpetuação indefinida de processos executivos infrutíferos. A possibilidade de arguir a prescrição intercorrente com base em parâmetros objetivos e automatizados elimina a insegurança jurídica decorrente de interpretações divergentes entre diferentes jurisdições. Execuções fiscais que permaneciam ativas por décadas, sem qualquer perspectiva real de satisfação do crédito, passaram a ser extintas mediante o reconhecimento da prescrição intercorrente.

Para as Fazendas Públicas, a decisão impõe maior rigor no controle de prazos e na adoção de medidas efetivas para localização de devedores e bens. O entendimento de que meros pedidos de diligências não interrompem a prescrição obriga as procuradorias a concentrarem esforços em atos que efetivamente resultem em citação ou constrição patrimonial. A necessidade de demonstrar diligência efetiva, e não apenas movimentação processual formal, exige reformulação de práticas administrativas e maior investimento em sistemas de localização de bens e devedores. A decisão também sinaliza aos gestores públicos a importância de avaliar criteriosamente a viabilidade econômica do ajuizamento de execuções fiscais, evitando o ingresso de ações manifestamente infrutíferas.

Para o Poder Judiciário, a uniformização dos critérios de aplicação da prescrição intercorrente contribui para a racionalização do acervo processual e a redução do congestionamento nas varas de execução fiscal. A possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente, após ouvida a Fazenda Pública, permite aos magistrados promover a depuração do estoque de processos sem perspectiva de solução. A exigência de fundamentação específica, delimitando os marcos temporais aplicados na contagem do prazo prescricional, garante maior transparência nas decisões e facilita o controle pelas instâncias superiores.

A aplicação prática dos Temas 566 a 571 pode ser ilustrada mediante exemplo concreto. Considere-se execução fiscal ajuizada em janeiro de 2015 para cobrança de crédito tributário. O oficial de justiça certifica em março de 2015 a não localização do devedor no endereço indicado. A Fazenda Pública é intimada dessa certidão em abril de 2015. Neste momento, inicia-se automaticamente o prazo de um ano de suspensão, independentemente de a Fazenda Pública ter requerido a suspensão ou de o juiz ter proferido decisão expressa nesse sentido. Em abril de 2016, finda a suspensão, inicia-se automaticamente o prazo prescricional quinquenal. A Fazenda Pública protocola sucessivos pedidos de pesquisas em sistemas informatizados entre 2016 e 2020, todos infrutíferos. Em maio de 2021, transcorridos cinco anos do início do prazo prescricional, consuma-se a prescrição intercorrente. Os pedidos de diligências formulados pela Fazenda Pública não interromperam a prescrição por não resultarem em citação efetiva ou constrição patrimonial.

Suponha-se, alternativamente, que em dezembro de 2020, dentro do prazo prescricional, a Fazenda Pública tenha requerido a penhora de valores em conta bancária, e que tal penhora tenha sido efetivada em março de 2021, já após o transcurso do prazo prescricional. Nesta hipótese, a prescrição intercorrente considera-se interrompida retroativamente na data de dezembro de 2020, quando protocolado o requerimento que resultou na constrição efetiva. A execução prossegue validamente, uma vez que a diligência requerida tempestivamente mostrou-se frutífera.

Conclusão

A Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça, interpretada à luz dos Temas 566 a 571 consolidados no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553/RS, representa evolução fundamental no tratamento da prescrição intercorrente em execuções fiscais. A decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu parâmetros objetivos e automatizados que eliminam discricionariedades incompatíveis com a segurança jurídica e o princípio da legalidade. O reconhecimento de que o prazo de suspensão inicia-se automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública sobre a não localização do devedor ou de bens penhoráveis impede que escolhas administrativas ou judiciais possam prolongar indefinidamente execuções fiscais infrutíferas.

A uniformização jurisprudencial promovida pelo julgamento de recursos repetitivos assegura tratamento isonômico às execuções fiscais em todo o território nacional e contribui para a racionalização da atividade jurisdicional. A distinção clara entre atos efetivamente interruptivos da prescrição e mera movimentação processual formal estabelece incentivos adequados para que as Fazendas Públicas concentrem esforços em diligências efetivas, abandonando a prática de protocolar sucessivos requerimentos infrutíferos apenas para evitar o reconhecimento da prescrição intercorrente. Para os operadores do direito e profissionais da área tributária, os Temas 566 a 571 oferecem segurança na análise de prescrição intercorrente, exigindo atenção especial à data de ciência da Fazenda Pública sobre a não localização de bens ou devedor como marco inicial invariável da contagem dos prazos. A Barbieri Advogados mantém-se atualizada sobre os desenvolvimentos jurisprudenciais em matéria de execução fiscal, oferecendo assessoria especializada para a adequada aplicação dos precedentes consolidados pelos tribunais superiores na defesa dos interesses de seus clientes.


Maurício Lindenmeyer Barbieri
Sócio-gerente da Barbieri Advogados
Mestre em Direito pela UFRGS
Inscrito na Ordem dos Advogados da Alemanha (RAK Stuttgart nº 50.159), Portugal (OAB Lisboa nº 64443L) e Brasil (OAB/RS nº 36.798, OAB/DF nº 24.037, OAB/SC nº 61.179-A, OAB/PR nº 101.305, OAB/SP nº 521.298)