Rescisão Indireta por Jornada Irregular: A Violação Sistemática como Justa Causa Patronal
Rescisão Indireta por Jornada Irregular: A Violação Sistemática como Justa Causa Patronal
O Tribunal Superior do Trabalho fixou em 2025 importante precedente sobre rescisão indireta motivada por descumprimento reiterado de normas de jornada. Através de tese vinculante, estabeleceu-se que a inobservância sistemática do intervalo intrajornada e o não pagamento de horas extras configuram descumprimento contratual grave o suficiente para autorizar a rescisão indireta. A decisão, proferida no processo RRAg-1000642-07.2023.5.02.0086, fortalece a proteção aos direitos fundamentais do trabalhador.
A Tese Fixada
“A inobservância reiterada do intervalo intrajornada e a ausência sistemática de pagamento de horas extraordinárias caracterizam descumprimento de obrigação contratual apto a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, ‘d’, da CLT.”
O Contexto da Decisão
A rescisão indireta, também conhecida como justa causa do empregador, permite ao trabalhador considerar rescindido o contrato quando o empregador descumpre obrigações legais ou contratuais. O artigo 483 da CLT elenca as hipóteses, incluindo na alínea “d” o não cumprimento das obrigações do contrato.
Historicamente, tribunais divergiam sobre a gravidade necessária para configurar rescisão indireta por violações de jornada. Alguns exigiam prejuízo concreto à saúde ou situação de absoluta inexequibilidade do trabalho. Outros já reconheciam que violações sistemáticas de direitos básicos justificavam a ruptura.
A tese vinculante estabelece que supressão habitual de intervalos e sonegação de horas extras configuram, por si só, descumprimento grave. Não se exige prova de dano à saúde ou impossibilidade de continuidade. A violação reiterada de normas de duração do trabalho basta para autorizar a rescisão.
Alcance e Aplicação
A decisão abrange duas violações específicas mas corriqueiras: supressão ou redução do intervalo para refeição e descanso, e não pagamento de horas extraordinárias efetivamente laboradas. A conjugação dessas práticas demonstra desrespeito sistemático aos limites legais de jornada.
O caráter reiterado é elemento essencial. Violações pontuais ou esporádicas não autorizam a rescisão indireta. É necessário demonstrar padrão de descumprimento, habitualidade na supressão de direitos. Jurisprudência tem considerado que violações por período superior a três meses caracterizam habitualidade suficiente.
Setores com alta incidência de jornadas extensas são principalmente afetados: transporte, comércio, alimentação, segurança e saúde. Nestes segmentos, a pressão operacional frequentemente leva a violações de intervalos e jornadas, agora reconhecidas como causa legítima para rescisão indireta.
Impactos Econômicos e Gerenciais
Para empresas, a decisão amplifica riscos associados a práticas irregulares de gestão de jornada. Além do passivo de horas extras e intervalos não concedidos, surge risco de rescisões indiretas em massa, com pagamento integral de verbas rescisórias como se dispensa imotivada fosse.
O custo de uma rescisão indireta equivale ao de dispensa sem justa causa: aviso prévio, multa de 40% do FGTS, férias e décimo terceiro proporcionais, liberação de seguro-desemprego. Para empresa com cem funcionários em situação irregular, rescisões indiretas coletivas podem representar desembolso milionário.
Mais grave é o efeito demonstração. Reconhecida judicialmente a primeira rescisão indireta por esse fundamento, outros trabalhadores em situação similar tendem a seguir o mesmo caminho. O que começaria como ação individual pode transformar-se em passivo coletivo devastador.
Questões Práticas Relevantes
Trabalhadores devem documentar adequadamente as violações antes de pleitear rescisão indireta. Espelhos de ponto demonstrando intervalos suprimidos, contracheques sem horas extras, mensagens ordenando trabalho em horários irregulares são provas essenciais. Aplicativos de mensagem com ordens de supressão de intervalo tornaram-se prova frequente.
Empresas não podem alegar necessidade de serviço ou consentimento tácito do empregado. Intervalos e limitação de jornada são normas de ordem pública, indisponíveis. Mesmo acordo individual ou suposta voluntariedade não validam as violações.
Negociação coletiva pode flexibilizar parcialmente intervalos, nos termos da Reforma Trabalhista, mas não suprimi-los totalmente. Acordos que reduzem intervalo para trinta minutos são válidos; os que suprimem completamente ou reduzem abaixo desse limite permanecem nulos.
A comunicação da rescisão indireta deve ser formal e fundamentada. Recomenda-se notificação escrita ao empregador, especificando as violações e concedendo prazo para regularização antes do ajuizamento da ação. Embora não obrigatória, demonstra boa-fé e fortalece a pretensão judicial.
