Aspectos Probatórios da Periculosidade: Perícia Técnica e Caracterização do Risco Acentuado
Maurício Lindenmeyer Barbieri
O reconhecimento judicial do direito ao adicional de periculosidade apresenta peculiaridades que o distinguem de outras parcelas trabalhistas. Enquanto a maioria das verbas pode ser comprovada através de documentos, testemunhas ou confissão, a periculosidade exige, como regra, a produção de prova técnica especializada. Esta exigência decorre da própria natureza do direito em questão: a aferição de risco acentuado à saúde ou integridade física do trabalhador demanda conhecimentos que transcendem o saber jurídico.
O artigo 195 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que a caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade far-se-ão através de perícia a cargo de médico do trabalho ou engenheiro do trabalho. Trata-se de norma que, embora aparentemente simples, suscita debates significativos tanto na doutrina quanto na jurisprudência trabalhista.
A exigência pericial não constitui mera formalidade processual, mas requisito substancial para o reconhecimento do direito, impondo às partes e ao Judiciário trabalhista o dever de observar critérios técnicos rigorosos.
A questão probatória em matéria de periculosidade revela tensão permanente entre dois valores fundamentais do Direito do Trabalho: de um lado, a proteção à saúde e segurança do trabalhador, princípio que permeia todo o ordenamento justrabalhista; de outro, a segurança jurídica e a necessidade de critérios objetivos que permitam às empresas conhecer previamente suas obrigações.
A prova pericial surge como instrumento de equilíbrio, oferecendo fundamento técnico-científico às decisões judiciais e afastando tanto o subjetivismo quanto a arbitrariedade.
O presente artigo analisa os aspectos probatórios relacionados ao adicional de periculosidade, abordando desde a exigência legal da perícia técnica até situações excepcionais em que esta pode ser dispensada. Examinaremos a qualificação necessária do perito, os conceitos de exposição permanente, intermitente e eventual, bem como casos específicos consolidados na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
O objetivo é fornecer panorama técnico que auxilie advogados, empresas e trabalhadores na compreensão dos requisitos probatórios desta importante parcela trabalhista.
A Exigência Legal da Prova Pericial

O artigo 195 da CLT estabelece de forma categórica que a caracterização e classificação da insalubridade e da periculosidade dependem de perícia realizada por médico do trabalho ou engenheiro do trabalho, registrados no Ministério do Trabalho. Esta disposição legal não deixa margem para interpretações: a prova pericial constitui requisito essencial para o reconhecimento judicial do direito ao adicional de periculosidade, não podendo ser suprida por outros meios probatórios, salvo nas hipóteses excepcionais que serão analisadas adiante.
A natureza jurídica da perícia em matéria de periculosidade suscita debate doutrinário relevante. Parte da doutrina a considera verdadeiro pressuposto de admissibilidade do direito material, enquanto outra corrente a classifica como meio de prova indispensável.
Na prática forense, prevalece o entendimento de que se trata de prova técnica obrigatória, cuja ausência impede o acolhimento do pedido de adicional de periculosidade, mesmo quando existam outros elementos nos autos que indiquem a presença de agentes perigosos. Esta exigência decorre da complexidade técnica necessária para avaliar se determinada atividade implica risco acentuado à integridade física do trabalhador.
O momento processual adequado para a realização da perícia merece atenção especial. Embora o Código de Processo Civil permita a produção antecipada de provas, na Justiça do Trabalho a perícia é ordinariamente determinada na fase de instrução processual, após a apresentação da defesa e eventual tentativa de conciliação.
A realização da perícia em momento anterior ao conhecimento da contestação pode revelar-se inadequada, especialmente quando o empregador reconhece o pagamento do adicional ou apresenta documentação técnica que comprove a eliminação do agente periculoso. A economia e celeridade processuais recomendam que a perícia seja determinada apenas quando efetivamente necessária à solução da lide. As consequências processuais da ausência de perícia são claras e invariáveis: sem a prova técnica, o pedido de adicional de periculosidade deve ser indeferido.
A jurisprudência trabalhista é pacífica neste sentido, não admitindo o reconhecimento do direito com base exclusivamente em prova testemunhal, documental ou mesmo em confissão ficta. Esta rigidez decorre da própria ratio legis: o legislador considerou que a avaliação de riscos ocupacionais exige conhecimentos especializados que não podem ser supridos pelo livre convencimento do julgador. Ainda que o juiz possua conhecimento técnico pessoal sobre determinada atividade, não pode prescindir da perícia para reconhecer a periculosidade.
A posição jurisprudencial consolidada no Tribunal Superior do Trabalho reforça esta compreensão. Decisões reiteradas da Corte Superior afirmam que a perícia técnica é imprescindível para a caracterização da periculosidade, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal ou documental. Esta orientação harmoniza-se com o princípio da segurança jurídica, evitando que o reconhecimento do direito ao adicional dependa de avaliações subjetivas ou impressionistas sobre a existência de risco.
A exigência pericial protege tanto o trabalhador, assegurando avaliação técnica adequada de sua exposição, quanto o empregador, que não será condenado ao pagamento do adicional sem demonstração técnica do risco acentuado.
Qualificação Técnica do Perito

A qualificação profissional do perito constitui questão de extrema relevância para a validade e eficácia da prova técnica em matéria de periculosidade.
O artigo 195 da CLT é expresso ao limitar a realização da perícia a médicos do trabalho ou engenheiros do trabalho, estabelecendo requisito de habilitação técnica que não pode ser ignorado. Esta exigência legal não representa mera formalidade, mas decorre da necessidade de conhecimentos especializados para avaliar adequadamente os riscos ocupacionais e suas implicações para a saúde e segurança do trabalhador.
O debate sobre qual profissional seria mais adequado para determinadas perícias encontra resposta na Orientação Jurisprudencial 165 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Segundo este entendimento, o médico do trabalho possui habilitação para realizar perícia tanto de insalubridade quanto de periculosidade, não se justificando a nulidade do laudo sob alegação de que deveria ter sido elaborado por engenheiro.
A jurisprudência reconhece que ambos os profissionais possuem formação técnica adequada para avaliar as condições de trabalho e identificar a presença de agentes nocivos ou perigosos. Contudo, a jurisprudência trabalhista tem admitido certa flexibilização quando o profissional nomeado, embora não possua o título específico de médico do trabalho ou engenheiro do trabalho, demonstra qualificação técnica equivalente na área de segurança e medicina do trabalho.
Não se trata de dispensar a qualificação técnica, mas de reconhecer que profissionais com especialização comprovada em higiene ocupacional, segurança do trabalho ou áreas correlatas podem possuir conhecimento suficiente para avaliar determinados agentes perigosos. Esta compreensão pragmática evita nulidades processuais meramente formais quando o laudo pericial apresenta fundamentação técnica sólida e adequada.
A especificidade do agente periculoso em análise pode influenciar na avaliação da adequação do profissional nomeado.
Para agentes químicos e biológicos, por exemplo, a formação médica pode oferecer conhecimentos mais aprofundados sobre os efeitos à saúde humana, enquanto para agentes físicos como eletricidade e explosivos, a formação em engenharia pode proporcionar melhor compreensão dos riscos técnicos envolvidos.
Na prática forense, todavia, tanto médicos quanto engenheiros do trabalho recebem formação abrangente que os capacita para avaliar todos os tipos de agentes perigosos previstos na legislação trabalhista.
A nulidade do laudo pericial por incompetência técnica do perito constitui exceção que deve ser comprovada pela parte interessada. Não basta alegar genericamente que o profissional não possui qualificação adequada; é necessário demonstrar concretamente que a ausência de determinada especialização comprometeu a qualidade técnica da avaliação realizada.
Os tribunais trabalhistas têm rejeitado impugnações genéricas baseadas exclusivamente na formação acadêmica do perito quando o laudo apresenta metodologia adequada, fundamentação técnica consistente e conclusões coerentes com os elementos dos autos.
A segurança jurídica e a efetividade processual recomendam que a qualificação do perito seja analisada em conjunto com a qualidade material do trabalho técnico produzido.
Caracterização da Exposição: Permanente, Intermitente e Eventual
A caracterização da periculosidade não depende apenas da existência do agente perigoso no ambiente de trabalho, mas fundamentalmente do tipo de exposição a que o trabalhador está submetido.
O artigo 193 da CLT, em sua redação atual, estabelece que são consideradas perigosas as atividades que impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador aos agentes elencados na norma. A correta compreensão do conceito de “exposição permanente” revela-se essencial para o reconhecimento do direito ao adicional, distinguindo-se claramente das exposições intermitente e eventual.
A Súmula 364 do Tribunal Superior do Trabalho oferece orientação fundamental sobre este tema, estabelecendo que tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. A súmula afasta, portanto, apenas a exposição eventual, aquela que ocorre de forma esporádica, imprevisível e sem qualquer habitualidade. Este entendimento jurisprudencial amplia significativamente o alcance da proteção legal, reconhecendo que mesmo exposições não contínuas podem caracterizar a periculosidade quando presentes com certa regularidade na rotina laboral.
O conceito de “exposição permanente” suscita equívoco frequente na interpretação jurídica. Permanente não significa contínuo ou ininterrupto, mas habitual, que faz parte da rotina normal de trabalho. Um trabalhador pode estar exposto permanentemente a agente perigoso mesmo que esta exposição não ocorra durante toda a jornada de trabalho.
O que caracteriza a permanência é a previsibilidade e habitualidade do contato com o agente perigoso, ainda que em períodos determinados do dia ou da semana. Esta interpretação teleológica privilegia a proteção do trabalhador e reconhece que o risco acentuado não se mede apenas pela duração temporal da exposição.
A exposição intermitente, por sua vez, caracteriza-se pela regularidade com que se repete, ainda que com intervalos. Diferencia-se da permanente pela descontinuidade temporal, mas mantém o elemento essencial da habitualidade.
Um exemplo prático seria o trabalhador que, embora não permaneça continuamente em área de risco, necessita adentrar esta área várias vezes ao dia ou ao longo da semana para executar suas atribuições.
A jurisprudência trabalhista tem reconhecido o direito ao adicional nestas hipóteses, compreendendo que a intermitência não afasta o risco acentuado quando a exposição integra as funções habituais do empregado.
Já a exposição eventual caracteriza-se pela imprevisibilidade, excepcionalidade e ausência de habitualidade. Trata-se daquela exposição que ocorre de forma esporádica, motivada por circunstâncias extraordinárias e que não integra as atribuições normais do trabalhador.
O exemplo clássico seria o empregado administrativo que, excepcionalmente e por motivo específico, necessita transitar por área perigosa da empresa. A eventualidade afasta o direito ao adicional porque o risco, embora possa existir naquele momento pontual, não caracteriza a exposição habitual exigida pela legislação.
A distinção entre periculosidade e insalubridade quanto ao critério temporal merece destaque. Enquanto para a insalubridade admite-se o pagamento proporcional ao tempo de exposição, a periculosidade não comporta esta gradação. Reconhecida a exposição permanente ou intermitente, o adicional é devido integralmente, não havendo proporcionalidade baseada no tempo de exposição durante a jornada. Esta diferença decorre da própria natureza dos riscos: a insalubridade relaciona-se a danos cumulativos à saúde, cuja gravidade pode relacionar-se ao tempo de exposição; a periculosidade envolve risco de acidente ou evento súbito, cuja probabilidade não necessariamente aumenta proporcionalmente com o tempo de exposição.
Situações Específicas de Dispensa da Perícia

Embora a regra geral seja a imprescindibilidade da prova pericial para o reconhecimento do adicional de periculosidade, a jurisprudência trabalhista consolidou situações excepcionais em que a perícia pode ser dispensada.
A Orientação Jurisprudencial 406 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST estabelece que não é necessária a realização de perícia quando incontroversa a exposição do empregado a condições perigosas. Este entendimento representa importante avanço na racionalização processual, evitando a produção de prova técnica desnecessária quando os fatos relevantes já estão suficientemente demonstrados nos autos.
O reconhecimento expresso pelo empregador da existência de condições perigosas constitui a hipótese mais evidente de dispensa pericial. Quando a empresa, em sua defesa, admite que o trabalhador exercia atividades em contato com agentes perigosos previstos na legislação, a controvérsia desloca-se da existência do risco para eventuais questões jurídicas relacionadas ao direito ao adicional.
Nestes casos, determinar a realização de perícia representaria ônus processual injustificado, prolongando desnecessariamente a tramitação do feito para comprovar fato já admitido pela parte contrária. A confissão quanto à exposição perigosa torna a perícia prescindível.
O pagamento habitual do adicional de periculosidade pelo empregador configura outra situação em que a perícia pode ser dispensada. Quando a empresa já remunera o trabalhador com o adicional, presume-se que reconheceu a existência das condições perigosas, tornando desnecessária a prova pericial para este fim.
A controvérsia, nestes casos, geralmente limita-se a aspectos como base de cálculo, reflexos em outras parcelas ou período de pagamento. A jurisprudência tem compreendido que o pagamento voluntário do adicional evidencia o reconhecimento tácito da periculosidade, dispensando a comprovação técnica da exposição ao risco.
Documentação técnica produzida pela própria empresa, como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), o Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) ou o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), pode tornar incontroversa a exposição a agentes perigosos.
Quando estes documentos elaborados por profissionais habilitados atestam a presença de condições perigosas e a exposição do trabalhador, a realização de nova perícia judicial pode revelar-se redundante. Os tribunais trabalhistas têm admitido que documentos técnicos idôneos, especialmente quando não impugnados especificamente quanto ao seu conteúdo, suprem a necessidade de perícia judicial.
Todavia, a aplicação da dispensa pericial exige cautela e análise criteriosa das circunstâncias concretas. Não basta a mera alegação de que os fatos são incontroversos; é necessário que efetivamente não exista discussão relevante sobre a exposição ao agente perigoso.
Se o empregador questiona a habitualidade da exposição, a efetiva utilização de equipamentos de proteção que neutralizem o risco, ou qualquer outro elemento fático relevante para a caracterização da periculosidade, a perícia mantém-se indispensável. A exceção não pode transformar-se em regra que comprometa a segurança jurídica ou a adequada instrução probatória do processo.
Os limites da dispensa pericial devem ser claramente compreendidos.
A OJ 406 do TST refere-se especificamente à incontroversa exposição a condições perigosas, não dispensando a análise técnica quando persistem dúvidas sobre elementos essenciais como a natureza do agente, a intensidade da exposição, a adequação das medidas de proteção ou a eliminação do risco.
A dispensa da perícia não pode resultar em prejuízo à qualidade da prestação jurisdicional, devendo ser aplicada apenas quando os elementos dos autos ofereçam segurança suficiente para o reconhecimento ou não do direito ao adicional.
A dúvida técnica fundada sempre recomendará a realização da prova pericial.
Casos Especiais na Jurisprudência do TST
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimentos específicos para determinadas situações que apresentam particularidades na caracterização da periculosidade.
Estes casos especiais merecem atenção detalhada por envolverem atividades com características técnicas distintas, exigindo critérios diferenciados de avaliação.
A compreensão destes precedentes orienta tanto a atuação preventiva das empresas quanto a postulação judicial de trabalhadores e seus advogados.
Radiação Ionizante e Substâncias Radioativas

A Orientação Jurisprudencial 345 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST estabelece critério específico para a caracterização da periculosidade decorrente de radiações ionizantes ou substâncias radioativas. Segundo este entendimento, o simples fornecimento do aparelho de raios-X ou de substância radioativa não caracteriza o trabalho perigoso, sendo necessária a exposição permanente ou intermitente ao agente nocivo. Esta orientação aplica o conceito geral de habitualidade da exposição a uma situação específica que gerava controvérsias nos tribunais trabalhistas.
A OJ 345 surgiu para pacificar discussões relacionadas principalmente a trabalhadores da área de saúde, como técnicos de radiologia, enfermeiros e médicos que operam equipamentos emissores de radiação ionizante. Anteriormente, algumas decisões reconheciam o direito ao adicional pelo simples fato de o trabalhador atuar em ambiente onde existiam tais equipamentos, independentemente de sua efetiva exposição habitual.
O entendimento consolidado exige análise mais rigorosa, verificando se o trabalhador efetivamente se expõe às radiações de forma permanente ou intermitente no exercício de suas funções. Os critérios técnicos para avaliar a exposição a radiações ionizantes envolvem aspectos complexos que justificam a necessidade de perícia especializada. Deve-se verificar não apenas a existência dos equipamentos emissores de radiação, mas a frequência com que o trabalhador os opera, as medidas de proteção adotadas, o tempo de exposição e os níveis de radiação a que efetivamente se submete.
A dosimetria individual, quando existente, constitui elemento relevante para a avaliação pericial, permitindo aferir objetivamente a exposição do trabalhador ao longo do tempo.
A jurisprudência tem reconhecido que profissionais que trabalham diretamente com equipamentos de radiologia diagnóstica ou terapêutica, operando-os habitualmente, fazem jus ao adicional de periculosidade.
Por outro lado, trabalhadores que apenas transitam eventualmente por áreas onde existem tais equipamentos, ou que trabalham em setores adjacentes sem exposição direta, não se enquadram na hipótese legal.
A análise deve ser casuística, considerando as atribuições específicas do trabalhador e não apenas o setor ou departamento em que atua.
Motociclistas

A periculosidade para motociclistas recebeu tratamento específico com a inclusão do §4º no artigo 193 da CLT, posteriormente regulamentado pela Portaria 1.565/2014 do Ministério do Trabalho e Emprego. Este dispositivo reconhece o risco acentuado decorrente da utilização de motocicletas no exercício profissional, considerando as estatísticas que demonstram a elevada acidentalidade desta categoria de trabalhadores. A regulamentação estabelece requisitos específicos que devem ser observados para a caracterização do direito ao adicional.
A Portaria 1.565/2014 estabelece que o adicional de periculosidade é devido aos trabalhadores que utilizam motocicleta ou motoneta no desempenho de suas atividades, em duas situações específicas: quando o veículo for de propriedade do empregador ou quando, mesmo sendo de propriedade do empregado, a atividade constituir a sua principal fonte de renda. Esta distinção visa alcançar tanto os motoboys tradicionais quanto profissionais que utilizam motocicleta própria mas cuja atividade laboral depende fundamentalmente deste meio de transporte.
A habitualidade da utilização da motocicleta constitui requisito essencial para o reconhecimento do adicional. Não basta o uso esporádico ou eventual; é necessário que a motocicleta integre as atribuições normais do trabalhador, sendo utilizada de forma permanente ou intermitente no exercício de suas funções. A jurisprudência do TRT4, conforme demonstrado em decisões recentes, analisa criteriosamente este requisito, indeferindo pedidos quando não comprovada a utilização habitual do veículo ou quando esta não se dá em áreas de risco significativo.
A análise da periculosidade para motociclistas não prescinde completamente da perícia técnica, embora em alguns casos a prova documental e testemunhal possa ser suficiente para demonstrar o uso habitual da motocicleta. A perícia, quando realizada, deve verificar aspectos como a frequência de utilização do veículo, as condições de tráfego nas áreas percorridas, as medidas de segurança adotadas pelo empregador e o efetivo enquadramento na regulamentação específica. A mera existência de motocicleta à disposição do trabalhador não caracteriza automaticamente o direito ao adicional.
A jurisprudência trabalhista tem reconhecido o direito ao adicional para motoboys, mototaxistas, entregadores e outros profissionais que utilizam habitualmente a motocicleta como instrumento de trabalho. Importante destacar que a Portaria 1.565/2014 exclui expressamente do direito ao adicional os profissionais que utilizam motocicleta apenas para deslocamento até o local de trabalho, sem que o veículo seja utilizado durante a jornada laboral. Esta exclusão harmoniza-se com o conceito de periculosidade relacionada à atividade profissional, não aos riscos de deslocamento residência-trabalho.
Inflamáveis e Explosivos
A periculosidade decorrente da exposição a inflamáveis e explosivos constitui uma das hipóteses clássicas previstas no artigo 193 da CLT, regulamentada originalmente pela Portaria 3.214/78 e suas Normas Regulamentadoras, especialmente a NR-16.
A caracterização desta modalidade de periculosidade exige análise criteriosa de diversos elementos técnicos, incluindo a quantidade de produto inflamável, a proximidade do trabalhador em relação ao agente perigoso e a natureza das atividades desenvolvidas.
A jurisprudência consolidou critérios objetivos para situações específicas envolvendo inflamáveis. No caso de motoristas e trabalhadores que utilizam veículos automotores, o Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento de que o simples uso de veículo com tanque de combustível dentro dos limites normais não caracteriza periculosidade.
Todavia, quando o veículo possui tanques com capacidade superior a 200 litros de combustível, a jurisprudência do TRT4 tem reconhecido o direito ao adicional, considerando que a quantidade de inflamável ultrapassa o limite considerado normal para veículos de passeio.
O transporte de produtos inflamáveis ou explosivos apresenta particularidades que justificam tratamento específico. Motoristas que transportam combustíveis, produtos químicos inflamáveis ou explosivos fazem jus ao adicional de periculosidade, independentemente de trabalharem para empresas do setor petrolífero ou químico.
A NR-16 estabelece critérios detalhados sobre operações com inflamáveis, incluindo armazenamento, transporte e manipulação, sendo essencial verificar se as atividades do trabalhador enquadram-se nas hipóteses previstas na regulamentação.
A distinção entre trabalho permanente em área de risco e mero trânsito eventual por tais áreas revela-se fundamental. Trabalhadores que executam suas funções habitualmente em postos de combustíveis, distribuidoras de gás, depósitos de inflamáveis ou áreas industriais onde há armazenamento ou manipulação de produtos perigosos geralmente fazem jus ao adicional.
Por outro lado, empregados administrativos ou de outros setores que apenas transitam eventualmente por estas áreas, sem nelas permanecer ou executar atividades específicas, não se enquadram na hipótese legal de exposição permanente ou intermitente.
A eliminação ou neutralização do risco através de medidas de segurança adequadas constitui aspecto relevante na análise da periculosidade por inflamáveis.
A legislação trabalhista não prevê a eliminação do adicional pela adoção de equipamentos de proteção, diferentemente do que ocorre com a insalubridade. Contudo, medidas de engenharia que efetivamente eliminem o risco, como sistemas automatizados que evitem o contato do trabalhador com o agente perigoso, podem afastar a caracterização da periculosidade. Esta análise exige perícia técnica criteriosa que avalie a efetividade das medidas de proteção coletiva implementadas pelo empregador.
Ônus da Prova e Distribuição Dinâmica
A questão do ônus da prova em matéria de adicional de periculosidade apresenta contornos específicos que merecem análise detalhada.
O artigo 818 da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/2017, estabelece que o ônus da prova incumbe à parte que fizer alegações em juízo, seguindo a regra geral de que cabe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito.
Tratando-se de pedido de adicional de periculosidade formulado pelo trabalhador, a regra tradicional atribuiria a ele o ônus de comprovar a exposição ao agente perigoso de forma permanente ou intermitente. Todavia, a aplicação rígida desta regra em matéria de periculosidade revela-se problemática diante das peculiaridades do Direito do Trabalho e da própria natureza da prova técnica necessária.
O trabalhador, por sua condição de hipossuficiência não apenas econômica mas também técnica e informacional, frequentemente não possui condições de produzir prova robusta sobre as condições ambientais de trabalho.
Os documentos técnicos relevantes, como PPRA, LTCAT, laudos ambientais e registros de segurança do trabalho, encontram-se sob custódia do empregador, que possui acesso privilegiado às informações sobre o ambiente laboral.
O Código de Processo Civil de 2015, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, introduziu importante inovação ao prever a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova em seu artigo 373, §1º. Segundo este dispositivo, o juiz pode atribuir o ônus probatório de forma diversa da regra geral quando, no caso concreto, for excessivamente difícil para uma das partes o cumprimento de seu encargo, considerando a maior facilidade de obtenção da prova pela parte contrária. Esta previsão harmoniza-se perfeitamente com os princípios protetivos do Direito do Trabalho e com a realidade das relações de emprego.
Na prática forense trabalhista, a distribuição dinâmica do ônus da prova em matéria de periculosidade tem sido aplicada com razoável frequência.
Reconhecendo que o empregador detém controle sobre o ambiente de trabalho e possui obrigação legal de elaborar documentação técnica sobre as condições ambientais, os tribunais trabalhistas têm exigido que a empresa apresente laudos técnicos, documentos de segurança do trabalho e demais elementos que demonstrem a inexistência de condições perigosas.
Esta inversão não desobriga o trabalhador de apresentar um mínimo de prova sobre suas atividades e possível exposição a agentes perigosos, mas reconhece a maior capacidade do empregador em produzir prova técnica qualificada.
O posicionamento jurisprudencial atual revela tendência de aplicar a distribuição dinâmica do ônus da prova de forma equilibrada, evitando tanto a imposição de ônus excessivo ao trabalhador quanto a inversão automática e indiscriminada em todos os casos.
Quando o trabalhador demonstra, ainda que por prova indiciária, que exercia atividades potencialmente perigosas, incumbe ao empregador apresentar documentação técnica que comprove a inexistência de risco acentuado ou a adoção de medidas que eliminem a periculosidade. Esta compreensão prestigia a boa-fé processual e a colaboração das partes na elucidação dos fatos, princípios fundamentais do processo civil contemporâneo aplicáveis também ao processo trabalhista.
Aspectos Práticos e Recomendações
A produção de prova pericial qualificada em matéria de periculosidade exige preparação adequada das partes e formulação criteriosa de quesitos que orientem o trabalho do perito.
Os quesitos constituem instrumento fundamental para direcionar a perícia aos pontos efetivamente controvertidos, evitando laudos genéricos ou incompletos.
Para o trabalhador, os quesitos essenciais devem indagar sobre a natureza das atividades exercidas, a existência e identificação dos agentes perigosos, a frequência e duração da exposição, e se esta se caracteriza como permanente ou intermitente nos termos da legislação aplicável.
O empregador, por sua vez, deve formular quesitos que permitam ao perito avaliar aspectos defensivos relevantes, como a adoção de medidas de segurança, a existência de equipamentos de proteção individual e coletiva, a efetiva utilização destes equipamentos pelo trabalhador, e eventual eliminação ou neutralização do risco.
Quesitos sobre a conformidade do ambiente de trabalho com as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, especialmente a NR-16, também se revelam importantes.
A qualidade dos quesitos influencia diretamente a utilidade da perícia para a solução da controvérsia.
Elementos de Prova na Perícia de Periculosidade
A produção de prova qualificada depende da apresentação de elementos técnicos adequados por ambas as partes.
O quadro abaixo sistematiza os principais elementos de prova que podem ser considerados pelo perito na avaliação das condições de trabalho:
| ELEMENTOS DE PROVA DO EMPREGADOR | ELEMENTOS DE PROVA DO TRABALHADOR |
| Documentos Técnicos Obrigatórios: – PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais); – LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais); – PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário). | Informações sobre a Rotina Laboral: – Descrição detalhada das atividades exercidas; – Horários e frequência de exposição aos agentes; – Tempo de permanência em áreas de risco. |
| Documentos de Segurança: – Registros de treinamentos de segurança; – Comprovantes de fornecimento de EPIs; – Certificados de Aprovação (CA) dos EPI. | Elementos Visuais: – Fotografias do ambiente de trabalho; – Vídeos das atividades desenvolvidas; – Registros de equipamentos utilizados. |
| Documentação Técnica Complementar: – FISPQ (Fichas de Segurança de Produtos Químicos); – Plantas e layout do ambiente; – Registros de manutenção de equipamentos. | Elementos Testemunhais: – Indicação de testemunhas (colegas de trabalho); – Relatos sobre condições de trabalho; – Informações sobre medidas de proteção efetivas. |
É importante destacar que estes elementos constituem meios de prova que auxiliam o perito na elaboração do laudo técnico, não sendo todos obrigatórios, mas recomendáveis para uma avaliação completa e precisa das condições de periculosidade.
O trabalhador, embora geralmente não detenha posse de documentação técnica, pode e deve fornecer ao perito informações detalhadas sobre sua rotina de trabalho, descrevendo as atividades efetivamente exercidas, os equipamentos utilizados, o tempo de permanência em áreas de risco, e quaisquer circunstâncias relevantes para a caracterização da exposição.
Fotografias, vídeos e outros elementos que ilustrem as condições de trabalho, quando disponíveis, constituem subsídios úteis para a perícia. A colaboração efetiva do trabalhador com o perito, fornecendo informações precisas e honestas, contribui para a qualidade técnica do laudo.
A impugnação técnica do laudo pericial representa direito fundamental das partes e exige conhecimento especializado. Quando o laudo apresentar conclusões desfavoráveis, a parte prejudicada deve analisar criteriosamente sua fundamentação técnica, verificando se a metodologia empregada foi adequada, se todos os aspectos relevantes foram considerados, e se as conclusões decorrem logicamente dos elementos apurados.
A impugnação genérica, baseada apenas em discordância das conclusões, raramente prospera; é necessário apontar especificamente vícios metodológicos, omissões relevantes ou inconsistências técnicas que comprometam a validade do laudo.
A importância do assistente técnico não pode ser subestimada na produção da prova pericial. O assistente técnico acompanha a realização da perícia, pode formular observações e questionamentos ao perito judicial, e elabora parecer técnico apresentando a visão da parte que representa. Este profissional desempenha papel fundamental ao identificar eventuais equívocos ou omissões durante a fase de produção da prova, momento em que ainda é possível corrigi-los.
A nomeação de assistente técnico qualificado representa investimento que frequentemente se justifica pela relevância da questão técnica para o desfecho do processo e pelos valores envolvidos nas condenações relacionadas ao adicional de periculosidade.
Conclusão
A prova pericial em matéria de adicional de periculosidade constitui elemento central para o adequado reconhecimento deste direito trabalhista, equilibrando a necessária proteção ao trabalhador com a segurança jurídica indispensável às relações de emprego. A exigência legal de perícia técnica, longe de representar formalismo processual excessivo, reflete a complexidade inerente à avaliação de riscos ocupacionais, que transcende o conhecimento jurídico e demanda expertise especializada em segurança e medicina do trabalho.
A análise dos diversos aspectos probatórios abordados neste artigo evidencia que a caracterização da periculosidade não se resume à mera identificação de agentes perigosos no ambiente laboral. A jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho estabelece critérios técnicos rigorosos que devem ser observados, desde a qualificação adequada do perito até a correta distinção entre exposição permanente, intermitente e eventual. Estes parâmetros jurisprudenciais orientam tanto a atuação preventiva das empresas quanto a postulação judicial de trabalhadores, conferindo previsibilidade e racionalidade ao tratamento da matéria.
As situações excepcionais de dispensa da perícia, embora representem importante avanço na economia e celeridade processuais, devem ser aplicadas com a cautela necessária para não comprometer a qualidade da prestação jurisdicional. A incontroversa exposição a condições perigosas, seja por reconhecimento expresso do empregador, pagamento habitual do adicional ou documentação técnica idônea, dispensa a realização de nova perícia judicial. Contudo, persistindo qualquer controvérsia relevante sobre elementos fáticos essenciais, a prova técnica mantém sua imprescindibilidade.
A necessidade de análise casuística revela-se constante em matéria de periculosidade. Os casos especiais consolidados na jurisprudência do TST, envolvendo radiações ionizantes, motociclistas, inflamáveis e explosivos, demonstram que não existem fórmulas prontas aplicáveis indistintamente a todas as situações. Cada caso exige exame específico das circunstâncias concretas, considerando a natureza da atividade, as condições efetivas de trabalho, as medidas de segurança implementadas e a real exposição do trabalhador ao risco acentuado.
O papel do advogado na condução da prova pericial assume relevância fundamental para o êxito da pretensão judicial. A adequada formulação de quesitos, a apresentação de documentação técnica pertinente, a eventual nomeação de assistente técnico qualificado e a criteriosa impugnação do laudo quando necessário constituem aspectos que podem determinar o resultado do processo. A preparação técnica e o conhecimento aprofundado da legislação, jurisprudência e aspectos práticos da perícia diferenciam a atuação profissional qualificada, agregando valor efetivo à defesa dos interesses do cliente.
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Maurício Lindenmeyer Barbieri
Sócio-gerente da Barbieri Advogados
Mestre em Direito pela UFRGS
Inscrito na OAB/RS, DF, SC, PR, SP, Portugal e Alemanha
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BOXES INFORMATIVOS
Principais Orientações Jurisprudenciais do TST sobre Perícia em Periculosidade
- OJ 165 da SBDI-1 O médico do trabalho está habilitado para realizar perícia tanto de insalubridade quanto de periculosidade, não se justificando a nulidade do laudo sob alegação de que deveria ter sido elaborado por engenheiro.
- OJ 345 da SBDI-1 O simples fornecimento do aparelho de raios-X ou de substância radioativa não caracteriza trabalho perigoso, sendo necessária a exposição permanente ou intermitente ao agente nocivo.
- OJ 406 da SBDI-1 Não é necessária a realização de perícia quando incontroversa a exposição do empregado a condições perigosas, seja pelo reconhecimento do empregador, pagamento habitual do adicional ou documentação técnica idônea.
- Súmula 364 Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Afasta-se apenas a exposição eventual.

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