Prova pericial emprestada após o Tema 140 do TST
Prova pericial emprestada após o Tema 140 do TST
A racionalização da prestação jurisdicional trabalhista alcançou marco significativo em maio de 2025, quando o Tribunal Superior do Trabalho fixou tese vinculante sobre o aproveitamento de laudos periciais produzidos em outros processos. A decisão, que superou décadas de resistência jurisprudencial, promete transformar a dinâmica processual em demandas que envolvam insalubridade e periculosidade, com reflexos econômicos e temporais consideráveis para empresas e trabalhadores.
O julgamento do Tema 140, paradigmaticamente representado pelo processo RRAg 1000-38.2023.5.23.0107, estabeleceu parâmetros objetivos para utilização da prova pericial emprestada, dispensando a concordância da parte contrária e privilegiando a economia processual sem comprometer garantias fundamentais. Esta evolução jurisprudencial responde a críticas históricas sobre a morosidade e os custos do sistema de justiça trabalhista, particularmente relevantes em contexto de múltiplas ações versando sobre idênticas condições laborais.
O paradigma superado
Durante décadas, a jurisprudência trabalhista manteve postura conservadora quanto ao compartilhamento de provas periciais entre processos distintos. O entendimento predominante, cristalizado em decisões como o RR-1000584-92.2018.5.02.0434 da 6ª Turma do TST, exigia aquiescência expressa da parte contrária para validar o empréstimo probatório, fundamentando-se numa interpretação rígida do princípio do contraditório.
Esta orientação restritiva gerava situações paradoxais. Trabalhadores do mesmo setor, expostos a idênticas condições ambientais, submetiam-se a perícias individualizadas que invariavelmente chegavam às mesmas conclusões. O sistema judicial desperdiçava recursos humanos e financeiros, enquanto jurisdicionados aguardavam meses pela produção de prova técnica que meramente confirmaria diagnóstico já estabelecido em processo anterior.
A mudança interpretativa desenvolveu-se gradualmente, impulsionada pela crescente conscientização sobre a necessidade de modernização processual. Tribunais regionais começaram a flexibilizar entendimentos, reconhecendo que o contraditório poderia ser adequadamente exercido mediante oportunidade de impugnação no processo de destino, prescindindo da participação na produção originária da prova. Esta evolução conceitual preparou terreno para a uniformização promovida pelo TST.
A arquitetura da decisão vinculante
O Tribunal Pleno do TST, ao fixar a tese do Tema 140, estabeleceu que “a utilização de prova pericial emprestada para comprovar insalubridade ou periculosidade é válida, independentemente da concordância da parte contrária, desde que esteja presente a identidade fática entre o processo de origem e o processo em que a prova é utilizada, e seja observado o contraditório na produção da prova original e nos autos em que ela é trasladada, não configurando nulidade processual o indeferimento de nova perícia quando observados esses requisitos.”
A construção jurídica adotada equilibra dois valores fundamentais do processo: a economia dos atos processuais e a preservação do contraditório. O tribunal reconheceu que a repetição mecânica de perícias idênticas não agrega segurança jurídica, apenas prolonga desnecessariamente a solução dos conflitos. Simultaneamente, estabeleceu salvaguardas procedimentais rigorosas para garantir que o aproveitamento da prova não comprometa o direito de defesa.
A decisão fundamenta-se em três pilares conceituais que devem coexistir para validar o empréstimo probatório da prova pericial emprestada. A identidade fática constitui o requisito material, exigindo correspondência substancial entre as situações analisadas. O contraditório na origem assegura que a prova foi produzida com observância das garantias processuais. O contraditório no destino garante oportunidade de impugnação e complementação no processo que receberá a prova emprestada.
Identidade fática: além da aparência
O conceito de identidade fática transcende similaridades superficiais, demandando convergência efetiva de elementos essenciais. O mesmo empregador significa identidade da pessoa jurídica ou física, não bastando pertencer ao mesmo grupo econômico ou compartilhar composição societária. Esta exigência fundamenta-se na autonomia patrimonial e gerencial que caracteriza cada empresa, mesmo quando economicamente vinculadas.
O requisito de mesmo local de trabalho refere-se ao estabelecimento específico onde as atividades são desenvolvidas. Ambientes distintos da mesma empresa podem apresentar condições díspares de exposição a agentes nocivos, invalidando generalizações. Uma indústria com múltiplas plantas fabris não pode presumir identidade ambiental entre suas unidades, ainda que adote procedimentos corporativos padronizados.
A mesma função implica análise substantiva das atividades desenvolvidas, superando nomenclaturas formais. Trabalhadores com idêntica denominação funcional podem executar tarefas distintas conforme o setor ou turno, com exposições diferenciadas aos riscos ambientais. A perícia deve capturar estas nuances operacionais para que seu aproveitamento em outro processo seja tecnicamente defensável.
A contemporaneidade temporal completa o quarteto de requisitos, reconhecendo que ambientes laborais são dinâmicos. Mudanças tecnológicas, reformas estruturais, implementação de equipamentos de proteção coletiva ou alterações nos processos produtivos podem transformar significativamente as condições de trabalho. O TST não estabeleceu prazo rígido, privilegiando análise casuística da estabilidade ambiental.
Contraditório: dupla garantia processual
A preservação do contraditório manifesta-se em dois momentos processuais distintos. No processo originário, exige-se demonstração de que as partes foram regularmente intimadas para acompanhar a perícia, indicar assistentes técnicos, formular quesitos e impugnar o laudo. A ausência de qualquer dessas oportunidades processuais contamina a prova, impedindo seu aproveitamento futuro.
No processo de destino, o contraditório materializa-se através da intimação sobre a juntada do laudo emprestado, com prazo adequado para manifestação. A parte pode impugnar fundamentadamente o empréstimo, demonstrando ausência dos requisitos legais, peculiaridades não abrangidas pelo laudo original ou necessidade de esclarecimentos complementares. Esta fase processual não constitui mera formalidade, mas oportunidade efetiva de defesa.
Repercussões no mundo corporativo
Para o universo empresarial, a decisão apresenta implicações ambivalentes que demandam adaptação estratégica. A redução de custos com perícias repetitivas é benefício imediato, particularmente relevante para empresas com contingente significativo de trabalhadores em condições similares. Organizações com centenas de ações trabalhistas envolvendo o mesmo ambiente laboral podem economizar recursos substanciais, anteriormente consumidos em laudos técnicos redundantes.
A aceleração processual beneficia empresas ao reduzir o período de indefinição jurídica. Provisões contábeis para contingências trabalhistas podem ser ajustadas com maior precisão quando existe previsibilidade sobre o desfecho de demandas similares. A gestão de riscos trabalhistas torna-se mais eficiente quando uma única perícia bem fundamentada estabelece diagnóstico aplicável a múltiplos processos.
Entretanto, esta nova realidade exige sofisticação na gestão documental e ambiental. Empresas devem manter registro meticuloso de todas as alterações em seus ambientes de trabalho, documentando reformas, mudanças de layout, instalação de equipamentos de proteção, alterações de processos produtivos e implementação de medidas de segurança. Esta documentação não serve apenas para eventual impugnação de perícia emprestada, mas como evidência de melhorias implementadas.
A gestão preventiva assume protagonismo inédito. Conhecer o conteúdo de perícias realizadas em processos de empregados torna-se imperativo estratégico. Empresas devem mapear sistematicamente laudos produzidos, identificando vulnerabilidades apontadas e implementando correções antes que a prova seja multiplicada em dezenas de outros processos. O investimento em melhorias ambientais, anteriormente postergável, torna-se urgente quando um único laudo desfavorável pode contaminar todo o contencioso trabalhista.
Impactos na perspectiva laboral
Para trabalhadores, a facilitação do empréstimo probatório representa avanço significativo no acesso à justiça. A espera pela realização de perícia técnica, que frequentemente ultrapassa trimestres, pode ser eliminada quando existe laudo aplicável já produzido. Esta aceleração é particularmente valiosa para trabalhadores desempregados, que dependem do desfecho judicial para sua subsistência.
A previsibilidade de resultados permite decisões mais informadas sobre o ajuizamento de ações. Trabalhadores podem avaliar com maior precisão suas chances de êxito consultando perícias realizadas em processos de colegas. Esta transparência reduz a litigância temerária, mas também fortalece demandas legítimas ao demonstrar precedentes técnicos favoráveis.
O aspecto econômico não deve ser subestimado. Mesmo beneficiários da justiça gratuita enfrentam custos indiretos com a produção de prova pericial, como deslocamentos para acompanhar a diligência ou contratação de assistente técnico. O aproveitamento de perícia existente elimina estes custos acessórios, democratizando o acesso à prova técnica de qualidade.
Situações particularmente favoráveis ao empréstimo incluem grandes empregadores com ambientes padronizados, como redes de varejo, indústrias com produção serializada ou prestadores de serviços com protocolos uniformes. Call centers, por exemplo, apresentam condições laborais notavelmente homogêneas, tornando o compartilhamento de perícias especialmente eficiente.
Orientações práticas aos operadores do direito
A operacionalização do Tema 140 demanda metodologia estruturada desde a fase pré-processual. A pesquisa nos sistemas eletrônicos de consulta processual deve ser sistemática, utilizando combinações de CNPJ do empregador, endereço do estabelecimento e período temporal. Identificados processos com perícias realizadas, impõe-se análise criteriosa da correspondência fática.
O requerimento de empréstimo probatório exige petição tecnicamente fundamentada. Não basta alegação genérica de identidade de condições. É necessário demonstrar, com precisão cirúrgica, a presença cumulativa dos requisitos estabelecidos pelo TST. A juntada deve incluir cópia integral do laudo, quesitos formulados, respostas, esclarecimentos posteriores e comprovação do contraditório exercido no processo originário.
Para impugnação eficaz da prova pericial emprestada, a mera insurgência formal é insuficiente. Deve-se demonstrar concretamente por que o laudo não se aplica ao caso específico: alterações ambientais posteriores à perícia, peculiaridades funcionais não abrangidas, vícios na produção original da prova ou necessidade de esclarecimentos específicos. Impugnações genéricas ou protelatórias tendem ao insucesso.
A gestão preventiva transcende o caso individual. Escritórios de advocacia devem criar bancos de dados de perícias realizadas, categorizadas por empresa, estabelecimento, período e resultado. Esta inteligência processual permite identificar oportunidades de empréstimo e antecipar estratégias da parte contrária. Para departamentos jurídicos empresariais, o monitoramento de perícias torna-se ferramenta essencial de gestão de riscos.
Questões centrais esclarecidas
A dispensa de concordância da parte contrária constitui aspecto revolucionário da decisão. O TST reconheceu que condicionar o empréstimo à aquiescência do adversário processual equivaleria a tornar o instituto inócuo, pois raramente haveria interesse em facilitar a prova da parte contrária.
A abrangência do Tema 140 limita-se expressamente a perícias de insalubridade e periculosidade, não se estendendo automaticamente a outras modalidades periciais. Laudos contábeis, grafotécnicos ou de equiparação salarial seguem regramento próprio, embora a tendência seja de gradual flexibilização.
A demonstração da identidade fática não admite presunções. Cada elemento deve ser comprovado documentalmente: contrato de trabalho indicando empregador e local, descrição de atividades, registros de período laboral. Em matéria de prova pericial emprestada, proximidade não substitui a identidade; similitude não equivale a igualdade.
Os prazos para impugnação seguem a sistemática processual trabalhista: cinco dias no rito sumaríssimo, dez dias no procedimento ordinário. A ausência de manifestação tempestiva implica preclusão, ressalvadas questões de ordem pública como nulidades absolutas.
A decisão aplica-se imediatamente aos processos em curso, por tratar-se de norma processual. Mesmo perícias já determinadas podem ser substituídas pelo empréstimo probatório, desde que presentes os requisitos. A possibilidade de perícia complementar permanece, quando demonstrada necessidade de esclarecimentos não abrangidos pelo laudo original.
Considerações finais
O Tema 140 do TST representa inflexão paradigmática na cultura processual trabalhista brasileira. A superação da exigência de concordância para empréstimo probatório alinha o processo do trabalho a princípios modernos de gestão judiciária, na questão envolvendo a prova pericial emprestada, privilegiando resultados sobre formalismos estéreis.
A racionalização processual promovida não significa flexibilização probatória. Os requisitos estabelecidos são rigorosos e cumulativos, demandando demonstração técnica precisa. O contraditório permanece preservado, apenas deslocado temporalmente. A economia processual não se sobrepõe às garantias fundamentais, mas com elas se harmoniza.
Para empresas, o momento demanda investimento em compliance ambiental e gestão documental sofisticada. Para trabalhadores, abre-se janela de oportunidade para aceleração de suas demandas. Para operadores do direito, impõe-se atualização metodológica e estratégica.
A consolidação desta jurisprudência dependerá da aplicação criteriosa pelos tribunais regionais e varas do trabalho. Excessos em qualquer direção – seja flexibilização desmedida ou rigorismo contraproducente – comprometerão os objetivos de celeridade e justiça que fundamentaram a decisão.
O futuro dirá se esta evolução jurisprudencial cumprirá sua promessa de tornar a justiça do trabalho mais ágil sem comprometer sua missão protetiva. Por ora, o Tema 140 oferece ferramentas valiosas para racionalização do sistema, cabendo aos atores processuais utilizá-las com responsabilidade e técnica.

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