Prescrição Intercorrente no Direito Tributário: Análise Completa do Instituto e sua Aplicação após o Tema 1293 do STJ
Prescrição Intercorrente no Direito Tributário: Análise Completa do Instituto e sua Aplicação após o Tema 1293 do STJ
Introdução
O complexo sistema tributário brasileiro impõe desafios significativos às empresas, especialmente quando processos de cobrança fiscal se prolongam indefinidamente, criando insegurança jurídica e comprometendo o planejamento financeiro de longo prazo. Neste cenário, a prescrição intercorrente emerge como instituto jurídico fundamental para estabelecer limites temporais à pretensão arrecadatória do Estado, impedindo que a inércia administrativa resulte em cobranças perpétuas.
A relevância deste tema ganhou nova dimensão com o julgamento do Tema 1293 pelo Superior Tribunal de Justiça em março de 2025, que consolidou o entendimento sobre a aplicabilidade da prescrição intercorrente aos processos administrativos fiscais. Esta decisão paradigmática não apenas uniformizou a jurisprudência nacional, mas também provocou mudanças estruturais na forma como a administração tributária conduz seus procedimentos de cobrança.
Para o empresariado brasileiro, compreender os contornos da prescrição intercorrente tornou-se essencial na gestão de passivos tributários e na estruturação de estratégias defensivas. O instituto representa mais do que uma tese jurídica: configura-se como instrumento de equilíbrio entre as prerrogativas fazendárias e os direitos fundamentais do contribuinte, notadamente o direito à razoável duração do processo previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
1. Fundamentos da Prescrição Intercorrente
1.1 Conceito e natureza jurídica
A prescrição intercorrente constitui modalidade específica de prescrição que opera durante o curso de um processo, seja administrativo ou judicial, extinguindo o direito de cobrança quando verificada a inércia injustificada do credor por período superior ao legalmente estabelecido. Diferentemente da prescrição ordinária, que tem seu termo inicial na constituição definitiva do crédito tributário, a intercorrente relaciona-se diretamente com a paralisação processual decorrente da inatividade do exequente.
Este instituto fundamenta-se nos princípios constitucionais da segurança jurídica e da eficiência administrativa, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. Sua aplicação visa impedir que o contribuinte permaneça indefinidamente sujeito a cobranças, ao mesmo tempo em que incentiva a administração pública a exercer suas prerrogativas com diligência e dentro de prazos razoáveis.
1.2 Base legal
O fundamento normativo da prescrição intercorrente no direito tributário encontra-se no artigo 174 do Código Tributário Nacional, que estabelece o prazo quinquenal para a cobrança do crédito tributário. No âmbito das execuções fiscais, o artigo 40 da Lei 6.830/80 disciplina especificamente a suspensão do processo e seus efeitos sobre a contagem prescricional.
Para processos administrativos, a Lei 9.873/99 trouxe importante regulamentação, estabelecendo em seu artigo 1º, §1º, que incide prescrição intercorrente quando o processo administrativo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho. Esta previsão, inicialmente controvertida em sua aplicação a créditos tributários, foi objeto de intensa discussão jurisprudencial até a pacificação pelo STJ.
1.3 Distinção entre prescrição ordinária e intercorrente
A prescrição ordinária inicia-se com a constituição definitiva do crédito tributário e corre independentemente de qualquer ação ou omissão durante o processo de cobrança. Já a prescrição intercorrente pressupõe a existência de um processo em curso e decorre especificamente da inércia prolongada da parte credora em promover atos úteis ao andamento processual.
Esta distinção revela-se crucial para a estratégia defensiva, pois enquanto a prescrição ordinária opera automaticamente pelo decurso do tempo, a intercorrente exige a demonstração qualificada da inatividade da Fazenda Pública, não bastando a mera demora judicial para sua configuração.
2. O Marco do Tema 1293 do STJ
2.1 Contexto histórico da decisão
Antes do julgamento do Tema 1293, prevalecia significativa divergência sobre a aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais, especialmente quanto a penalidades aduaneiras. A Receita Federal historicamente resistia ao reconhecimento deste instituto em sede administrativa, gerando acúmulo de processos paralisados e profunda insegurança jurídica.
O caso paradigma, REsp 2.147.578/SP, envolveu discussão sobre multas aduaneiras e a natureza jurídica dos créditos delas decorrentes. A controvérsia central residia na definição sobre a aplicabilidade do artigo 1º, §1º, da Lei 9.873/99 aos processos administrativos de natureza fiscal-aduaneira.
2.2 As três teses fixadas
O STJ estabeleceu três teses fundamentais no Tema 1293: primeira, a incidência da prescrição intercorrente quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras não tributárias por mais de três anos; segunda, o reconhecimento da natureza administrativa (não tributária) do crédito quando a norma infringida visa primordialmente ao controle aduaneiro; terceira, a não incidência apenas quando a obrigação descumprida destina-se direta e imediatamente à arrecadação tributária.
Estas teses representam verdadeira revolução na sistemática de cobrança administrativa, estabelecendo critérios objetivos para distinguir infrações de natureza tributária daquelas de natureza administrativa, mesmo quando processadas sob o mesmo rito procedimental.
2.3 Impactos na administração tributária
A decisão provocou mudanças estruturais nos órgãos fazendários. A Receita Federal implementou sistemas automatizados de controle de prazos, reorganizou fluxos processuais e estabeleceu protocolos de priorização. Relatórios internos indicam investimentos significativos em tecnologia e capacitação de servidores para adequação aos novos parâmetros jurisprudenciais.
Estados e municípios, embora não diretamente atingidos pela Lei 9.873/99, passaram a revisar seus procedimentos administrativos, antecipando possível extensão do entendimento às esferas subnacionais através de legislação própria ou construção jurisprudencial.
3. Aplicação nas Execuções Fiscais
3.1 O artigo 40 da Lei de Execução Fiscal
O artigo 40 da Lei 6.830/80 estabelece que o juiz suspenderá o curso da execução quando não localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Durante o primeiro ano de suspensão, o prazo prescricional não corre. Findo esse período sem manifestação útil da Fazenda Pública, inicia-se a contagem do prazo prescricional intercorrente.
A interpretação deste dispositivo evoluiu significativamente na jurisprudência. O STJ consolidou entendimento de que a suspensão não pode ser indefinida, estabelecendo marco temporal claro para caracterização da inércia fazendária. A automação da suspensão após um ano, seguida do prazo quinquenal, criou previsibilidade antes inexistente.
3.2 Prazos e contagem temporal
O prazo da prescrição intercorrente em execuções fiscais segue a regra geral do artigo 174 do CTN: cinco anos. A contagem inicia-se após o período de um ano de suspensão previsto no artigo 40, §2º, da LEF, totalizando seis anos desde a suspensão inicial do processo.
Importante destacar que não se trata de prazo único de seis anos, mas de dois períodos distintos: suspensão por um ano sem fluência prescricional, seguida de cinco anos com fluência. Esta distinção é fundamental para identificar o momento adequado para arguição da prescrição e para compreender os efeitos de eventuais atos interruptivos.
3.3 Atos interruptivos e suspensivos
Os atos capazes de interromper a prescrição intercorrente seguem o rol do artigo 174, parágrafo único, do CTN: despacho que ordena a citação, protesto judicial, qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor, qualquer ato inequívoco que importe reconhecimento do débito pelo devedor. Crucial observar que meras petições genéricas ou diligências infrutíferas não interrompem o prazo.
As causas suspensivas incluem moratória, parcelamento, depósito integral do débito e concessão de medida liminar ou tutela antecipada. Durante a suspensão, o prazo prescricional não flui, retomando-se a contagem após cessada a causa suspensiva, aproveitando-se o tempo já decorrido.
4. Inércia da Fazenda Pública: Critérios de Caracterização
4.1 Diferença entre morosidade judicial e inércia fiscal
A jurisprudência do STJ estabelece distinção fundamental entre a demora atribuível ao Poder Judiciário e aquela decorrente da inatividade da Fazenda Pública. A morosidade judicial, caracterizada por atrasos na apreciação de petições, realização de audiências ou prolação de decisões, não configura prescrição intercorrente.
Por outro lado, a inércia fazendária manifesta-se pela ausência de iniciativas concretas para localização de bens, atualização de endereços, utilização de convênios disponíveis ou manifestação sobre diligências determinadas. Esta diferenciação exige análise minuciosa dos autos para identificar a quem se atribui cada período de paralisação.
4.2 Atos considerados úteis
A jurisprudência reconhece como atos úteis aqueles que efetivamente impulsionam a execução: consultas aos sistemas BACENJUD, RENAJUD e INFOJUD com resultados positivos; indicação fundamentada de bens à penhora; localização de novo endereço do executado; requerimento de alienação de bens penhorados. Petições meramente protelatórias ou reiterativas de diligências já realizadas não afastam a configuração da inércia.
O STJ tem exigido que a Fazenda Pública demonstre não apenas a realização de diligências, mas sua adequação e tempestividade. A utilização tardia de ferramentas disponíveis há anos pode ser interpretada como negligência, especialmente quando recursos tecnológicos mais eficientes encontravam-se disponíveis.
5. Estratégias de Defesa do Contribuinte
5.1 Embargos à execução fiscal
Os embargos à execução constituem o instrumento processual mais adequado para arguição da prescrição intercorrente. A petição inicial deve apresentar cronologia detalhada dos atos processuais, identificando períodos de paralisação superiores aos limites legais. Fundamental juntar certidão de objeto e pé atualizada, cópias das principais peças processuais e parecer técnico quando a complexidade assim exigir.
A fundamentação jurídica deve invocar precedentes específicos do STJ, especialmente aqueles julgados sob sistemática de recursos repetitivos. A demonstração da inércia deve ser objetiva, evitando argumentações genéricas que não identifiquem concretamente os períodos de paralisação imputáveis à Fazenda.
5.2 Exceção de pré-executividade
Quando a prescrição intercorrente puder ser demonstrada por prova pré-constituída, a exceção de pré-executividade apresenta-se como alternativa mais célere. Dispensa a garantia do juízo e permite discussão imediata da matéria. Contudo, exige que toda a documentação probatória esteja disponível no momento da arguição.
A jurisprudência tem admitido esta via quando os elementos probatórios constam dos próprios autos executivos, dispensando dilação probatória. Certidões cartorárias, decisões judiciais e manifestações da própria Fazenda podem constituir prova suficiente para demonstração da inércia.
5.3 Documentação essencial
A preparação adequada da defesa exige organização meticulosa da documentação: certidão narrativa completa do processo; quadro cronológico identificando todos os atos processuais e respectivas datas; cópias de petições da Fazenda Pública demonstrando o conteúdo das manifestações; comprovantes de diligências realizadas ou não realizadas; decisões judiciais determinando providências não cumpridas.
Pareceres técnicos de especialistas podem agregar valor à argumentação, especialmente quando há complexidade na identificação dos períodos de inércia ou discussão sobre a natureza dos atos praticados.
6. Impactos Práticos e Tendências
6.1 Modernização administrativa
A consolidação da prescrição intercorrente tem impulsionado modernização sem precedentes na administração tributária. Sistemas de gestão processual com alertas automáticos, inteligência artificial para priorização de casos e integração entre diferentes bases de dados representam investimentos vultosos realizados para evitar prescrições.
Paradoxalmente, esta pressão temporal tem resultado em maior eficiência arrecadatória. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional indicam aumento na recuperação de créditos prioritários, com melhor alocação de recursos humanos e tecnológicos em execuções com real perspectiva de êxito.
6.2 Perspectivas futuras
A tendência aponta para critérios ainda mais rigorosos na aferição da diligência fazendária. A disponibilidade crescente de ferramentas tecnológicas eleva o padrão de exigência sobre a atuação estatal. Blockchain, inteligência artificial e big data prometem revolucionar a cobrança fiscal, reduzindo drasticamente possibilidades de alegação de impossibilidade técnica.
A digitalização completa dos processos judiciais, já realidade em diversos tribunais, facilitará a identificação precisa de períodos de inércia, reduzindo subjetividades na aplicação do instituto. Espera-se consolidação de jurisprudência ainda mais favorável aos contribuintes diligentes que mantêm regularidade fiscal.
Considerações Finais
A prescrição intercorrente consolidou-se como instituto fundamental no equilíbrio das relações tributárias, estabelecendo limites temporais claros à pretensão arrecadatória e incentivando eficiência administrativa. O Tema 1293 do STJ representa marco definitivo nesta evolução, estendendo proteções antes restritas ao âmbito judicial também aos processos administrativos.
Para o contribuinte, o domínio deste instituto e sua correta utilização processual podem significar a diferença entre o comprometimento indefinido do patrimônio e a legítima extinção de cobranças afetadas pela inércia estatal. A complexidade da matéria, contudo, exige acompanhamento técnico especializado, capaz de identificar oportunidades defensivas e estruturar adequadamente a argumentação jurídica.
A Barbieri Advogados, com três décadas de experiência em contencioso tributário e atuação em múltiplas jurisdições, possui expertise consolidada na aplicação estratégica da prescrição intercorrente, auxiliando empresas na proteção de seus interesses e na garantia da segurança jurídica necessária ao desenvolvimento de suas atividades.

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