Prescrição Intercorrente em Penalidades Aduaneiras: O Marco do Tema 1.293 do STJ e seus Reflexos na Prática Administrativa
A morosidade dos processos administrativos tem sido uma constante preocupação no âmbito do direito tributário e aduaneiro brasileiro. Processos que permanecem anos aguardando julgamento nas instâncias administrativas não apenas violam o princípio constitucional da duração razoável do processo, mas também geram insegurança jurídica e prejuízos aos administrados. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão paradigmática ao julgar os Recursos Especiais nº 2.147.578/SP e 2.147.583/SP, sob o regime de recursos repetitivos (Tema 1.293), estabelecendo critérios definitivos para a aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos de apuração de infrações aduaneiras não tributárias. A Prescrição Intercorrente: Fundamentos Legais e Conceituais A prescrição intercorrente encontra sua previsão legal no artigo 1º, § 1º, da Lei 9.873/99, que estabelece: “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada”.
Este instituto visa proteger o administrado contra a inércia da Administração Pública, garantindo que os processos administrativos tenham tramitação célere e eficiente. A ratio legis é clara: não se pode permitir que o particular permaneça indefinidamente sob a ameaça de uma sanção administrativa em razão da morosidade estatal. O Cenário Jurisprudencial Anterior Antes da consolidação do entendimento pelo STJ, havia significativa divergência sobre a aplicabilidade da prescrição intercorrente em matéria aduaneira. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por meio da Súmula 11, estabelecia que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”, fundamentando-se na premissa de que a prescrição tributária deve ser regulamentada por lei complementar, conforme exigência constitucional. Contudo, essa interpretação restritiva gerava questionamentos quando aplicada indistintamente a todas as penalidades processadas pelo rito do Decreto 70.235/72, incluindo aquelas de natureza não tributária, como as infrações aduaneiras relacionadas ao controle do trânsito internacional de mercadorias. A Decisão do STJ no Tema 1.293: Análise e Fundamentos Tese Fixada O STJ, ao julgar os recursos repetitivos mencionados, fixou a seguinte tese: “Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.” Critério da Natureza Jurídica da Norma Violada O Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues estabeleceu como critério determinante a natureza jurídica da norma de conduta violada, e não o procedimento escolhido pelo legislador para a apuração ou constituição do crédito.
Segundo o entendimento da Corte, quando a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, o crédito correspondente à sanção possui natureza administrativa (não tributária), sujeitando-se à prescrição intercorrente da Lei 9.873/99. Distinção Fundamental A decisão estabelece clara distinção entre: Infrações de natureza administrativa-aduaneira: Aquelas que visam ao controle aduaneiro e à regularidade do serviço, sujeitas à prescrição intercorrente; Infrações de natureza tributária: Aquelas destinadas direta e imediatamente à arrecadação ou fiscalização de tributos, não sujeitas à prescrição intercorrente. Limitações de Aplicação A jurisprudência do STJ estabelece limitações claras para a incidência da prescrição intercorrente: Limitação Espacial Aplica-se exclusivamente à Administração Pública Federal, direta e indireta, conforme previsto na Lei 9.873/99. Limitação Material Não se aplica a: Infrações de natureza funcional Processos tributários propriamente ditos Casos em que a obrigação descumprida se destine direta e imediatamente à arrecadação de tributos Argumentos Jurídicos Relevantes Pela Aplicação da Prescrição Intercorrente O principal fundamento favorável reside na necessidade de garantir a celeridade e eficiência dos processos administrativos. A Lei 9.873/99 busca proteger o particular, exigindo que o ente público atue com diligência na apreciação dos recursos e impugnações apresentados. A paralisação prolongada de processos administrativos viola princípios constitucionais fundamentais, como: Duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) Eficiência administrativa (art. 37, caput, CF) Segurança jurídica Argumentos Contrários A Fazenda Nacional frequentemente argumenta que a impugnação ou recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito, impedindo a ocorrência da prescrição intercorrente. Contudo, o STJ tem entendido que a suspensão da exigibilidade refere-se à pretensão executória, e não à pretensão punitiva, que é disciplinada pelo artigo 1º, § 1º, da Lei 9.873/99. Impactos Práticos da Decisão Para os Contribuintes A decisão representa significativo avanço na proteção dos direitos dos administrados, oferecendo: Possibilidade de arguição da prescrição intercorrente em casos de paralisação superior a três anos Revisão de processos administrativos em andamento Maior segurança jurídica nas relações com a Administração Pública Para a Administração Pública A decisão impõe à Administração: Necessidade de agilização dos julgamentos administrativos Revisão de procedimentos internos para evitar paralisações Maior eficiência na gestão dos processos administrativos Para o CARF Conforme o artigo 99 do Regimento Interno do CARF, as decisões do STJ em recursos repetitivos são vinculantes, devendo ser reproduzidas pelos conselheiros. Isso significa que: Processos similares devem seguir o entendimento fixado Casos pendentes podem ser suspensos até o trânsito em julgado (art. 100 do RICARF) A jurisprudência administrativa deve se adequar ao novo paradigma Questões Pendentes e Desenvolvimentos Futuros Embargos de Declaração A Fazenda Nacional interpôs embargos de declaração questionando o marco inicial da prescrição intercorrente, especificamente em relação ao prazo de 360 dias estabelecido no artigo 24 da Lei 11.457/07. Se acolhidos, o prazo efetivo seria de quatro anos (360 dias + três anos). Casos Específicos É importante observar que, conforme o parágrafo único do artigo 100 do RICARF, o sobrestamento não se aplica quando o julgamento puder ser concluído independentemente da manifestação sobre o tema afetado. Isso permite que casos com prescrição evidente prossigam normalmente. Considerações sobre Tratados Internacionais A evolução jurisprudencial alinha-se com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente: Acordo sobre Facilitação do Comércio (Decreto 9.326/18) Estabelece que administrações aduaneiras devem considerar a revelação espontânea de violações como circunstância atenuante. Convenção de Quioto Revisada (Decreto 10.276/20) Determina que não se apliquem penalidades excessivas em caso de erros cometidos de boa-fé, sem intenção fraudulenta. Esses tratados reforçam a necessidade de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação de penalidades aduaneiras, corroborando a evolução jurisprudencial em favor da prescrição intercorrente.
Recomendações Práticas Para Contribuintes com Processos em Andamento Verificação de prazos: Analisar se há paralisação superior a três anos Documentação adequada: Manter registro de todas as movimentações processuais Peticionamento estratégico: Arguir a prescrição intercorrente quando aplicável Acompanhamento processual: Monitorar regularmente o andamento dos processos Para Novos Casos Identificação da natureza: Determinar se a infração é tributária ou administrativa-aduaneira Controle de prazos: Documentar períodos de paralisação Estratégias preventivas: Adotar medidas para evitar infrações Assessoria especializada: Buscar orientação jurídica qualificada Conclusão A decisão do STJ no Tema 1.293 representa marco fundamental na evolução do direito administrativo sancionador brasileiro, especialmente no âmbito aduaneiro. Ao estabelecer critérios claros para a aplicação da prescrição intercorrente em infrações aduaneiras não tributárias, a Corte Superior fortalece a proteção dos direitos dos administrados e impõe maior eficiência à Administração Pública. A consolidação desse entendimento jurisprudencial não apenas resolve divergências interpretativas existentes, mas também promove maior segurança jurídica nas relações entre contribuintes e Fisco. Para os operadores do direito e profissionais do comércio exterior, a decisão oferece importante ferramenta de defesa contra a morosidade administrativa, exigindo, contudo, análise cuidadosa da natureza jurídica de cada infração.
O acompanhamento dos desdobramentos dessa decisão, especialmente quanto aos embargos de declaração pendentes, permanece essencial para a adequada aplicação prática do instituto da prescrição intercorrente no âmbito das penalidades aduaneiras. A Barbieri Advogados mantém-se atualizada sobre os desenvolvimentos jurisprudenciais em matéria tributária e aduaneira, oferecendo assessoria especializada para a adequada aplicação dos novos entendimentos consolidados pelos tribunais superiores.
