Perícia de Insalubridade e Periculosidade: Direitos e Procedimentos
INTRODUÇÃO
Os adicionais de insalubridade e periculosidade representam um dos aspectos mais significativos da proteção legal ao trabalhador brasileiro. Segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, mais de 700 mil acidentes de trabalho foram registrados no Brasil em 2023, evidenciando a relevância dos mecanismos de compensação aos trabalhadores expostos a riscos.
Para as empresas, estes adicionais podem representar um acréscimo de 10% a 40% na folha de pagamento de setores inteiros. Para os trabalhadores, além da compensação financeira, representam o reconhecimento legal dos riscos a que estão expostos diariamente. A perícia técnica, neste contexto, surge como instrumento fundamental para garantir justiça e equilíbrio nas relações de trabalho.
Este artigo oferece uma análise completa sobre o tema, abordando desde os conceitos fundamentais até os procedimentos práticos, incluindo as mais recentes decisões judiciais e mudanças normativas. Ao final, você terá clareza sobre seus direitos, os procedimentos necessários e as estratégias mais eficazes para situações envolvendo a perícia de insalubridade ou periculosidade.
I. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Entendendo a Diferença
A distinção entre insalubridade e periculosidade é fundamental para compreender seus direitos. A insalubridade caracteriza-se pela exposição a agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza, intensidade e tempo de exposição. Já a periculosidade decorre do contato permanente com inflamáveis, explosivos, energia elétrica ou atividades de segurança que impliquem risco acentuado.
A base legal encontra-se nos artigos 189 a 197 da CLT, regulamentados pelas Normas Regulamentadoras 15 e 16 do Ministério do Trabalho. A NR-15 estabelece os agentes insalubres e seus limites de tolerância, enquanto a NR-16 define as atividades e operações perigosas.
Um aspecto crucial, frequentemente fonte de dúvidas, é a impossibilidade de acumulação dos adicionais. O artigo 193, parágrafo 2º, da CLT estabelece que o empregado deve optar pelo adicional que lhe for mais favorável quando exposto simultaneamente a condições insalubres e perigosas. Esta escolha, contudo, não impede a caracterização de ambas as condições no laudo pericial, sendo importante para eventual mudança de função ou cessação de um dos riscos.
II. QUANDO A PERÍCIA É OBRIGATÓRIA
A Regra de Ouro do Artigo 195 da CLT
O artigo 195 da CLT estabelece princípio fundamental: “A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.”
Esta obrigatoriedade é absoluta, aplicando-se mesmo quando o reclamado é revel e confesso quanto à matéria de fato. O Tribunal Superior do Trabalho consolidou este entendimento através de reiteradas decisões, estabelecendo que a confissão ficta não supre a necessidade de prova pericial quando se trata de adicional de insalubridade ou periculosidade.
Na prática, isso significa que ao formular pedido de adicional de insalubridade ou periculosidade em reclamação trabalhista, o juiz obrigatoriamente determinará a realização de perícia técnica. Não há discricionariedade judicial neste aspecto. Mesmo que a empresa não compareça à audiência e seja declarada revel, a perícia deve ser realizada.
A jurisprudência do TST é clara ao estabelecer que o magistrado não pode deferir o adicional baseando-se apenas em outros elementos de prova, como testemunhas ou documentos, quando não há prova pericial. Esta rigidez visa garantir que a caracterização técnica dos riscos seja feita por profissional habilitado, protegendo tanto trabalhadores quanto empregadores de avaliações inadequadas.
III. EXCEÇÕES À OBRIGATORIEDADE
Quando a Perícia Pode Ser Dispensada
Embora a regra seja a obrigatoriedade, existem situações específicas em que a perícia pode ser dispensada. A Súmula 453 do TST estabelece a mais importante exceção: quando a empresa já paga o adicional de periculosidade espontaneamente, ainda que em percentual inferior ao legal ou de forma proporcional, torna-se desnecessária a perícia, pois o pagamento configura reconhecimento do risco.
Esta súmula tem aplicação prática relevante. Se uma empresa paga 15% de adicional de periculosidade (quando o legal seria 30%), o trabalhador pode pleitear a diferença sem necessidade de perícia, pois o risco já foi reconhecido pelo empregador. O mesmo vale para pagamento proporcional ao tempo de exposição.
A Orientação Jurisprudencial 278 da SBDI-1 estabelece outra exceção importante: quando não for possível realizar a perícia de insalubridade ou periculosidade, como em caso de fechamento da empresa, o julgador poderá utilizar-se de outros meios de prova. Nestes casos, laudos anteriores da mesma empresa, documentos do SESMT, PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) e até prova testemunhal podem ser utilizados.
Há ainda a possibilidade de dispensa quando existem pareceres técnicos ou documentos elucidativos apresentados pelas partes que o juiz considere suficientes, conforme artigo 472 do CPC. Contudo, esta hipótese é raramente aplicada no processo do trabalho, dada a especificidade da matéria.
IV. GRAUS E PERCENTUAIS
Insalubridade: Três Graus de Proteção
O adicional de insalubridade varia conforme o grau de nocividade do agente:
GRAU MÍNIMO (10% do salário mínimo): Aplica-se a situações como ruído de 80 a 85 dB(A), trabalhos em locais alagados sem equipamento adequado, e certas atividades com vibrações. Exemplo típico: operador de empilhadeira em ambiente fechado com ruído moderado.
GRAU MÉDIO (20% do salário mínimo): Incide sobre exposição a ruído de 85 a 90 dB(A), poeiras minerais, trabalhos com produtos químicos específicos. Exemplo comum: trabalhador da construção civil exposto a poeira de cimento e ruído de máquinas.
GRAU MÁXIMO (40% do salário mínimo): Reservado para situações graves como exposição a ruído acima de 90 dB(A), benzeno, radiações ionizantes, agentes biológicos em hospitais e laboratórios. Exemplo característico: enfermeiro de UTI com contato permanente com pacientes infectocontagiosos.
A base de cálculo permanece sendo o salário mínimo nacional, conforme entendimento consolidado do STF, que declarou inconstitucional a vinculação ao salário contratual.
Periculosidade: Risco Integral
O adicional de periculosidade é único: 30% sobre o salário integral do empregado, incluindo gratificações, prêmios e participações nos lucros habitualmente pagos. As atividades típicas incluem:
- Trabalho com inflamáveis (frentistas, operadores de distribuidora de gás)
- Trabalho com explosivos (pedreiras, fogos de artifício)
- Trabalho com energia elétrica (eletricitários, técnicos de manutenção elétrica)
- Atividades de segurança pessoal ou patrimonial (vigilantes, seguranças)
- Motociclistas profissionais (Lei 12.997/2014)
A exposição deve ser permanente ou intermitente, excluindo-se apenas o contato eventual ou fortuito. O TST considera intermitente a exposição que, não sendo eventual, ocorre em parte da jornada de trabalho.

Pericia de insalubridade e periculosidade
V. O PROCEDIMENTO PERICIAL DE INSALBRIDADE E PERICULOSIDADE PASSO A PASSO
Do Requerimento à Decisão
1. REQUERIMENTO OU DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO A perícia de insalubridade ou periculosidade pode ser requerida pela parte ou determinada pelo juiz. No caso de insalubridade e periculosidade, é obrigatória a determinação mesmo sem requerimento.
2. NOMEAÇÃO DO PERITO O juiz nomeia profissional de sua confiança, preferencialmente do cadastro do Tribunal. Deve ser médico ou engenheiro do trabalho registrado no Ministério do Trabalho.
3. APRESENTAÇÃO DE QUESITOS As partes têm 15 dias para apresentar quesitos – perguntas que desejam ver respondidas pelo perito. Quesitos bem elaborados são fundamentais para o sucesso da perícia.
4. INDICAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO No mesmo prazo, as partes podem indicar assistentes técnicos, profissionais de sua confiança que acompanharão a perícia e poderão apresentar parecer divergente.
5. REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA O perito comparece ao local de trabalho, realiza medições, fotografa, colhe informações e documentos. A presença de representantes das partes é direito garantido.
6. ENTREGA DO LAUDO O perito tem prazo fixado pelo juiz (geralmente 30-60 dias) para entregar laudo detalhado com suas conclusões.
7. MANIFESTAÇÃO DAS PARTES Intimadas do laudo, as partes têm prazo para manifestação, podendo impugnar conclusões, requerer esclarecimentos ou nova perícia.
8. VALORAÇÃO PELO JUIZ O juiz não está vinculado ao laudo, mas deve fundamentar eventual decisão contrária às conclusões técnicas.
VI. COMO SE PREPARAR PARA A PERÍCIA
Para o Trabalhador
A preparação para a perícia de insalubridade ou periculosidade de forma adequada pode ser decisiva. Organize documentos como fichas de EPI, atestados médicos ocupacionais, fotografias do ambiente de trabalho e comunicações sobre condições de risco. Durante a perícia, seja preciso nas informações, demonstre sua rotina real de trabalho e não exagere nem minimize as condições.
A presença de assistente técnico de sua confiança é importante, especialmente em situações complexas. Este profissional poderá questionar procedimentos, solicitar medições adicionais e elaborar parecer técnico complementar.
Para a Empresa
Empresas devem manter documentação atualizada: PPRA, PCMSO, fichas de entrega de EPI com recibos, treinamentos realizados, laudos anteriores e certificados de aprovação de equipamentos. Durante a perícia, disponibilize todos os documentos solicitados, permita acesso irrestrito aos locais de trabalho e demonstre medidas de proteção implementadas.
O acompanhamento por assistente técnico é igualmente importante para garantir que todos os aspectos favoráveis sejam adequadamente documentados e que os procedimentos técnicos sejam corretamente aplicados.
VII. AÇÃO REVISIONAL: QUANDO AS CONDIÇÕES MUDAM
Adequação à Realidade Dinâmica
O ambiente de trabalho é dinâmico, e as condições que justificaram o pagamento de adicional podem mudar. Quando há condenação judicial ao pagamento de adicional e a relação de emprego continua, três situações podem ocorrer:
ELIMINAÇÃO DO RISCO: A empresa implementa medidas que eliminam o agente nocivo. Exemplo: instalação de sistema de exaustão que reduz poeira abaixo do limite de tolerância. Neste caso, cabe ação revisional para cessar o pagamento do adicional.
REDUÇÃO DO RISCO: Medidas de proteção reduzem o grau de insalubridade de máximo para médio. A empresa pode pleitear redução do percentual através de ação revisional.
AGRAVAMENTO DO RISCO: Novas atividades ou deterioração das condições aumentam o risco. O trabalhador pode buscar majoração do adicional via ação revisional.
O procedimento está previsto no artigo 505, I, do CPC, aplicável ao processo do trabalho. Fundamental é a realização de nova perícia que comprove a alteração das condições. A ação revisional não se confunde com descumprimento da decisão anterior, mas reconhece que as circunstâncias fáticas que a fundamentaram foram modificadas.
CONCLUSÃO
A perícia de insalubridade e periculosidade constitui direito fundamental do trabalhador e instrumento essencial de justiça nas relações de trabalho. O conhecimento dos procedimentos, requisitos e estratégias apresentados neste guia capacita trabalhadores e empresas a exercerem adequadamente seus direitos e cumprirem suas obrigações.
A complexidade técnica e as constantes evoluções jurisprudenciais tornam indispensável a assessoria jurídica especializada para garantir o melhor resultado em cada caso concreto.
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