Participaçao nos Lucros e Resultados: Uma análise dos critérios de elegibilidade e natureza jurídica

09 de outubro de 2025

Compartilhe:

Introdução à Participação nos Lucros e Resultados | Barbieri Advogados

 

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE E NATUREZA JURÍDICA

I. INTRODUÇÃO

A Participação nos Lucros e Resultados (PLR) representa um dos institutos mais complexos e controvertidos do Direito do Trabalho brasileiro contemporâneo. Prevista constitucionalmente desde 1988 como direito fundamental dos trabalhadores, a PLR encontrou sua regulamentação definitiva apenas em 2000, com a promulgação da Lei nº 10.101, que estabeleceu os parâmetros para sua implementação e fruição.

O instituto da PLR foi concebido como mecanismo de integração entre capital e trabalho, visando criar um ambiente de colaboração mútua onde os empregados participem efetivamente dos resultados econômicos alcançados pela empresa. Sua natureza jurídica indenizatória, expressamente prevista na legislação, objetiva diferenciá-la da remuneração habitual, conferindo-lhe tratamento fiscal e previdenciário específico.

Transcorridos mais de duas décadas da vigência da Lei nº 10.101/2000, a jurisprudência trabalhista consolidou entendimentos importantes, mas também revelou divergências significativas na interpretação e aplicação do instituto. Questões relacionadas aos critérios de elegibilidade, à caracterização do desvirtuamento da PLR, à integração de parcelas na base de cálculo e aos limites da negociação coletiva têm gerado debates intensos nos tribunais.

A análise da jurisprudência recente do Tribunal Superior do Trabalho evidencia um cenário multifacetado, onde a aplicação da PLR varia conforme as circunstâncias específicas de cada caso. Observa-se que os tribunais têm adotado uma postura casuística, examinando minuciosamente os critérios estabelecidos em acordos e convenções coletivas, a efetiva vinculação da parcela aos resultados empresariais e o respeito aos princípios constitucionais trabalhistas.

Este artigo propõe-se a analisar as principais tendências jurisprudenciais sobre a PLR, identificando os critérios utilizados pelos tribunais para distinguir a participação legítima nos lucros e resultados das práticas que configuram burla à legislação trabalhista. A compreensão desses parâmetros jurisprudenciais revela-se essencial tanto para empregadores que buscam implementar programas de PLR em conformidade com a lei, quanto para empregados e seus representantes sindicais na defesa de seus direitos.

II. FUNDAMENTOS LEGAIS DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS

2.1 Marco Constitucional e Legal

A Participação nos Lucros e Resultados encontra seu fundamento primário no artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, que assegurou aos trabalhadores urbanos e rurais a “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.

A regulamentação constitucional materializar-se-ia somente em 2000, com a promulgação da Lei nº 10.101, que estabeleceu os contornos definitivos do instituto. Esta lei consagrou a natureza indenizatória da PLR, diferenciando-a expressamente da remuneração habitual dos empregados e conferindo-lhe regime jurídico específico.

O legislador ordinário optou por um modelo que privilegia a negociação coletiva, exigindo a participação obrigatória dos sindicatos na definição dos critérios e condições para implementação da PLR. Tal sistemática reflete a compreensão de que a participação nos lucros e resultados transcende a relação individual de trabalho, constituindo instrumento de política econômica e social.

2.2 Requisitos Legais para Caracterização da PLR

Para que a parcela paga ao empregado seja efetivamente caracterizada como participação nos lucros e resultados, a Lei nº 10.101/2000 estabelece requisitos específicos que devem ser rigorosamente observados.

O primeiro e mais fundamental requisito é a desvinculação da remuneração habitual do empregado. A PLR não pode constituir forma disfarçada de pagamento de salário, devendo representar efetiva participação nos resultados econômicos da empresa. Esta desvinculação manifesta-se tanto na sua não incorporação ao contrato de trabalho quanto na ausência de caráter contraprestativo direto.

O segundo requisito essencial é o condicionamento da PLR à obtenção de metas, resultados ou lucros previamente estabelecidos. A lei exige que o pagamento esteja vinculado ao desempenho da empresa ou ao cumprimento de objetivos específicos, vedando o pagamento automático ou incondicional da parcela.

A periodicidade constitui outro elemento caracterizador, estabelecendo a lei o prazo máximo de seis meses para cada programa de PLR. Esta limitação temporal visa evitar que a participação se transforme em complemento salarial disfarçado, preservando sua natureza episódica e vinculada a resultados específicos.

Por fim, a Lei nº 10.101/2000 determina a obrigatória participação dos sindicatos representativos da categoria profissional na negociação dos termos e condições da PLR. Esta exigência visa garantir que os critérios estabelecidos sejam justos e transparentes, protegendo os interesses coletivos dos trabalhadores.

III. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE

3.1 Empregados em Situação Especial

A jurisprudência trabalhista tem enfrentado questões complexas relacionadas à elegibilidade de empregados em situações especiais para o recebimento da PLR. Dois grupos merecem análise específica: empregados cedidos e empregados anistiados.

No julgamento do processo TST 0000052-26.2020.5.12.0037, o Tribunal Superior do Trabalho validou a exclusão de empregados cedidos do programa de PLR, desde que tal exclusão esteja prevista em acordo coletivo e não configure ofensa ao princípio da isonomia. O entendimento jurisprudencial fundamenta-se na premissa de que a participação nos lucros e resultados deve ser destinada aos empregados que efetivamente contribuíram para as atividades e resultados da empregadora.

Esta orientação jurisprudencial reconhece que a PLR possui vinculação direta com a produtividade e os resultados da empresa. Consequentemente, empregados que prestam serviços a outras entidades, mesmo mantendo vínculo formal com a empresa cedente, podem legitimamente ser excluídos do programa, desde que haja previsão expressa em norma coletiva e a exclusão seja aplicada de forma isonômica.

A questão dos empregados anistiados segue lógica similar. Os tribunais têm reconhecido a possibilidade de exclusão desses empregados dos programas de PLR, considerando que durante o período de afastamento não contribuíram diretamente para os resultados que fundamentam a participação. Novamente, a jurisprudência exige que tal exclusão seja prevista em acordo coletivo e não configure discriminação arbitrária.

O princípio da isonomia, nestes casos, não é violado pela diferenciação, mas sim pela aplicação criteriosa e objetiva de parâmetros relacionados à efetiva contribuição para os resultados empresariais. A jurisprudência tem sido cuidadosa em distinguir situações de legítima diferenciação baseada em critérios objetivos daquelas que configuram discriminação injustificada.

3.2 Empregados Aposentados

Uma situação peculiar emergiu na análise do processo TST 1000490-51.2019.5.02.0036, envolvendo empregados aposentados do extinto Banco Banespa. Neste caso, o Tribunal Superior do Trabalho equiparou a PLR à gratificação semestral prevista no Regulamento de Pessoal da instituição, garantindo o pagamento da parcela também aos empregados aposentados.

Esta decisão revela a importância da análise casuística na aplicação do instituto da PLR. Quando a participação nos lucros assume características de gratificação habitual, incorporando-se às práticas regulares da empresa, pode adquirir natureza diversa da PLR típica, aproximando-se mais de uma parcela de natureza salarial com direitos adquiridos.

O caso demonstra que a qualificação jurídica da parcela paga ao empregado depende não apenas da denominação conferida pela empresa, mas fundamentalmente de suas características concretas, periodicidade, critérios de concessão e forma de implementação. A jurisprudência tem se mostrado atenta à substância da relação jurídica, superando eventuais denominações formais que não correspondam à realidade fática.

A equiparação à gratificação semestral implica reconhecimento de que a parcela integrou definitivamente o patrimônio jurídico do empregado, gerando direito adquirido que perdura mesmo após a aposentadoria. Esta orientação jurisprudencial reforça a importância da correta estruturação dos programas de PLR pelas empresas, evitando configurações que possam gerar direitos não pretendidos.

IV. O DESVIRTUAMENTO DA PLR: QUANDO A PARTICIPAÇÃO SE TORNA SALÁRIO

4.1 Critérios Jurisprudenciais para Identificação do Desvirtuamento

Uma questão central que emerge da análise jurisprudencial é o fenômeno do desvirtuamento da PLR, situação em que o instituto perde suas características legais e assume natureza salarial. Os processos TST 0020997-74.2014.5.04.0002 e TST 0001232-54.2013.5.04.0002 oferecem importantes diretrizes para a identificação desta problemática.

O desvirtuamento da PLR ocorre, fundamentalmente, quando a parcela é utilizada como forma de remunerar a produtividade individual dos empregados, descaracterizando sua natureza de participação nos lucros ou resultados da empresa. Esta situação configura clara violação aos preceitos da Lei nº 10.101/2000, que exige vinculação da PLR aos resultados coletivos e empresariais, não ao desempenho individual de cada trabalhador.

A jurisprudência tem identificado como elemento caracterizador do desvirtuamento a habitualidade no pagamento da parcela, especialmente quando esta se desvincula dos critérios objetivos de lucros e resultados da empresa. Quando a PLR passa a ser paga regularmente, independentemente do desempenho econômico da empresa, perde sua natureza contingencial e assume características de complemento salarial.

Outro fator relevante para a caracterização do desvirtuamento é a ausência de critérios claros e objetivos que vinculem efetivamente o pagamento aos resultados empresariais. A jurisprudência tem rejeitado programas de PLR que estabelecem metas facilmente alcançáveis ou que não guardam relação direta com a performance econômica da empresa, considerando tais práticas como formas disfarçadas de pagamento de salário.

4.2 Consequências Jurídicas do Desvirtuamento

Quando identificado o desvirtuamento da PLR, os tribunais têm aplicado consequências jurídicas significativas, reconhecendo a natureza salarial da parcela e determinando sua integração à remuneração para todos os efeitos legais. Esta orientação jurisprudencial visa coibir práticas fraudulentas e garantir que os empregados recebam todas as vantagens decorrentes da natureza salarial da parcela.

A integração da PLR desvirtuada ao salário produz efeitos em cascata sobre diversos aspectos da relação de emprego. As verbas rescisórias devem ser recalculadas considerando a parcela como integrante da remuneração, incluindo aviso prévio, férias proporcionais, décimo terceiro salário e multa do FGTS.

Os reflexos estendem-se também às contribuições previdenciárias, uma vez que a parcela com natureza salarial deve integrar o salário-de-contribuição para fins de cálculo das contribuições sociais. Esta consequência pode gerar significativos passivos previdenciários para as empresas que praticaram o desvirtuamento da PLR.

A jurisprudência tem sido rigorosa na aplicação destas consequências, entendendo que a proteção aos direitos dos trabalhadores exige a desconsideração de artifícios que visem burlar a legislação trabalhista. O reconhecimento da natureza salarial da PLR desvirtuada constitui mecanismo de proteção da relação de emprego e de garantia da efetividade dos direitos laborais.

Por Equipe de Direito do Trabalho da Barbieri Advogados

V. QUESTÕES CONTROVERTIDAS NA JURISPRUDÊNCIA

5.1 Horas Extras e Base de Cálculo da PLR

Uma das questões mais debatidas na jurisprudência trabalhista refere-se à inclusão ou não das horas extras na base de cálculo da PLR. O processo TST 0020288-07.2017.5.04.0011 oferece importantes diretrizes sobre esta controvérsia, estabelecendo parâmetros claros para a solução da questão.

O posicionamento majoritário da jurisprudência consolidou o entendimento de que as horas extras, mesmo quando habituais, não devem integrar automaticamente a base de cálculo da PLR. Esta orientação fundamenta-se na compreensão de que a participação nos lucros e resultados possui natureza jurídica distinta da remuneração habitual, não se sujeitando às mesmas regras de cálculo aplicáveis ao salário.

A exclusão das horas extras da base de cálculo da PLR encontra justificativa na própria estrutura legal do instituto. A Lei nº 10.101/2000 estabelece que a PLR deve estar desvinculada da remuneração, o que inclui tanto o salário base quanto as parcelas que o integram, como as horas extras habituais. Esta desvinculação é essencial para preservar a natureza indenizatória da participação nos lucros e resultados.

Contudo, a jurisprudência reconhece uma importante exceção a esta regra geral. Quando a norma coletiva dispuser expressamente de forma diversa, estabelecendo a inclusão das horas extras na base de cálculo da PLR, tal previsão deve ser respeitada. Esta exceção reflete a valorização da negociação coletiva no âmbito do Direito do Trabalho, reconhecendo a autonomia das partes para estabelecer condições mais favoráveis aos empregados.

A análise do processo TST 0020288-07.2017.5.04.0011 demonstra que a questão deve ser resolvida mediante exame específico das cláusulas do acordo ou convenção coletiva aplicável. A ausência de previsão expressa sobre a inclusão das horas extras implica sua exclusão da base de cálculo, preservando-se a regra geral de desvinculação entre PLR e remuneração.

5.2 O Papel da Negociação Coletiva

A negociação coletiva assume papel central na regulamentação da PLR, constituindo requisito legal obrigatório para sua implementação. A análise jurisprudencial revela que os tribunais têm conferido significativa deferência aos acordos coletivos, desde que respeitados os parâmetros legais e os direitos indisponíveis dos trabalhadores.

Os processos analisados demonstram que a jurisprudência tem validado critérios de elegibilidade estabelecidos em acordos coletivos, mesmo quando resultem na exclusão de determinados grupos de empregados. Esta validação ocorre quando os critérios são objetivos, razoáveis e guardam relação com a finalidade da PLR, qual seja, a participação nos resultados pelos empregados que efetivamente contribuíram para sua obtenção.

A autonomia negocial encontra limites nos direitos indisponíveis e nos princípios constitucionais trabalhistas. A jurisprudência tem rejeitado acordos coletivos que estabeleçam critérios discriminatórios ou que configurem renúncia a direitos essenciais dos trabalhadores. O princípio da isonomia constitui parâmetro fundamental para aferição da validade das cláusulas coletivas sobre PLR.

A transparência e a objetividade dos critérios estabelecidos em negociação coletiva constituem elementos essenciais para sua validação jurisprudencial. Os tribunais têm exigido que os programas de PLR contemplem metas claras, períodos definidos e critérios mensuráveis, evitando a discricionariedade patronal e garantindo segurança jurídica aos empregados.

A jurisprudência reconhece que a negociação coletiva constitui instrumento legítimo para adequação da PLR às especificidades de cada categoria profissional e setor econômico. Esta flexibilidade permite que os programas sejam estruturados de forma compatível com a realidade empresarial, desde que preservados os direitos fundamentais dos trabalhadores e a natureza jurídica do instituto.

VI. DIRETRIZES PRÁTICAS PARA EMPRESAS E EMPREGADOS

6.1 Recomendações para Implementação da PLR

A análise jurisprudencial permite identificar diretrizes essenciais para a correta implementação de programas de PLR. As empresas devem assegurar que a participação esteja efetivamente vinculada aos lucros ou resultados da empresa, evitando critérios baseados exclusivamente na produtividade individual dos empregados.

A negociação coletiva deve preceder qualquer implementação de programa de PLR, com participação obrigatória do sindicato representativo da categoria. Os critérios estabelecidos devem ser objetivos, mensuráveis e transparentes, permitindo aos empregados compreender claramente as condições para fazer jus à participação.

A periodicidade semestral deve ser rigorosamente observada, evitando-se pagamentos mais frequentes que possam caracterizar complemento salarial. A documentação adequada de metas, resultados e critérios de distribuição constitui elemento fundamental para demonstrar a legitimidade do programa.

6.2 Prevenção de Litígios

Para prevenir questionamentos judiciais, as empresas devem evitar a habitualidade incondicional no pagamento da PLR, mantendo sempre a vinculação aos resultados empresariais. A diferenciação clara entre PLR e outras parcelas remuneratórias deve ser estabelecida desde a implementação do programa.

Os critérios de elegibilidade devem ser aplicados de forma isonômica, respeitando o princípio da não discriminação. Quando houver exclusão de determinados grupos de empregados, tal exclusão deve estar fundamentada em critérios objetivos relacionados à contribuição efetiva para os resultados da empresa.

A revisão periódica dos programas de PLR, com adequação às mudanças na estrutura empresarial e negociação coletiva, constitui medida preventiva importante para manter a conformidade legal e evitar questionamentos quanto ao desvirtuamento do instituto.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da jurisprudência trabalhista sobre Participação nos Lucros e Resultados revela um panorama complexo e casuístico, onde a aplicação do instituto depende fundamentalmente do exame das circunstâncias específicas de cada caso. Os tribunais têm adotado critérios rigorosos para distinguir a PLR legítima das práticas que configuram burla à legislação trabalhista.

As tendências jurisprudenciais identificadas demonstram valorização da negociação coletiva como instrumento de regulamentação da PLR, desde que respeitados os parâmetros legais e os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Os tribunais têm validado critérios de elegibilidade objetivos e razoáveis, rejeitando práticas discriminatórias ou que desvirtuem a natureza do instituto.

O combate ao desvirtuamento da PLR constitui preocupação central da jurisprudência, que tem aplicado consequências severas quando identificada a utilização fraudulenta do instituto. A transformação da PLR em complemento salarial disfarçado resulta na integração da parcela à remuneração para todos os efeitos legais, gerando significativos passivos trabalhistas e previdenciários.

A segurança jurídica nas relações de trabalho depende da correta compreensão e aplicação dos critérios jurisprudenciais consolidados. Empresas e empregados devem orientar suas condutas pelos parâmetros estabelecidos pelos tribunais, evitando práticas que possam gerar litígios e comprometer a estabilidade das relações laborais.

A evolução jurisprudencial sobre PLR tende a consolidar entendimentos que privilegiem a transparência, a objetividade e a vinculação efetiva aos resultados empresariais. A maturidade do instituto exige que sua aplicação seja pautada por critérios técnicos sólidos, respeitando tanto os interesses legítimos das empresas quanto os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Por Equipe de Direito do Trabalho da Barbieri Advogados

null