Pagamento ou Parcelamento do Débito Tributário: Estratégias para Extinguir ou Suspender a Punibilidade Penal

21 de outubro de 2025

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Estratégias Fiscais para Extinguir ou Suspender a Punibilidade Penal

Por Caio Cesar da Silva Oliveira

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogado inscrito na OAB sob o nº 132.362. Advogado da Barbieri Advogados.

Análise dos instrumentos legais para extinção e suspensão da punibilidade em crimes contra a ordem tributária

Tempo de leitura: 11 minutos


Este artigo integra série sobre Crimes Tributários e Estratégias de Defesa Empresarial. Leia também:

  • Possível Configuração de Crime Tributário Antes do Encerramento do Procedimento Fiscal: A Nova Interpretação do STJ


I. Introdução: O Débito Fiscal e a Responsabilização Penal

O descumprimento de obrigações tributárias pode configurar crime contra a ordem tributária, sujeitando empresários e administradores à persecução penal. O ordenamento jurídico brasileiro, contudo, oferece instrumentos eficazes de proteção: o pagamento integral e o parcelamento do débito tributário. Estes mecanismos, previstos na Lei nº 10.684/2003, permitem não apenas a regularização fiscal, mas também a extinção ou suspensão da punibilidade criminal. Este artigo analisa essas estratégias essenciais de defesa empresarial.

II. A Regularização como Proteção Empresarial

Diante da criminalização de condutas fiscais, a regularização do débito tributário é uma ferramenta eficaz de proteção. Mais do que uma obrigação pecuniária, é um mecanismo legal que pode mitigar, suspender ou extinguir a punibilidade criminal. A legislação oferece instrumentos que afastam a ameaça de processo penal, permitindo à empresa resolver pendências e preservar gestores. Pagamento ou parcelamento estratégico é uma defesa jurídica fundamental.

III. Tipos de Crimes Contra a Ordem Tributária: Material e Formal

Os crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90) distinguem-se em:

  • Crimes Materiais: Exigem efetiva supressão ou redução de tributos mediante fraude (Art. 1º, I a IV, Lei nº 8.137/90). A consumação ocorre com a lesão ao patrimônio público, após apuração administrativa.

  • Crimes Formais: Consumam-se com a mera prática da conduta, independentemente de prejuízo. O Art. 1º, V, da Lei nº 8.137/90 (não fornecer nota fiscal) é um exemplo, onde o bem jurídico é a capacidade de fiscalização do Estado.

Esta distinção é crucial para tipificação e prescrição.

Conforme analisado no artigo anterior desta série, a recente decisão do STJ quanto ao crime do art. 1º, V, da Lei nº 8.137/1990 alterou substancialmente o momento de configuração do delito formal relacionado à nota fiscal, tornando ainda mais urgente a compreensão das estratégias de regularização aqui apresentadas.

IV. A Regra Geral: Súmula Vinculante nº 24 e o Lançamento Definitivo

A Súmula Vinculante nº 24 do STF estabeleceu que crimes contra a ordem tributária (Art. 1º, I a IV, Lei nº 8.137/90) não se tipificam antes do lançamento definitivo do tributo. Isso significava que, para crimes materiais, o delito só se configurava após a conclusão do processo administrativo fiscal, protegendo o empresário de criminalização prematura.

A ratio desta súmula fundamenta-se no princípio da não culpabilidade e na necessária distinção entre o ilícito administrativo tributário e o ilícito penal. Enquanto não constituído definitivamente o crédito tributário, não haveria certeza quanto à existência do débito e, consequentemente, quanto à materialidade do delito.

V. O Novo Entendimento do STJ para o Art. 1º, V, da Lei 8.137/90 e Seus Impactos

Recentemente, o STJ reafirmou que o crime do Art. 1º, V, da Lei nº 8.137/90 (falha na emissão de nota fiscal) é de natureza formal. A Súmula Vinculante nº 24 não se aplica a ele. A consumação ocorre com a mera conduta de não emitir ou emitir incorretamente o documento, sem aguardar o lançamento definitivo do crédito tributário para a configuração do crime e o início da prescrição.

Os impactos são significativos:

  • Antecipação da Persecução Penal: Investigações podem iniciar pela falha documental.

  • Risco Imediato: Empresários e gestores ficam expostos ao risco criminal desde a falha na nota fiscal.

  • Gestão Documental Crítica: A conformidade na emissão de notas fiscais torna-se prevenção criminal direta.

Essa mudança exige reavaliação de processos internos e atenção redobrada à conformidade documental, tornando as estratégias de regularização aqui analisadas ainda mais relevantes.

VI. O Pagamento Integral do Débito: Extinção Definitiva da Ação Penal

O ordenamento jurídico oferece a extinção das consequências penais pela regularização fiscal. O pagamento integral do débito tributário é a ferramenta mais contundente, extinguindo a persecução criminal.

A. Fundamento Legal: Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003

O Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003, estabelece que:

“Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

B. Abrangência da Extinção da Punibilidade

O benefício abrange:

  • Crimes Contra a Ordem Tributária (Arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990).

  • Apropriação Indébita Previdenciária (Art. 168-A do Código Penal).

  • Sonegação de Contribuição Previdenciária (Art. 337-A do Código Penal).

Não se aplica a outros delitos, como descaminho, que não envolve débito tributário passível de regularização pela mesma via administrativa.

C. Momento do Pagamento

O pagamento integral pode ocorrer “a qualquer tempo”: antes da ação penal, durante o processo ou mesmo após o trânsito em julgado da condenação.

A extinção da punibilidade opera inclusive após o trânsito em julgado da sentença condenatória, característica singular deste benefício legal. Mesmo condenado definitivamente, o pagamento integral afasta todos os efeitos penais da condenação, constituindo causa extintiva da punibilidade de natureza objetiva, independente de qualquer juízo sobre a culpabilidade do agente.

D. Requisitos para a Extinção da Punibilidade pelo Pagamento

O pagamento deve atender aos seguintes requisitos:

  1. Integralidade: Deve abranger o valor principal do débito e todos os acessórios (multa, juros e correção monetária).

  2. Sujeito Ativo: Deve ser realizado pela pessoa jurídica relacionada ao agente investigado ou processado.

  3. Comprovação: Deve ser devidamente comprovado nos autos do processo penal mediante documentação idônea emitida pela Fazenda Pública.

  4. Objeto: Deve referir-se especificamente ao débito que constitui o objeto da persecução criminal.

E. Efeitos da Extinção

A extinção da punibilidade pelo pagamento integral encerra definitivamente a ação penal, evita registro de antecedentes criminais, libera medidas restritivas e permite ao empresário focar novamente em suas atividades. É uma solução completa, exigindo disponibilidade financeira e análise jurídica.

VII. O Parcelamento do Débito: Suspensão e Proteção Provisória

Quando falta liquidez para pagamento integral, o parcelamento do débito é uma alternativa estratégica. Ele suspende a pretensão punitiva e o curso da prescrição, agindo como escudo temporário.

A. Fundamento Legal: Art. 9º, Caput, da Lei nº 10.684/2003

O Art. 9º, caput, da Lei nº 10.684/2003, prevê a suspensão da persecução penal mediante parcelamento:

“É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.”

Isso incentiva a regularização fiscal para garantir o fluxo de recursos ao erário.

B. A Suspensão da Pretensão Punitiva e do Curso da Prescrição

Ao aderir e manter o parcelamento regular, investigações e processos criminais são paralisados, e o prazo prescricional é interrompido. Esta é uma suspensão, não extinção, mantendo a ameaça penal latente, condicionada à regularidade do parcelamento.

Durante a suspensão da pretensão punitiva, inquéritos policiais são sobrestados, o Ministério Público não pode oferecer denúncia, ações penais em curso são suspensas e não correm prazos prescricionais. Medidas cautelares já impostas, contudo, podem ser mantidas a critério do juízo criminal, cabendo ao interessado demonstrar que o parcelamento regular justifica sua revogação ou abrandamento.

C. Requisitos para Manutenção da Suspensão

A suspensão exige cumprimento rigoroso das condições do acordo: pagamento tempestivo das parcelas, ausência de novas irregularidades e outras exigências específicas do programa. O descumprimento pode levar à cessação dos benefícios penais.

D. Descumprimento do Parcelamento e Suas Consequências

O descumprimento do parcelamento, caracterizado pela falta de pagamento de parcelas ou pelo inadimplemento das condições estabelecidas, acarreta:

  1. Imediata retomada da persecução penal do ponto em que foi suspensa

  2. Reinício da contagem do prazo prescricional

  3. Impossibilidade de nova suspensão pelo mesmo débito

  4. Eventual decretação de medidas cautelares penais

A jurisprudência consolidou que o simples atraso no pagamento de parcela, quando prontamente regularizado, não caracteriza automaticamente o descumprimento. Todavia, a exclusão formal do programa de parcelamento pela Receita Federal é marco objetivo que autoriza a retomada da persecução criminal.

A inadimplência revoga a suspensão, resultando na retomada do processo criminal e da contagem da prescrição, perdendo a proteção oferecida.

E. A Extinção da Punibilidade Pelo Cumprimento Integral do Parcelamento

O parcelamento, quando cumprido integralmente, extingue a punibilidade. Quitadas todas as parcelas do acordo, a extinção da punibilidade deve ser declarada judicialmente mediante requerimento fundamentado e comprovação documental da integralidade do pagamento. O benefício produz os mesmos efeitos do pagamento integral à vista, afastando definitivamente qualquer consequência penal.

Este é o desfecho desejado, exigindo planejamento e acompanhamento rigoroso.

VIII. A Importância da Confissão da Dívida e Seus Efeitos

A confissão do débito para fins de adesão a programas de parcelamento fiscal constitui ato de natureza estritamente administrativa e patrimonial, destinado à regularização do passivo tributário. Não implica, de forma alguma, confissão de culpa penal ou reconhecimento da prática de crime.

A extinção ou suspensão da punibilidade prevista na Lei nº 10.684/2003 fundamenta-se em política criminal de estímulo à arrecadação e à regularização fiscal, não em presunção de culpabilidade. O empresário que adere ao parcelamento exerce direito legalmente assegurado, sem que isso possa ser interpretado como admissão de responsabilidade penal ou elemento de prova em eventual processo criminal.

Conclusão: A Regularização como Ferramenta Jurídica Indispensável

O cenário analisado nesta série de artigos revela o crescente rigor do ordenamento jurídico brasileiro na interseção entre direito tributário e penal. O recente entendimento do STJ, que antecipa a persecução penal para crimes formais relacionados à documentação fiscal, intensifica a urgência de estratégias preventivas e reativas eficazes.

Nesse contexto, a regularização do débito tributário assume papel central na defesa empresarial. O pagamento integral, ao extinguir definitivamente a punibilidade, constitui a solução mais segura e completa, eliminando qualquer risco de responsabilização criminal. O parcelamento, por sua vez, oferece proteção imediata mediante suspensão da persecução penal, desde que rigorosamente cumprido.

A escolha entre estas estratégias demanda análise jurídica e financeira criteriosa, considerando a capacidade de pagamento da empresa, o estágio da persecução criminal e os prazos prescricionais aplicáveis. A decisão equivocada ou a execução inadequada pode resultar na perda dos benefícios legais e na retomada da ação penal.

Empresas que investem em governança tributária sólida, compliance robusto e assessoria jurídica especializada não apenas mitigam riscos criminais, mas também consolidam sua reputação e asseguram a continuidade de suas operações. Em um ambiente de crescente fiscalização e rigor interpretativo, a proatividade na gestão do passivo tributário deixa de ser opção para constituir imperativo de inteligência empresarial.