ÔNUS DA PROVA

23 de junho de 2025

Compartilhe:

Maurício Lindenmeyer Barbieri

INTRODUÇÃO

O órgão jurisdicional não age automaticamente, antes deve aguardar que os interessados lhe provoquem a atividade jurisdicional, cabendo aos litigantes o ônus de afirmar e provar os fatos alegados em juízo, daí que o ônus da prova assume um papel nuclear na forma como se desenvolve a atividade instrutória e, também, pela forma como se estrutura a prova no nosso direito processual relaciona-se com o princípio dispositivo e com a realização da verdade possível ao processo.

A teoria dos ônus processuais, sua conceituação, distinção de figuras afins, inserção no sistema do processo, constitui uma das mais lúcidas e preciosas contribuições que se aportaram à ciência do processo no século XX, servindo para esclarecer muitos pontos de dúvida e ditar o correto direcionamento e justa medida das consequências dos possíveis comportamentos omissivos das partes.¹

Tal objetivo só é possível ser atingido em face da prova carreada para o processo pelas partes, o que não exclui que o juiz aprecie fatos que não hajam sido alegados e da sua produção na instrução processual, pois o juiz há muito deixou de ser uma máquina de subsunção do direito, há muito que as palavras proféticas de Montesquieu deixaram de ter qualquer sentido, designadamente quando referia que o juiz era la bouche que prononce les paroles des lois.

Mais, nem correto ver os resultados aleatoriamente distorcidos por esses “acidentes de percurso”, algo que interfira no escopo que anima o sistema processual. Além do mais, só mesmo um observador clarividente ou talvez onisciente seria capaz de determinar os casos em que realmente o resultado do processo teria sido outro, não foram às condutas que efetivamente tiveram as partes no seu curso.³

A dialética do contraditório é mesmo composta assim das incertezas em que se refletem perspectivas, possibilidades, chances, expectativas e ônus, e cada qual dos litigantes há de contar muito consigo mesmo e com a cooperação efetiva que possa trazer ao juiz no processo, sempre com vistas à melhoria de sua própria situação processual.

ESCORÇO HISTÓRICO

O processo romano apresenta-se em três estádios diversos de evolução: o período pré-clássico, que se estendeu desde a fundação de Roma (754 a.C.) até o final da república em do século VI a.C. associado ao processo das legis actions (ações da lei); seguido pelo período clássico, marcado pela atividade dos pretores per formulas (processo formulário) até finais do século III, quando o imperador viria a proibir o uso de fórmulas; e, no período de decadência do império, o processo da extraordinária cognitio, iniciado em 27 a.C., correspondente à época pós-clássica⁴. No resumo histórico⁵ sobre o instituto do ônus da prova é no período formular romano que deve recair nossa breve e sumária reflexão, uma vez que é a partir daí se delineiam os contornos do instituto objeto do estudo.

Segundo Gian Antonio Micheli, inexistia no antigo processo romano regras sobre ônus da prova na fase das ações da lei, pois o juiz apresentava-se com natureza de árbitro, próxima de um juiz privado, onde a lhe eram reconhecidos os mais amplos poderes discricionários não só na valoração das provas adotadas pelas partes, mas ainda com relação as próprias qualidades sociais e morais delas. A decisão do iudex fixava assim a preferência a uma das partes, com base nos vários elementos aptos a formar a convicção do árbitro numa sociedade restrita, que tendia à defender o réu e não ao autor.

Entendimento diverso é manifestado por Giovanni Pugliese, entendendo existentes princípios sobre a distribuição do ônus da prova exaurido de casos jurisprudenciais que refletiriam a existência de princípios refletidos nos casos particulares, já no período das ações da lei⁶, especialmente no sentido de que a prova incumbiria ao autor. Posteriormente, no período formular, afirma desenvolver-se o princípio diverso relativamente à exceção, onde o réu assumiria a posição de autor, cabendo-lhe a prova dos fatos alegados em exceção.

Como exemplo da manifestação de traços gerais da regra de que o ônus de prova da alegação incumbiria ao autor, exemplifica texto de Ulpiano (l.6.disp.) D. 22, 3, 18 pr.: Quotiens operae quase a liberto pentuntur, probationes ab eo qui se patronum dicit exiguntur: et ideo hdianus scripsit, licet in preiudicacio possessor patronus esse videtur, verum partibus actoris non libertum fungi debere, sed eum qui se patronum esse cotendit.⁷

Giovanni Pugliese, apoiado em textos de Ulpiano (l. 7 disp.) D. 22, 3, 19 pr., sustenta a existência de regras relativas à exceção, onde o réu assumiria a posição de autor e, igualmente, o ônus de autor: In exceptionibus dicendum est reum partibus actoris fungi oportenere ipsumque exceptionem velut intentionem implere: ut puta si pacti conventi exceptione ustatur, docere debet pactum conventum factum esse.⁸ E Ulp. (1.4 ad ed.) D. 44, 1. 1. Agere etiam is videtur, que excptione utitur: mam reus in exceptione actur est.

Com efeito, embora as regras sobre ônus da prova sintetizadas nos procardos incumbit probatio que dicit non qui negat e per rerum naturam negantis probatio nulla est necessitas probandi incumbitréus excepiendo fit actos, somente vieram a fixar-se na época da extraordinária cognitio demonstra o autor à existência de contornos claros de regras probatórias, já no período clássico e formular romano.

Como observa Vitorio Scialoja⁹, no período das ações da lei e no período formular, a prolação de decisão não era imperiosa para o árbitro: caso não alcançasse suficiente convicção, mesmo tendo se valido de todos os meios para tanto, podia jurar sib no liquere, eximindo-se da obrigação de sentenciar, sendo nomeado outro juiz pelo pretor romano.

A situação muda profundamente com o afirmar-se da procedura extra ordinem, fundando a fase extraordinária cognitio, acentuando o caráter publicista do processo em contraste com o caráter arbitral do antigo processo. Consequência de tal transformação: a necessidade de dar ao juiz os instrumentos para decidir em cada caso de modo melhor, segundo a lei e a equidade. A esta categoria de prescrição, destinadas a delimitar o arbítrio do órgão judicial, pertencem as disposições sobre prova.¹⁰ Assim, a valoração da prova é vinculada e determinados meios de prova considerados melhores que outros. Fixa-se, definitivamente o brocardo, em tema de prova, que a parte devesse aduzir as provas das afirmações realizadas.

Nesta terceira fase do Direito Romano, em que Otávio Augusto era Imperador, iniciando-se em 27 a.C., como manifestação do caráter público do processo, deveria o julgador prolatar a sentença, e, somente nos casos em que o juiz não se sentisse habilitado a julgar ou se julgasse incompetente, a decisão da causa seria devolvida à apreciação do imperador, mediante um procedimento denominado consultatio.¹¹

A estrutura processual do período pós-clássico favorece indubitavelmente o princípio segundo o qual quem afirma, e não quem nega a afirmação adversária, deve aduzir a prova dos fatos postos à base da própria demanda. O processo inicia-se através da afirmação de uma do autor, se desenvolve através da contraposta afirmação do réu. Ao autor, portanto, caberia o ônus de provar os fatos postos à base de sua demanda, como também os contestados pelo adversário. Nesse interesse de prova e contraprova que o juiz formará o seu convencimento, deduzindo as consequências postas do princípio (então normativo) affirmanti non neganti incumbit probatio. Este princípio poderia ser valorado pelo juiz, mas servia como recurso quando não se pudesse obter uma pronuncia de mérito.

Embora existisse uma tendência entre os jurisconsultos romanos de atribuir ao autor o ônus da prova, o certo é que o direito romano evoluiu de certa forma equilibrado, de forma a abranger os casos em que o autor reclamava um determinado crédito e o réu respondia afirmando já ter pago essa importância. Neste caso, incumbia ao réu a prova deste fato.¹²

Mesmo no direito romano é possível verificar a existência de verdades interinais (provisórias) que invertem o ônus da prova e presunções¹³. Em cada caso a lei fixa o thema probanda que na primeira hipótese deve ser a base para a decisão a menos que não seja provado o contrário. As regras sobre prova legal concorrem, já no direito romano, no fixar o fundamento de fato da decisão do juiz, excluindo a livre valoração; as regras sobre ônus da prova dizem como o juiz deve aplicar o direito objetivo no caso em que ele não possa verificar a prova da demanda da parte. A regra de juízo assim representa a fundamentação de critérios práticos, e como tais passam a fazer parte do Digesto para depois passar, através do direito comum, ao direito moderno.

Relativamente à prova das negativas, dos textos do direito romano, extrai-se que uma vez confessando o autor a impossibilidade de provar o que afirma, não se pode também constranger o réu a demonstrar o contrário, porque da natureza das coisas não se poderia atribuir prova a quem nega o fato.¹⁴

Com as invasões bárbaras e a queda do Império Romano do Ocidente, mantém-se a influência de suas fontes jurídicas por toda a idade média, mas somente com a Escola de Bolonha, o direito romano passaria a constituir objeto de investigações científicas, no contexto de um amplo movimento social e cultural onde os glosadores tiveram como objeto de seus estudos os textos da compilação de Justiniano¹⁵.

Ao sistema probatório romano pode ser contraposto aquele dos povos germânicos, que veio a influir na formação do dogma sobre ônus da prova. Neste sistema, a decisão da controvérsia obtem-se mediante o cumprimento de uma determinada atividade pela parte. O juiz decide com a sentença de prova quem deve jurar e a prestação do juramento importa uma vitória do jurante. Assim, os juízos de Deus, onde a prova cabe de regra ao réu que deveria oferecer ao seu acusador os elementos para persuadir a própria inocência.¹⁶

O momento probatório desenvolvia-se na fase precedente à sentença de prova, que poderia ser uma sentença: a) decisória, quando houvesse uma sentença do juiz com o conteúdo determinado pela prova adotada ou b) com a regulamentação do direito substancial, quando ocorria o juramento ou juízo de deus, precedendo a alguma decisão do juiz. Em qualquer dos casos, ressalta a importância da parte obter uma decisão em próprio favor, antes de recorrer ao juiz, os elementos necessários para demonstrar a verossimilhança da própria pretensão a fim de obter o reconhecimento do direito.¹⁷

Com o passar dos tempos, verificou-se na sociedade germânica primitiva a tendência explícita a proteger o acusado contra o qual não eram adotados elementos de prova. Ao juiz é atribuída uma função mais delicada, pois cabe decidir quem, no caso concreto, deve realizar a prova, com base nos elementos aduzidos pelas partes, na sua conduta, e na situação de fato. Dentro de certos limites o problema da repartição da prova se apresenta também no processo germânico: a valoração da verossimilhança das afirmações das partes concorrem a formar no juiz a convicção de qual das partes seja mais idônea a aportar a prova no processo, pois mais próxima desta.¹⁸ Delineam-se então regras consuetudinárias relativas à distribuição do dever de realização de prova, sempre tendo-se em conta a posição da parte com relação àquela. Remanesce, entretanto, o caráter primitivo, segundo o qual é ao réu que em regra conhece como desenvolveram-se os fatos, caráter que se acentua devido à natureza geralmente penal da controvérsia.¹⁹

O caráter do processo germânico que favorecia a atividade das partes, porquanto é esta que resolve praticamente a controvérsia, há indubitavelmente criado uma das condições para a sucessiva elaboração da teoria do ônus da prova, em estreita conexão com a doutrina das provas legais. Do encontro do direito romano pós-clássico, onde o conceito de ônus e necessitas probandi significava a prática necessidade que as partes realizarem a prova em seu próprio interesse, com o direito germânico, era natural que se desenvolvesse sempre mais e em cada sistema a tendência de fixar as regras de ônus da prova, determinando quem devesse provar, o objeto da prova e o momento de sua realização. Enquanto que no processo romano a prova é considerada sempre um meio de persuadir o juiz, o qual poderá valorá-la livremente para a solução do litígio no processo germânico a prova é considerada atividade da parte, que por si própria, ou enquanto univocamente decidido pela sentença, decide a controvérsia. O conceito de prova legal assume relevo, especialmente sobre o perfil da incontrovertibilidade dos resultados de determinada atividade, rigorosamente formal, realizada pela parte. A repartição das consequências da falta de prova entre as partes apresenta um relevo de todo processual, fundando-se esta sobre um critério da maior proximidade de uma das partes à prova, sobre um critério de conveniência, determinado pelas regras de experiência.²⁰

Com os glosadores da idade média o critério de onus probandi se configura como princípio jurídico, apto a tornar sempre possível uma decisão de mérito, mas a própria estrutura do processo tende a por em relevo a eficiência da atividade probatória das partes, a quem incumbe a necessidade de dar ao juiz os elementos de fato, aptos a construir a premissa menor do silogismo judicial. A fácil generalização que a prova cabe, de regra, ao autor, a quem em substância inicia o processo, torna necessária uma particular atividade por parte do juiz. Com o sucessivo desenvolvimento do direito comum, a teoria das negativas se combina estreitamente com aquela da afirmação e, em particular com a consideração da posição respectiva de autor e de réu. Na praxis se reforça a opinião que tanto o autor quanto o réu devem provar os fatos postos à base da respectiva pretensão. Assim, por exemplo, o réu deve provar o factum destructivum petitionis (pagamento, prescrição) o la negativa praegnans (vício de consentimento). Este princípio elaborado segundo a tradição francesa²¹ adapta exclusivamente no princípio da igualdade das partes em juízo, onde quem apresenta uma pretensão tem o dever de prová-la. Tal princípio tem notável significado para entender o mecanismo do ônus da prova no processo civil, mas não constitui um critério suficiente e totalmente adequado a efetiva repartição dos riscos da ausência de prova.

Esses princípios probatórios passaram para o antigo direito português²² e influenciaram nosso direito, muito embora o Regulamento 737 não contenha disposição específica sobre prova. Com a Constituição da República de 1891, coube aos estados legislarem sobre direito processual, sendo que o Código Processual da Bahia, em seu art. 126, estabeleceu que “compete, em regra, a cada uma das partes, fornecer os elementos de prova das alegações que as fizer”; dispositivo que foi reproduzido no Códigos de Processo de Minas Gerais (art. 255), São Paulo (art. 262), Distrito Federal (art. 182), Pernambuco (art. 245) e Santa Catarina (art. 686).

Nesse contexto, ocorreu a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 que incorporou à sua sistemática de resolução de controvérsia as regras da época de sua edição, relativamente à problemática da carga probatória, estabelecendo, em seu art. 818 que a prova das alegações incumbe a quem as fizer.

No Código Processual Civil Brasileiro de 1939, mantiveram-se os princípios de repartição de prova esboçados desde as velhas Ordenações e distinguiram-se entre fatos constitutivos, modificativos, impeditivos e extintivos. No seu art. 209, parag. 1º e 2º, distribuiu o ônus da prova entre as partes, em correspondência com o ônus da afirmação.²³

Na sociedade contemporânea, o critério de repartição da carga probatória indica uma crise do conceito tradicional, mostrando a necessidade de regras práticas particulares sobre a repartição, que tenha em conta determinados dados da experiência, relativamente a certas relações ou estados jurídicos, distinguindo vários aspectos do problema probatório.

Observamos que a lenta e gradual evolução histórica do instituto do ônus da prova acompanha a igualmente gradual evolução que conduziu à afirmação da racionalidade do sistema probatório de forma a atribuir ao juiz também o dever de avaliar e valorar o fato, acontecendo, ao mesmo tempo, a renúncia à pretensão de chegar à verdade absoluta, colocando-se o problema da incerteza da matéria fática ao juiz, tema que será abordado no presente trabalho, após analisarmos os delineamentos do ônus da prova como instituto processual.


NOTAS

¹ Dinamarco, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do Processo, Malheiros, São Paulo, 5ª ed., pág. 200.

² Nas denominadas situações de dúvida irredutível, o nosso ordenamento jurídico impõe ao juiz o recurso às regras de repartição do ônus da prova, não permitindo, como sucedia com os romanos, numa situação de non liquet.

³ Dinamarco, Cândido Rangel, ob. cit., p. 205.

⁴ Observe-se que nenhuma das fases pode ser imaginada de forma estanque, pois a passagem entre as de uma para outra não ocorreu de forma abrupta. Nos dois primeiros períodos, o procedimento é dividido em duas fases distintas: in iure e apud iudicem, sendo que na primeira fase eram submetidos os pressupostos do contencioso à análise do pretor e posteriormente o litígio era julgado pelo iudex, um particular a quem cabia a solução da controvérsia.

⁵ Sobre o perfil histórico do instituto. Gian Antônio Micheli, L’onore delia prova, obra citada, pág. 3-58. Giovanni Pugliese, Regole e Diretive sull’onore delia prova nel processo romano per formulas, Scriti giuridici in memória di Piero Calamandrei, Padova, Cedam, 1958. Vittorio Scialoja, Procedura Civile Romana, Roma: Anónima Romana Editoriale, 1936. Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, O ônus da prova no processo civil, São Paulo, RT, 2000.

⁶ Pugliese, Giovanni, obra citada, pág. 584. “La prima regola risale certo, come há notato il Kaser, alia procedura per legis actiones. Ma oserei dire che l’introduzione delle formule ne accrebbe in um primo tempo il valore, poichè la rese operante proprio nel campo delia rivendicazione, delia petitio hereditaris e de processi di satatus, in cui doveva piii a lungo sopravivere inalterata. Prima infatti la dúplice vindicatio caratteristica delia legis action sacramento, poteva farsi que entrambe le parti fossero chiamate a provare il loro assunto. Certo è, comunque, che in tali processi la regola risulatta seguita tutta l’epoca classica, come emerge, fra l’altro da Ulp. D. 6, 1, 9pr; Paul. D. 22,3, 8; Mod. Eod, 15; lul. Eod. 20; Ulp. D. 40, 12, 7, 5; Anton. C. 4, 19, 2, ed è confermato nel modo piii chiaro da Constantin. C Th. 11, 39,1”.

⁷ Pugliese, Giovanni, obra citada, pág. 585. Quando reclamado os serviços de um escravo, exigem-se provas do que se afirma patrão. Por isso Juliano escreveu que, embora o patrão pareça prejulgar a questão pela posse de sua condição de patrão, deve o patrão intervir como demandante, não o liberto, mas sim aquele que pretende ser patrão.

⁸ Pugliese, Giovanni, pág. 590, obra citada. Nas exceções o demandado deve se fazer de demandante e demonstrar a exceção como se fosse o autor, se faz valer a exceção de pacto, deve provar que fez um pacto. (…) Entende-se que também demanda aquele que se utiliza de uma exceção, pois o réu, na exceção, é como o autor.

⁹ Vitorio Scialoja, Procedura Civile Romana, pág. 178, ao falar sobre a sentença: “Innanzi tutto ricordiamo che non era per il giudice assolutamente obbligatoria l’emanazione delia sentenza, come é per il nostro diritto. II giudice romano, se dopo aver fatto tuto ciò che poteva per giungere ad una persuasine circa la realtà dei fatti e il diritto dell’autore e del convenuto, no vi perveniva, aveva un modo per levarsi d’impaccio, che era il giurare sib non liquere, giurare, cioè, che non era giunto a farsi una giura opinione delia causa (Gellio, XIV, 2,25). Com questo giuramento egli veniva assoluto dal sua obbligo di pronunciare sentenza, e a lui il pretore sostituiva un altro giudice.”

¹⁰ Segundo Micheli, pág. 21 “la valutazione delle prove assume un sempre piú vivo rilievo, onde sorgé pure la necesssità di dare ad essa una precisa disciplina legislativa, vincolando eventualmente il giudice a ritenere come provati fatti dubbi o ad ammettere solamente datti mezzi di prova. Si può allora parlare propriamente di prova legale, in quando la legge stabilisce l’efficacia di una prova, nel senso di fissare l’esistenza (o l’inesistenza) di un fatto controverso, indifferentemente dall’aprezzamento del giudice. Nel caso poi in cui quest’ultimo, libero o meno di formarsi il proprio convincimento, non ritiene raggiunta la prova, gli restano due vie da seguire: o imporre il giuramento d’ufficio, nei casi in cui esso sai ammissibile, oppurre deve pronunciare in sfavore delia parte, cui il diritto impone di addurre le prove delia própria affermazione. La nozione di necessitas probandi a invero legitima quando la legge pone a carico delia parte inattiva le conseguenze dannose delia mancata prova, mentre la controporte non è affatto tenuta ad addurre prove”.

¹¹ É de notar que nesta fase fica vedado ao magistrado a pronúncia non liquet. Havia, entretanto, o procedimento consultatio, segundo Vitorio Scialoja, obra citada, pág. 297, em que nos casos de dúvida a decisão da causa caberia ao imperador.

¹² Scialoja, Vitorio, Procedura Civile Romana, esclarece na pág. 297 que “Cosultatio — vi era un altro modo di chiudere il processo, diverso dalla sentenza. II giudice che si trovasse imbarazzato a proferire una sentenza, o a cui paresse di non esser competente, poteva mandare gli atti all’imperatore”.

¹³ Esta importante distinção entre as alegações que as partes têm a faculdade de fazer em juízo origina a repartição do ônus da prova e constitui a base em que, no direito moderno, se adoptou a classificação entre fatos constitutivos, modificativos e extintivos.

¹⁴ Michele, pág. 22, citando Donatuti, Lê presunciones, Rivista di Dirito Privado, pág. 1933,1, pág. 189, o qual releva como no direito romano haviam uma série de presunções relativas, que tinham por função inverter o ônus da prova, segundo os princípios gerais (v. D. 22, 3, 9). Quanvis qui escipit quod contendit provare debeat, tamen si pactum sit, in que heredis mentio non fiai, ex praesuntione generale est, nisi actor probet, id personale est.

¹⁵ C. 4. 19. 23: Actor, quod asseverai, probare se no posse profitendo, reum necessitate monstrandi contrarium non adstringit, quum per rerum naturam facturn negatis probatio nulla sit.

¹⁶ Os princípios foram legados ao direito canónico, apesar de as Decretais terem passado a admitir determinadas provas negativas, influindo sobre o ulterior desenvolvimento da doutrina laica e, assim, revelando a reciprocidade de influência exercida entre o direito romano-justinianeu e o canónico.

¹⁷ Micheli, L’onore…, obra citada, pág. 26. “La domanda del fattore è una accusa contro il convenuto, imputato di avere commesso un atto contrario alle consuetudini locali; l’accusatore gli elementi per persuaderlo delia própria innocenza.”

¹⁸ Observa Gerard Walter, Libre apreciación de la prueba, pág. 85 e seguintes que para entender o processo germônico, é essencial a idéia do papel que tocava a desempenhar o demandado, idéia que dominava àquele processo, não estruturado para convencer o juiz da verdade das afirmações. Caberia às partes três meios de provas, todos eles inteiramente irracionais: o juramento, o duelo e o juízo de deus. No juramento, o jurador se auto amaldiçoava, se as afirmações não correspondessem à verdade. Em muitas ocasiões, exigia-se que o juramento da parte fosse reforçado por pessoas que viriam a confirmar que o juramento era puro e não falso. O duelo, por sua vez, proporcionava à parte vencedora a vitória no litígio, não somente simbolicamente, mas também realmente. Nos juízos de deus, acreditava-se que quem quebrava a paz, transgredia ordem da comunicade e, por fim, ofendia a Deus mesmo; sua ação estaria nas mãos de deus e, por conseguinte, deveria triunfar os justos em provas nas quais restava somente ao juiz declarar o resultado do experimento.

¹⁹ Segundo Micheli, L’onore…, obra citada, pág. 26 e 28, como exemplo tem-se o caso de quem se afirmasse possuidor, no caso de ressarcimento de danos sofridos pela própria pessoa ou seu patrimônio ou ações hereditárias onde em discussão o grau de parentesco afirmado.

²⁰ Como observa Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil, pág. 30, não se poderia esperar outra coisa desse sistema senão sua degeneração a ponto de um simples erro na pronúncia do juramento, o não se ajoelhar perante o relicário, não colocar o corpo na posição prescrita, conduziam à perda da causa. Este fenômeno provocou pessimista mas indicativa observação se Seibel, um dos mais importantes autoridades do direito medieval: “parece como se tais formalidades tenham sido criados com o propósito de pôr o litigante em grave aflição, tão sutis e insidiosas eram os seus desígnios, tão dificultosa sua execução como se constata, nesse período o juiz encontra-se inteiramente manietado, reduzida sua atividade ao mínimo”.

²¹ Nesse ambiente, dizer que o Réu era onerado da prova não tinha absolutamente o significado que nós, na linguagem moderna, seríamos induzidos a atribuir à expressão. O processo, na realidade, era uma prova (testemunho), a qual eram sujeitos os contendores. Quando nos confrontos de um com o outro era formulada uma acusação, não se tratava mais de estabelecer a verdade dos fatos, mas a pureza do acusado. O sistema judiciário se apoiava sobre a confiante premissa de que, pelas ditas vias, poderia-se chegar à verdade absoluta. Esse sistema inevitavelmente terminou sem se dar o menor crédito. Giovanni Verde. Considerazione sulla regola di giudizio fondata sull’onere delia prova. Rivista di Diritto Processuale, 27(1972): 439-463. p. 446.

²² Micheli, L’onore…, pág. 29.

²² Segundo Micheli, L’onore…, pág. 49. “la tradizione che há portato al códice francese, non solo insiste sulla qualità materiale dei fatti, sibbene anche sulla posizione processuale di coloro che li adducono.” Mais especificamente no art. 1312 do Código Civil Francês de 1865, influenciado pelo art. 1315 do Código Napoleônico, celui que se prétend libere droit justifier lê payement ou lê fait qui a produit l’extinction de l’obligation. A influência reflete-se em nosso Código de Processo Civil que optou pela divisão da carga probatória considerando a posição da parte e a natureza jurídica do fato afirmado.

²³ Nas ordenações Afonsinas, 3.31, ao estabelecer Como o Julgador deve julguar, secundo achar alegado, e prova por as partes estabelece que Todo julguador, e Juiz boo deve ser avizado, que sempre julgue segundo que achar no feito aleguado, e provado por as partes, assy Author, como Reo, tendo sempre maneira em como sua Sentença seja sempre conforme á sustância (a), fundando-se nas provas dadas por as partees, como dito he; e naõ deve julguar segundo sua conciencia, salvo em quanto ella fosse formada por as alegaçoens, e provas feitas por as ditas partees. E portanto dizemos, eu se o Juiz achasse por o feito prova a Auçam do Author, sem outra prova feita por parte do Reo, porque a entenção do Autor fosse anichelada em todo, em tal caso deverã condenar o Reo.

²⁴ Assim, o Código prescreve no art. 209 que o fato alegado por uma das partes, quando a outra não contestar, será admitido como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas. Parág. 1°. Se o réu, na contestação negar o fato alegado pelo autor, a este incumbirá o ônus da prova Parág. 2°. Se o réu, reconhecendo q fato constitutivo, alegar sua extinção, ou a ocorrência de outro, que lhe obste os efeitos, a êle comprirá provar a alegação.