O que é Adjudicação Compulsória Extrajudicial: Guia Completo 2024
A adjudicação compulsória extrajudicial representa uma das mais significativas inovações legislativas no direito imobiliário brasileiro contemporâneo. A promulgação da Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, que incluiu o artigo 216-B na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), estabeleceu a possibilidade de transferência compulsória da propriedade imobiliária através de procedimento administrativo realizado diretamente nos cartórios de registro de imóveis.
Esta alteração legislativa integra o movimento de desjudicialização que tem caracterizado o ordenamento jurídico brasileiro nas últimas décadas, seguindo a mesma linha dos divórcios e inventários extrajudiciais regulamentados pela Lei 11.441/2007. O instituto visa proporcionar maior celeridade e eficiência na resolução de conflitos relacionados ao inadimplemento de obrigações de transferência de propriedade imobiliária.
O que é Adjudicação Compulsória?
A adjudicação compulsória constitui instituto jurídico previsto nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, que confere ao promissário comprador o direito de exigir a outorga da escritura definitiva quando o promissário vendedor se recusa a cumprir sua obrigação contratual. O artigo 1.418 do Código Civil estabelece que “o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.
Tradicionalmente, este direito somente poderia ser exercido através de ação judicial específica, conforme previsto nos artigos 501 e seguintes do Código de Processo Civil. A inovação trazida pela Lei 14.382/2022 permite que, em determinadas circunstâncias e observados requisitos específicos, o procedimento seja conduzido extrajudicialmente, conferindo maior agilidade e economia processual.
A distinção fundamental entre a adjudicação judicial e a adjudicação extrajudicial reside na ausência de necessidade de intervenção do Poder Judiciário, sendo o procedimento conduzido pelo oficial do registro de imóveis competente, que atua com fé pública e dentro dos limites de sua competência legal.
Adjudicação Compulsória Extrajudicial: Marco Legal
O fundamento legal da adjudicação compulsória extrajudicial encontra-se no artigo 216-B da Lei 6.015/1973, introduzido pela Lei 14.382/2022. O dispositivo estabelece que “sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel”.
A regulamentação procedimental foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça através do Provimento 150/2023, publicado em 15 de setembro de 2023, que alterou o Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial. Este provimento definiu os requisitos, procedimentos e limitações para a aplicação do instituto, conferindo uniformidade nacional ao procedimento.
O Provimento 150/2023 do CNJ estabelece que podem dar fundamento à adjudicação compulsória “quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável”.
Requisitos e Documentação Necessária
O procedimento de adjudicação extrajudicial exige o cumprimento de requisitos específicos estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 216-B da Lei 6.015/1973 e detalhados no Provimento 150/2023 do CNJ.
São legitimados para requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, todos representados por advogado constituído mediante procuração com poderes específicos, conforme exigência do inciso VI do parágrafo 1º do artigo 216-B.
O requerimento inicial deve observar os requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil, contendo a identificação completa das partes, a descrição precisa do imóvel com indicação do número da matrícula ou transcrição, o histórico dos atos e negócios jurídicos que fundamentam o pedido, e os pedidos específicos de notificação do requerido e deferimento da adjudicação.
A documentação obrigatória compreende o instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão, a prova do inadimplemento caracterizado pela não celebração do título de transmissão no prazo de quinze dias contados da notificação extrajudicial, certidões dos distribuidores forenses demonstrando a inexistência de litígio envolvendo o contrato, e comprovante de pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis.
Procedimento Passo a Passo
O procedimento de adjudicacao compulsoria extrajudicial inicia-se com o protocolo do requerimento no cartório de registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel, acompanhado da documentação exigida por lei.
Recebido o requerimento, o oficial procede à análise preliminar da documentação. Caso identifique irregularidades ou ausência de documentos, deve notificar o requerente para emenda no prazo de dez dias úteis, sob pena de cancelamento da prenotação, conforme estabelece o princípio da qualificação registral.
Estando a documentação em ordem, o oficial expede notificação ao requerido para que se manifeste no prazo de quinze dias úteis. A notificação pode ser realizada pessoalmente, via postal com aviso de recebimento, ou através do oficial de registro de títulos e documentos, conforme previsto no inciso II do parágrafo 1º do artigo 216-B.
Nas hipóteses em que o requerido encontra-se em local incerto e não sabido, admite-se a notificação por edital, publicado por duas vezes com intervalo de quinze dias úteis em jornal de circulação local, desde que comprovados os esforços de localização.
Transcorrido o prazo de manifestação, o oficial analisa eventual resposta e profere decisão fundamentada, deferindo ou indeferindo o pedido de adjudicação. Em caso de deferimento, procede-se ao registro da transferência da propriedade em nome do requerente.
Carta de Adjudicação e Ata Notarial
A carta de adjudicação constitui documento essencial ao procedimento, sendo elaborada através de ata notarial lavrada por tabelião de notas. O artigo 440-G do Provimento 150/2023 do CNJ estabelece os requisitos específicos desta ata, que deve conter a identificação completa dos requerentes, a descrição do imóvel com indicação da matrícula, o valor venal atribuído ao bem, e as provas do adimplemento integral das obrigações.
A ata notarial deve necessariamente demonstrar as duas condições fundamentais da adjudicação compulsória previstas nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil: a prova da quitação integral do preço e a prova do inadimplemento de quem deve outorgar a escritura pública definitiva.
O tabelião responsável pela lavratura da ata pode ser de livre escolha do requerente, salvo quando envolver diligências no local do imóvel, hipótese em que deve observar os limites territoriais estabelecidos nos artigos 8º e 9º da Lei 8.935/1994. O Provimento 150/2023 admite expressamente que o tabelião dê fé das assinaturas constantes nos instrumentos particulares com base nos cadastros nacionais dos notários.
Casos Práticos de Aplicação
A adjudicação compulsória extrajudicial encontra aplicação em diversas situações fáticas que impedem a regular transferência da propriedade imobiliária.
A recusa expressa do vendedor em outorgar a escritura definitiva, mesmo após o cumprimento integral das obrigações pelo comprador, constitui a hipótese clássica de aplicação do instituto. Nestes casos, caracteriza-se o inadimplemento contratual que autoriza a substituição da vontade do devedor.
Situações envolvendo a morte do promitente vendedor também ensejam a aplicação do procedimento, especialmente quando os herdeiros encontram-se em local incerto ou quando há dificuldades na localização dos sucessores. A extinção de pessoas jurídicas que figuraram como promitentes vendedoras igualmente justifica o recurso ao procedimento extrajudicial.
A incapacidade civil superveniente do vendedor, devidamente comprovada, constitui outra hipótese de aplicação, desde que demonstrada a impossibilidade prática de obtenção da escritura definitiva através dos meios ordinários.
Limitações e Quando Não é Possível
O procedimento de adjudicação extrajudicial possui limitações expressas que devem ser rigorosamente observadas para sua validade e eficácia.
A existência de litígio judicial envolvendo o contrato de promessa de compra e venda ou o próprio imóvel impede a utilização do procedimento extrajudicial, conforme exigência do inciso IV do parágrafo 1º do artigo 216-B. Esta limitação decorre do princípio de que os procedimentos extrajudiciais pressupõem consenso ou ausência de controvérsia.
Contratos que preveem direito de arrependimento exercitável por qualquer das partes não admitem adjudicação compulsória, uma vez que a possibilidade de retratação é incompatível com a natureza compulsória do instituto. O Provimento 150/2023 é expresso ao estabelecer que os negócios jurídicos devem ser “contanto que não haja direito de arrependimento exercitável”.
A oposição fundamentada do requerido também constitui óbice ao prosseguimento do procedimento extrajudicial, devendo a questão ser remetida à apreciação do Poder Judiciário. Esta limitação preserva o princípio do contraditório e da ampla defesa, assegurando que controvérsias sejam dirimidas pela autoridade competente.
Vantagens da Adjudicação Extrajudicial
A adjudicação compulsória extrajudicial apresenta vantagens significativas em relação ao procedimento judicial tradicional, especialmente no que se refere à celeridade processual.
O procedimento extrajudicial pode ser concluído em prazo substancialmente inferior ao de uma ação judicial, que frequentemente demanda anos para decisão definitiva. A ausência de formalidades processuais típicas do procedimento judicial, como citações, prazos para defesa, instrução probatória e recursos, contribui para esta maior agilidade.
Os custos envolvidos no procedimento extrajudicial são consideravelmente menores que os de uma ação judicial, incluindo emolumentos cartorários, honorários advocatícios reduzidos e ausência de custas processuais. Esta economia representa benefício direto para os interessados na regularização da propriedade.
A segurança jurídica proporcionada pela atuação do registrador imobiliário, investido de fé pública e submetido aos princípios registrais da legalidade, continuidade e especialidade, confere ao procedimento extrajudicial o mesmo grau de confiabilidade do procedimento judicial.
Custos e Emolumentos
Os custos da adjudicacao compulsoria extrajudicial são regulamentados pelas leis estaduais de emolumentos e compreendem diversas rubricas específicas.
Os emolumentos do registro de imóveis incluem taxa de prenotação, emolumentos de registro propriamente ditos, certidões necessárias ao procedimento e taxa judiciária estadual quando aplicável. A base de cálculo considera o maior valor entre o preço declarado pelas partes, o valor venal municipal, a avaliação do Imposto Territorial Rural ou a base de cálculo utilizada para recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis.
Os custos notariais abrangem a lavratura da ata notarial obrigatória e eventual reconhecimento de firmas quando necessário. Estes valores são estabelecidos pelas tabelas de emolumentos de cada estado e variam conforme o valor do imóvel.
Outros custos incluem o recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, calculado sobre o valor venal ou declarado do imóvel, honorários advocatícios para representação obrigatória, e despesas com notificações e publicações quando necessárias.
A legislação estadual pode prever correção monetária dos valores utilizados como base de cálculo quando decorrido prazo superior a um ano entre a data do título e a data do protocolo, aplicando-se índices oficiais como o IGP-DI conforme estabelecido nas normas locais.

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