Licença-prêmio não usufruída: análise da conversão em pecúnia
LICENÇA-PRÊMIO NÃO USUFRUÍDA: ANÁLISE DA CONVERSÃO EM PECÚNIA NA JURISPRUDÊNCIA RECENTE
I. Licença-Prêmio: Conceito e Problemática
A licença-prêmio constitui direito funcional do servidor público que exerceu suas atividades por cinco anos ininterruptos sem sofrer penalidades administrativas. Este instituto, previsto em diversos estatutos funcionais estaduais e municipais, representa período de afastamento remunerado de três meses, concedido como forma de reconhecimento pela assiduidade e dedicação ao serviço público.
Na prática administrativa, contudo, a fruição da licença-prêmio frequentemente é postergada por necessidade de serviço ou conveniência da Administração. Servidores acumulam períodos de licença-prêmio adquiridos mas não usufruídos, chegando à aposentadoria ou exoneração sem ter gozado deste direito.
A questão central que se apresenta é: pode o servidor aposentado pleitear a conversão em pecúnia dos períodos de licença-prêmio não fruídos durante a atividade? A análise de decisões recentes dos tribunais pátrios revela importante evolução jurisprudencial sobre o tratamento da licença-prêmio não usufruída, com reconhecimento crescente do direito à indenização correspondente, fundamentado na vedação ao enriquecimento sem causa da Administração Pública.
II. Fundamentos para Conversão da Licença-Prêmio em Pecúnia
O principal fundamento jurídico para a conversão da licença-prêmio não usufruída reside na vedação ao enriquecimento sem causa, princípio consagrado no artigo 884 do Código Civil e aplicável à Administração Pública. Quando o servidor trabalha durante períodos que poderiam ser destinados ao gozo da licença-prêmio, o Estado se beneficia da força de trabalho sem a correspondente compensação, caracterizando locupletamento ilícito.
A licença-prêmio, uma vez implementados os requisitos legais para sua concessão, incorpora-se ao patrimônio jurídico do servidor como direito adquirido. Trata-se de vantagem já consolidada, cuja fruição pode ser diferida por conveniência administrativa, mas não suprimida. Com a aposentadoria, torna-se materialmente impossível o gozo da licença-prêmio, surgindo para o servidor o direito à compensação pecuniária correspondente.
Importante destacar que a conversão da licença-prêmio em pecúnia não configura aumento de vencimentos vedado constitucionalmente, mas sim indenização por direito não exercido. A natureza indenizatória decorre da impossibilidade superveniente de fruição de um direito legitimamente adquirido durante a vida funcional. O Estado, ao impedir o gozo da licença-prêmio durante a atividade e torná-lo impossível com a aposentadoria, deve indenizar o servidor pelo período trabalhado que deveria ter sido destinado ao descanso remunerado.
III. Análise de Precedentes sobre Licença-Prêmio
A jurisprudência recente tem examinado diversos aspectos relacionados à conversão da licença-prêmio não usufruída. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Recurso Inominado nº 71009319542, envolvendo o Município de Santa Maria, estabeleceu importante precedente ao reconhecer que “é incontroverso o direito do servidor, quando de seu desligamento do serviço público, à conversão do tempo de licença-prêmio não fruída em pecúnia, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública.”
Nesse julgamento, a Primeira Turma Recursal da Fazenda Pública destacou aspecto processual relevante: a desnecessidade de requerimento administrativo prévio para a conversão da licença-prêmio quando o servidor já se encontra aposentado. O tribunal entendeu que o direito prescinde de postulação administrativa, visto que a ingerência sobre os períodos de licença-prêmio não usufruídos não prejudica o direito do servidor, sendo irrelevante a ausência de solicitação formal durante a atividade.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar a Apelação Cível nº 5002705-09.2016.4.04.7102, envolvendo servidor da Universidade Federal de Santa Maria, consolidou entendimento sobre a natureza jurídica da verba. A decisão estabeleceu que a licença-prêmio convertida em pecúnia possui caráter indenizatório, determinando a não incidência de imposto de renda e contribuição previdenciária sobre os valores pagos.
Quanto ao prazo prescricional para pleitear a conversão da licença-prêmio, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no REsp 1.254.456/PE (Tema 516) de que “a contagem da prescrição quinquenal relativa à conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada tem como termo a quo a data em que ocorreu a aposentadoria do servidor público”, pacificando questão antes controvertida nos tribunais.
IV. Aspectos Processuais da Licença-Prêmio Indenizada
O reconhecimento judicial do direito à conversão da licença-prêmio em pecúnia observa parâmetros processuais específicos. O prazo prescricional de cinco anos, conforme estabelecido pelo Decreto nº 20.910/32, inicia-se na data da aposentadoria do servidor, momento em que surge a pretensão indenizatória pela impossibilidade definitiva de fruição do benefício.
A base de cálculo para a indenização da licença-prêmio corresponde à última remuneração percebida pelo servidor em atividade, incluídas todas as verbas de natureza permanente. Excluem-se apenas gratificações eventuais ou transitórias que não integrariam a remuneração durante o período de gozo regular da licença-prêmio. Este critério garante que o servidor receba valor equivalente ao que perceberia caso tivesse usufruído o benefício antes da aposentadoria.
A correção monetária da licença-prêmio convertida deve observar o índice IPCA-E, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal no RE 870.947, que declarou a inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/97 quanto à atualização monetária. Os juros moratórios aplicam-se segundo o índice da caderneta de poupança, contados a partir da citação, mantendo-se válida esta parte do dispositivo legal para relações não tributárias.
A comprovação do direito à licença-prêmio não fruída exige demonstração dos períodos aquisitivos completados, mediante certidão funcional ou documentação equivalente, cabendo ao ente público o ônus de provar eventual fruição ou conversão anterior do benefício.
V. Tratamento Fiscal da Licença-Prêmio Convertida
A natureza jurídica da licença-prêmio convertida em pecúnia tem reflexos diretos em seu tratamento tributário. Os tribunais superiores consolidaram entendimento de que a verba possui caráter indenizatório, afastando a incidência de tributos que onerariam pagamentos de natureza remuneratória.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem reiteradamente decidido pela não incidência de imposto de renda sobre os valores pagos a título de licença-prêmio não usufruída. O fundamento reside no fato de que a conversão não representa acréscimo patrimonial, mas compensação por direito não exercido, enquadrando-se na hipótese de isenção prevista para indenizações.
Igualmente, afasta-se a incidência de contribuição previdenciária sobre a licença-prêmio indenizada. A verba não se destina à aposentadoria futura nem representa contraprestação por serviços prestados, mas ressarcimento pela impossibilidade de fruição de período de descanso remunerado já incorporado ao patrimônio jurídico do servidor. Esta orientação preserva o caráter indenizatório integral da licença-prêmio convertida, evitando redução indevida do valor devido ao servidor.
VI. Considerações Finais
A análise da jurisprudência recente sobre licença-prêmio não usufruída revela tendência dos tribunais em reconhecer o direito à conversão em pecúnia quando o servidor se aposenta sem ter gozado o benefício. Os fundamentos jurídicos apoiam-se em princípios consolidados do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente a vedação ao enriquecimento sem causa e a proteção ao direito adquirido.
A evolução jurisprudencial sobre a licença-prêmio demonstra maior sensibilidade do Poder Judiciário às situações em que servidores dedicaram décadas ao serviço público sem usufruir períodos de descanso legalmente assegurados. O reconhecimento da natureza indenizatória da licença-prêmio convertida, com as consequentes isenções tributárias, representa avanço importante na proteção dos direitos funcionais.
Para os servidores que se encontram nesta situação, é fundamental documentar adequadamente os períodos de licença-prêmio adquiridos e não fruídos, observando o prazo prescricional quinquenal contado da aposentadoria. A jurisprudência analisada, embora represente avanço significativo, ainda está em construção, sendo recomendável o acompanhamento da evolução do tema nos tribunais superiores para consolidação definitiva do entendimento sobre todos os aspectos da licença-prêmio indenizada.
