Lei de Igualdade Salarial: Análise Jurídica e Desafios de Implementação

03 de outubro de 2025

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Introdução à Lei de Igualdade Salarial: Transparência e Equidade no Trabalho

Lei de Igualdade Salarial: Análise Jurídica e Desafios de Implementação

A Lei 14.611/23, regulamentada pelo Decreto 11.795/23 e pela Portaria MTE 3.714/23, estabeleceu um novo marco regulatório para a transparência salarial e a equidade remuneratória entre gêneros no Brasil. A norma impõe obrigações específicas às empresas com 100 ou mais empregados e cria mecanismos concretos de fiscalização, representando uma mudança significativa no cenário trabalhista nacional.

O Novo Marco Regulatório

A legislação determina que empresas com 100 ou mais empregados publiquem semestralmente, nos meses de março e setembro, Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. Estes documentos, elaborados pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base em dados do eSocial e informações complementares fornecidas via Portal Emprega Brasil, devem permitir a comparação objetiva entre salários e a proporção de ocupação de cargos por gênero.

A estrutura do relatório contempla duas seções distintas: dados extraídos do eSocial, incluindo número de empregados por sexo, raça e etnia, com respectivos valores salariais; e informações do Portal Emprega Brasil sobre existência de plano de cargos e salários, critérios de progressão, incentivos à contratação de mulheres e critérios para promoção a cargos de liderança.

Cenário de Insegurança Jurídica

O ambiente de aplicação da lei encontra-se marcado por contestações judiciais significativas. A Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio e Serviços ajuizaram a ADI 7.612 no STF, questionando a constitucionalidade da norma sob argumentos de violação à livre iniciativa, livre concorrência e proteção à privacidade empresarial.

As entidades sustentam que diferenças salariais podem ser legitimamente justificadas com base no artigo 461 da CLT, que prevê exceções à equiparação salarial quando há diferença de tempo de serviço superior a quatro anos, diferença de tempo na função superior a dois anos ou existência de quadro de carreira organizado. Argumentam ainda que a divulgação dos dados pode criar uma “falsa aparência de irregularidade”, mesmo quando as disparidades são juridicamente justificáveis.

Paralelamente, diversas empresas têm buscado o Judiciário individualmente, obtendo decisões divergentes sobre a obrigatoriedade de cumprimento da lei, especialmente aquelas que se amparam na decisão liminar da FIEMG, cujo efeito erga omnes permanece controverso.

Obrigações e Consequências do Descumprimento

Verificada a desigualdade salarial pelo MTE, as empresas são notificadas para elaborar, em 90 dias, Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial. Este plano deve estabelecer medidas com escala de prioridade, metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados, além de programas de capacitação sobre equidade de gênero, promoção de diversidade e formação de mulheres para ascensão no mercado de trabalho.

O descumprimento das obrigações acarreta multa administrativa de até 3% da folha de salários, limitada a 100 salários mínimos. Adicionalmente, em casos de discriminação comprovada, aplica-se multa correspondente a dez vezes o novo salário devido ao empregado discriminado, dobrada em caso de reincidência, sem prejuízo de indenização por danos morais.

Aspectos de Conformidade e Proteção de Dados

A regulamentação estabelece que a publicação dos relatórios deve observar a Lei Geral de Proteção de Dados, mediante anonimização das informações pessoais. Este requisito apresenta desafios práticos, especialmente em empresas menores ou com cargos únicos, onde a identificação indireta dos empregados pode ser inevitável.

A interface entre transparência salarial e proteção de dados pessoais demanda cuidadosa análise jurídica, considerando tanto as obrigações de divulgação quanto os riscos de violação à privacidade dos trabalhadores. As empresas devem documentar adequadamente as medidas de anonimização adotadas e os critérios objetivos que justificam eventuais diferenças salariais.

Estratégias de Adequação e Defesa

Diante deste cenário complexo, as empresas devem avaliar sua situação específica considerando múltiplas variáveis. Para aquelas que optarem pelo cumprimento integral da lei, é fundamental realizar diagnóstico prévio da estrutura remuneratória, identificando e documentando as justificativas para diferenças salariais com base nos critérios legais estabelecidos no artigo 461 da CLT.

Empresas que identifiquem disparidades não justificáveis devem considerar a elaboração proativa de planos de adequação, antecipando-se à fiscalização e demonstrando boa-fé no cumprimento da legislação. A documentação robusta de políticas de recursos humanos, critérios de progressão e avaliação de desempenho torna-se essencial para eventual defesa administrativa ou judicial.

Para organizações que questionam a aplicabilidade ou constitucionalidade da norma, existem instrumentos processuais disponíveis, incluindo mandados de segurança preventivos em caso de risco iminente de autuação e ações anulatórias de autos de infração já lavrados. A análise caso a caso, considerando o porte da empresa, setor de atuação e histórico de fiscalizações, é fundamental para definir a estratégia mais adequada.


Maurício Lindenmeyer Barbieri
Sócio-gerente da Barbieri Advogados
Mestre em Direito pela UFRGS
Inscrito na RAK Stuttgart, OA Lisboa e OAB/RS, DF, SC, PR, SP