ISS: Fundamentos Jurídicos e Constitucionalidade

13 de outubro de 2025

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ISS: Fundamentos Jurídicos e Constitucionalidade

Por Equipe de Direito Tributário da Barbieri Advogados

Introdução

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), popularmente conhecido como ISS, representa uma das mais complexas manifestações da competência tributária municipal no sistema constitucional brasileiro. Regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003, este tributo situa-se no epicentro de debates doutrinários fundamentais que permeiam questões de federalismo fiscal, autonomia municipal e segurança jurídica.

A crescente sofisticação das relações econômicas e a evolução tecnológica dos serviços prestados no país amplificaram significativamente a relevância jurídica do ISS, tornando imprescindível uma análise técnica que transcenda as abordagens meramente operacionais. As controvérsias constitucionais que envolvem este tributo não se limitam a aspectos interpretativos pontuais, mas alcançam questões estruturais do próprio sistema tributário nacional.

Este artigo examina os fundamentos constitucionais do ISS sob uma perspectiva crítica, abordando desde a arquitetura normativa básica até as questões mais controvertidas que emergem na jurisprudência dos tribunais superiores. Particular atenção será dedicada às tensões federativas inerentes ao tributo, às polêmicas doutrinárias sobre a natureza da lista de serviços e aos desafios constitucionais que se apresentam no horizonte da reforma tributária.

A complexidade técnica deste imposto municipal exige assessoria jurídica especializada, especialmente diante da multiplicidade de regimes normativos que coexistem nas diferentes municipalidades brasileiras e das constantes mudanças legislativas que afetam sua aplicação.


I. Arquitetura Constitucional do ISS

1.1 Competência Tributária Municipal

A competência para instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza encontra-se inscrita no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece competir aos Municípios instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Esta disposição constitucional revela, desde logo, a complexidade estrutural do tributo, ao condicionar seu exercício à definição prévia em lei complementar.

A inserção do ISS no rol de competências municipais reflete uma opção constitucional pela descentralização fiscal, reconhecendo aos entes locais a capacidade de tributar a prestação de serviços em seus territórios. Contudo, esta competência não se apresenta de forma absoluta, submetendo-se aos princípios limitadores do poder de tributar insculpidos na Constituição Federal, notadamente aqueles previstos no artigo 150 e seus incisos.

Os princípios da legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade e proporcionalidade constituem balizas fundamentais que condicionam o exercício da competência tributária municipal. Ademais, o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, impõe que o ISS seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, sempre que possível, aspecto que suscita debates doutrinários relevantes sobre a natureza real ou pessoal do tributo.

A tensão federativa manifesta-se de forma particularmente aguda no ISS, uma vez que a prestação de serviços frequentemente transcende os limites territoriais municipais. Esta realidade econômica contrasta com a rigidez da partilha constitucional de competências, gerando conflitos que demandam soluções jurídicas sofisticadas. A Constituição Federal busca harmonizar esta tensão mediante a atribuição à lei complementar do papel de definir os serviços tributáveis, estabelecendo, assim, um instrumento de uniformização nacional.

1.2 O Desenho Constitucional Original

O constituinte originário de 1988, ao desenhar o sistema tributário nacional, inseriu o ISS no contexto mais amplo de fortalecimento dos entes subnacionais, especialmente dos Municípios. Esta opção decorreu da constatação de que os entes locais necessitavam de fontes próprias de receita para fazer face às competências materiais que lhes foram atribuídas, particularmente nas áreas de educação, saúde e serviços urbanos.

A redação original do dispositivo constitucional já contemplava a necessidade de definição dos serviços tributáveis em lei complementar, revelando a percepção do legislador constituinte quanto à complexidade da matéria. Esta previsão constitucional visa prevenir conflitos de competência entre os diversos entes federativos, estabelecendo critérios uniformes para a identificação dos fatos geradores passíveis de tributação pelos Municípios.

A Emenda Constitucional nº 37, de 2002, introduziu modificações relevantes ao regime constitucional do ISS, particularmente no que se refere às alíquotas mínimas e máximas, bem como à disciplina das isenções, incentivos e benefícios fiscais. Estas alterações refletem a preocupação com a denominada “guerra fiscal” entre Municípios, fenômeno que compromete a harmonia federativa e distorce a livre concorrência.

Os limites constitucionais expressos e implícitos que incidem sobre o ISS não se esgotam nas regras específicas do artigo 156, estendendo-se ao conjunto normativo da Constituição Tributária. Os princípios gerais da tributação, as imunidades constitucionais, as limitações ao poder de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte compõem um sistema integrado que condiciona o exercício da competência tributária municipal.

A evolução constitucional do ISS demonstra a permanente tensão entre a necessidade de autonomia municipal e a imperatividade de coordenação federativa. Esta tensão manifesta-se não apenas no plano normativo, mas também na aplicação prática do tributo, gerando controvérsias que frequentemente demandam intervenção dos tribunais superiores para sua resolução.


II. A Questão Central: Definição de Serviços

2.1 A Polêmica Doutrinária Secular

A expressão constitucional “serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar” encerra uma das mais persistentes controvérsias do Direito Tributário brasileiro. A discussão sobre o sentido e alcance dessa definição divide a doutrina há décadas, cristalizando-se em duas orientações fundamentais que produzem consequências jurídicas diametralmente opostas.

A corrente majoritária na doutrina sustenta a taxatividade da lista de serviços veiculada pela lei complementar, encontrando fundamento no argumento de que a Constituição Federal, ao prever que os serviços devem ser “definidos em lei complementar”, estabelece uma limitação expressa ao exercício da competência tributária municipal. Esta orientação encontra respaldo no artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, que atribui à lei complementar a função precípua de “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária”.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do RE 77.183-SP, relatado pelo Ministro Aliomar Baleeiro, acolheu expressamente esta orientação, consolidando o entendimento de que a lista de serviços constitui rol taxativo, não podendo os Municípios estender a tributação a serviços não expressamente contemplados. Este posicionamento jurisprudencial encontra reforço na própria dicção do artigo 1º da Lei Complementar nº 116/2003, que expressamente proclama ter o ISS “como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa”.

A corrente minoritária, por sua vez, considera a lista de serviços meramente exemplificativa, fundamentando sua posição nos princípios federativo e da autonomia municipal. Segundo esta orientação, a Constituição Federal teria outorgado aos Municípios competência ampla para tributar a prestação de serviços, cabendo à lei complementar apenas papel indicativo e elucidativo, sem restringir o âmbito de incidência do tributo municipal.

Os defensores desta corrente argumentam que a interpretação restritiva da lista de serviços compromete a autonomia política dos Municípios, reduzindo artificialmente sua capacidade arrecadatória e contrariando o espírito descentralizador da Constituição de 1988. Sustentam, ainda, que a exceção expressa dos “serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação” – de competência estadual – evidenciaria que todos os demais serviços estariam, em princípio, sujeitos à tributação municipal.

2.2 Análise da Lista da LC 116/2003

O exame técnico da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 revela inconsistências conceituais que comprometem a coerência do sistema tributário e suscitam questionamentos sobre a constitucionalidade de alguns de seus dispositivos. A inclusão de atividades que, evidentemente, não se enquadram no conceito jurídico de prestação de serviços representa vício normativo de relevante monta.

A cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda, contemplada no item 3.02 da lista, constitui exemplo paradigmático desta distorção conceitual. Trata-se, inequivocamente, de cessão de direito, não de prestação de serviço, revelando impropriedade técnica que compromete a segurança jurídica. A natureza jurídica desta operação aproxima-se mais da locação de bem incorpóreo do que da prestação de serviço propriamente dita.

Semelhante crítica aplica-se ao item 3.04, que contempla a “locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza”. A denominação “locação” empregada pelo próprio legislador complementar evidencia a natureza não-serviçal da atividade, tratando-se de típica cessão de uso de bem, móvel ou imóvel.

A cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, prevista no item 3.05, representa outro exemplo de imprecisão conceitual. A cessão temporária de bens não constitui prestação de serviço, mas locação por prazo determinado, submetendo-se a regime jurídico diverso daquele aplicável aos serviços propriamente ditos.

Estas inconsistências técnicas da Lei Complementar nº 116/2003 geram insegurança jurídica e comprometem a aplicação uniforme do tributo, criando zonas de incerteza que demandam constante intervenção do Poder Judiciário. A inclusão de “não-serviços” na lista tributável revela-se inconstitucional, por desbordar dos limites da competência tributária municipal fixados pelo artigo 156, inciso III, da Constituição Federal.

2.3 Consequências Práticas da Divergência

A divergência doutrinária sobre a natureza da lista de serviços produz consequências práticas de enorme relevância para a administração tributária e para os contribuintes. A indefinição quanto aos limites precisos da competência tributária municipal gera conflitos interpretativos que comprometem a segurança jurídica e ampliam desnecessariamente o contencioso tributário.

Do ponto de vista da segurança jurídica, a polêmica sobre a taxatividade ou exemplificatividade da lista cria ambiente de incerteza permanente, impedindo que contribuintes e administrações tributárias municipais tenham parâmetros seguros para orientar suas condutas. Esta indefinição é particularmente prejudicial em contextos econômicos dinâmicos, onde surgem constantemente novas modalidades de prestação de serviços.

Os conflitos de competência entre diferentes esferas federativas multiplicam-se em razão desta divergência conceitual. Atividades econômicas de difícil classificação podem ser simultaneamente consideradas tributáveis pelo ISS municipal e pelo ICMS estadual, gerando bitributação indevida e comprometendo o princípio constitucional da livre concorrência.

A administração tributária municipal enfrenta dilemas constantes na aplicação do tributo, oscilando entre interpretações restritivas que limitam a arrecadação e interpretações extensivas que podem ser posteriormente invalidadas pelo Poder Judiciário. Esta instabilidade compromete o planejamento fiscal dos entes locais e dificulta a gestão eficiente dos recursos públicos.

Para os contribuintes, a indefinição conceitual representa ônus adicional significativo, exigindo assessoria jurídica especializada para a adequada interpretação das obrigações tributárias. A necessidade de antecipar possíveis questionamentos administrativos ou judiciais sobre a natureza serviçal de determinadas atividades aumenta substancialmente os custos de conformidade tributária.


III. Papel Constitucional da Lei Complementar

3.1 Fundamento no Art. 146, I, CF

A Lei Complementar nº 116/2003 extrai sua legitimidade constitucional diretamente do artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, que atribui a esta espécie normativa a competência para “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Esta atribuição constitucional revela-se de fundamental importância no contexto do ISS, dada a natural propensão deste tributo a gerar conflitos federativos.

O desenho constitucional do sistema tributário brasileiro reconhece que a partilha rígida de competências, embora necessária para preservar a autonomia dos entes federativos, pode gerar zonas de sobreposição ou indefinição que comprometeriam a segurança jurídica e a eficiência arrecadatória. A lei complementar surge, neste contexto, como instrumento de harmonização, estabelecendo critérios uniformes que permitam a delimitação precisa dos campos de incidência de cada tributo.

No caso específico do ISS, a função uniformizadora da lei complementar manifesta-se com particular intensidade, uma vez que a prestação de serviços constitui atividade econômica de crescente complexidade, frequentemente transcendendo os limites territoriais municipais e envolvendo aspectos que poderiam, em tese, atrair a incidência de tributos de competência estadual ou federal.

A atribuição à lei complementar do papel de resolver conflitos de competência não implica, contudo, a possibilidade de esta espécie normativa ampliar ou restringir as competências tributárias constitucionalmente definidas. Seu papel limita-se à explicitação e delimitação das competências previamente estabelecidas pela Constituição Federal, não podendo inovar no sistema de partilha constitucional.

A uniformização normativa promovida pela lei complementar visa, ainda, imprimir ao regime do ISS uma certa homogeneidade que transcenda as peculiaridades da legislação municipal. Esta homogeneidade revela-se essencial para preservar a unidade do mercado nacional e evitar distorções concorrenciais que poderiam decorrer de regimes tributários excessivamente díspares entre os diversos Municípios.

3.2 Atribuições Específicas

A Constituição Federal delineia com precisão as atribuições da lei complementar no regime do ISS, estabelecendo quatro funções específicas que esta espécie normativa deve exercer: a definição dos serviços tributáveis, a fixação de alíquotas máximas e mínimas, a exclusão da incidência nas exportações de serviços e a regulação da forma e condições para concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais.

A definição dos serviços tributáveis representa, conforme já examinado, a mais complexa e controvertida das atribuições da lei complementar. Esta função visa delimitar com precisão o âmbito material de incidência do ISS, evitando conflitos de competência com outros tributos e assegurando uniformidade na aplicação do imposto em todo o território nacional.

A fixação de alíquotas máximas e mínimas constitui mecanismo preventivo contra a denominada “guerra fiscal” entre Municípios. Ao estabelecer limites para a variação das alíquotas, a lei complementar busca preservar um ambiente concorrencial equilibrado, impedindo que alguns entes locais utilizem alíquotas artificialmente baixas para atrair contribuintes em detrimento de outros Municípios.

Atualmente, a Lei Complementar nº 116/2003 fixa a alíquota máxima em 5%, não contemplando, contudo, alíquota mínima expressa. Esta omissão representa descumprimento ao disposto no artigo 156, § 3º, inciso I, da Constituição Federal, sendo suprida transitoriamente pelo artigo 88, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que estabelece alíquota mínima de 2%.

A exclusão da incidência do ISS nas exportações de serviços para o exterior representa política fiscal de incentivo às exportações, alinhada com o objetivo constitucional de promover o equilíbrio do balanço de pagamentos. Esta exclusão, tecnicamente configurada como isenção, visa evitar que a tributação doméstica comprometa a competitividade dos serviços brasileiros no mercado internacional.

3.3 Isenção Heterônoma nas Exportações

A exclusão da incidência do ISS nas exportações de serviços constitui exemplo singular de isenção heterônoma expressamente autorizada pela Constituição Federal. Esta modalidade isentiva contrasta com a regra geral do artigo 151, inciso III, da Constituição, que veda à União instituir isenções de tributos da competência de Estados, Distrito Federal ou Municípios.

A autorização constitucional para esta isenção heterônoma decorre de considerações de política fiscal nacional, reconhecendo-se que o fomento às exportações transcende os interesses locais e insere-se na estratégia macroeconômica do país. A competência da União para conceder esta isenção, mediante lei complementar, justifica-se pela necessidade de uniformização da política exportadora em todo o território nacional.

Sob o aspecto técnico, revela-se importante distinguir o tratamento constitucional conferido às exportações de serviços daquele aplicado às exportações de produtos industrializados e mercadorias. No caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Constituição Federal outorga imunidade às operações de exportação, não mera possibilidade de isenção.

A imunidade constitui limitação absoluta ao poder de tributar, impedindo que o ente competente institua ou exija o tributo nas situações contempladas. A isenção, diversamente, pressupõe a incidência normal do tributo, sendo posteriormente excluída por disposição legal específica. Esta diferenciação técnica possui consequências jurídicas relevantes, especialmente no que se refere à possibilidade de revogação do benefício.

A opção constitucional pela isenção, e não pela imunidade, nas exportações de serviços sugere maior flexibilidade na política fiscal aplicável a esta modalidade de operação. Enquanto a imunidade não pode ser afastada por legislação infraconstitucional, a isenção das exportações de serviços poderia, em tese, ser revogada por nova lei complementar, embora tal medida contrariasse a política econômica nacional de incentivo às exportações.

A implementação prática desta isenção heterônoma demanda cuidadosa regulamentação para definir quais serviços efetivamente configuram “exportação” para fins fiscais. A Lei Complementar nº 116/2003, em seu artigo 2º, inciso I, contempla esta isenção, exigindo que os serviços sejam “desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, mas sejam consumidos no exterior”, estabelecendo critério objetivo para sua aplicação.


IV. Questões Constitucionais Controvertidas

4.1 Tributação de Serviços Públicos Concedidos

A questão da possibilidade de incidência do ISS sobre a prestação de serviços públicos mediante concessão ou permissão representa uma das mais complexas controvérsias constitucionais em matéria tributária. Esta polêmica emergiu com particular intensidade após a edição da Lei Complementar nº 116/2003, que, em seu artigo 1º, § 3º, estabeleceu que “o imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”.

Esta disposição normativa criou o que parte da doutrina denominou “Imposto sobre Serviços Públicos”, suscitando intenso debate sobre sua constitucionalidade. A controvérsia assume dimensões constitucionais fundamentais, envolvendo a interpretação dos princípios da imunidade recíproca, da livre concorrência e do federalismo fiscal.

Corrente Favorável à Tributação

A primeira corrente doutrinária sustenta o cabimento da tributação da prestação de serviço público concedido ou permitido pelo ISS, fundamentando sua posição em argumentos de natureza econômica e constitucional. Segundo esta orientação, o concessionário realiza o serviço público de acordo com regras tipicamente privadas, promovendo investimentos às custas de seu patrimônio pessoal e custeando as atividades necessárias à execução adequada do serviço com objetivo de lucro, que lhe é assegurado contratualmente.

Esta corrente encontra respaldo no artigo 150, § 3º, da Constituição Federal, que expressamente exclui a imunidade tributária “no caso de exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”. A aplicação deste dispositivo às concessões de serviço público parece inequívoca, uma vez que nestas modalidades contratuais há, necessariamente, pagamento de tarifa pelo usuário final.

O argumento encontra reforço adicional no artigo 173, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”. Embora este dispositivo refira-se especificamente às empresas estatais, o princípio subjacente – de equiparação do regime tributário quando há exploração econômica – aplicar-se-ia, por analogia, às concessionárias privadas de serviço público.

Para os defensores desta corrente, o ISS não alcançaria propriamente uma atividade estatal, mas sim a exploração econômica de bens públicos e o uso do direito de passagem no solo ou subsolo municipal por concessionária de serviço público. Tratar-se-ia, portanto, de atividade não estatal, independente de qualquer participação direta do Estado, legitimando a exigência de imposto.

Corrente Contrária à Tributação

A orientação doutrinária oposta sustenta o descabimento da exigência de ISS sobre a prestação de serviço público sob regime de concessão ou permissão, fundamentando-se no princípio da imunidade recíproca e na natureza pública permanente do serviço. Segundo esta corrente, não importa quem presta o serviço público – se o Estado diretamente, uma empresa estatal ou particular –, prevalecendo sempre sua natureza pública e o regime jurídico constitucional correspondente.

Os adeptos desta orientação argumentam que sujeitar a prestação de serviço público à incidência de ISS, quando prestado por particular, representa negação da própria essência da imunidade recíproca. Se o mesmo serviço, quando prestado diretamente pelo Estado, não pode ser tributado, sua prestação por delegatário também deveria gozar da mesma proteção constitucional, sob pena de criarem-se regimes tributários diferenciados para atividades idênticas.

Esta corrente sustenta, ainda, que a tributação de serviços públicos concedidos criaria para o cidadão-usuário ônus financeiro superior àquele que suportaria no caso de prestação direta do mesmo serviço pelo próprio Estado. Esta diferenciação de tratamento comprometeria a isonomia e contrariaria o interesse público subjacente à própria concessão, que visa à prestação eficiente de serviços essenciais à coletividade.

Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-DF, relatada pelo Ministro Carlos Britto, com acórdão da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, decidiu em 13 de fevereiro de 2008 que a prestação de serviços públicos concedidos, bem como de atividades estatais delegadas, por revelarem intuito lucrativo, submetem-se à incidência do ISSQN.

Esta decisão representou marco jurisprudencial definitivo na matéria, consolidando o entendimento de que a exploração econômica de serviços públicos por particulares não goza de imunidade tributária. O posicionamento da Corte Suprema privilegiou a substância econômica da atividade sobre sua natureza jurídico-formal, reconhecendo que a exploração com fins lucrativos aproxima o regime das concessões daquele aplicável às atividades tipicamente privadas.

Consequências Práticas da Tributação

A incidência de ISS sobre serviços públicos concedidos acarreta consequências econômicas significativas que se refletem tanto no equilíbrio dos contratos de concessão quanto na modicidade das tarifas. O aumento da carga fiscal deve ser considerado para o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, conforme previsto na legislação específica, podendo ensejar revisões contratuais.

Por outro lado, este acréscimo tributário repercutirá necessariamente na exigência de modicidade das tarifas, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 8.987, de 1995. Esta repercussão cria tensão entre a necessidade arrecadatória municipal e o objetivo de manter os serviços públicos acessíveis à população, especialmente nas camadas sociais de menor renda.

4.2 Conflitos ICMS x ISS

A delimitação das competências tributárias estadual e municipal no que se refere à tributação de serviços constitui fonte permanente de controvérsias, particularmente em atividades econômicas que envolvem simultaneamente aspectos de circulação de mercadorias e prestação de serviços. A Constituição Federal, ao estabelecer competências distintas para o ICMS estadual e o ISS municipal, criou zonas limítrofes que demandam interpretação cuidadosa.

O critério constitucional fundamental para esta distinção reside na natureza predominante da atividade econômica desenvolvida. Os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, bem como os serviços de comunicação, encontram-se expressamente reservados à competência estadual pelo artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, não podendo ser alcançados pelo ISS municipal.

A questão torna-se mais complexa nas denominadas atividades mistas, onde coexistem elementos de circulação de mercadorias e prestação de serviços. Nestas hipóteses, o entendimento jurisprudencial consolidado orienta-se pela análise da atividade preponderante, tributando-se pelo ICMS quando prevalece a circulação de mercadorias e pelo ISS quando predomina a prestação de serviços.

4.3 Aspecto Espacial: Evolução Constitucional

A definição do aspecto espacial do ISS – isto é, do local onde ocorre o fato gerador e, consequentemente, da pessoa política competente para exigir o imposto – constituiu objeto de prolongada evolução jurisprudencial até a edição da Lei Complementar nº 116/2003.

Inicialmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou posição no sentido de competir ao Município do local da prestação de serviços a exigência do ISSQN, como evidencia o julgamento do REsp 655.500-MT, da Segunda Turma, relatado pelo Ministro Franciulli Netto, julgado em 6 de setembro de 2005.

A Lei Complementar nº 116/2003 alterou significativamente este paradigma, estabelecendo em seu artigo 3º, como regra geral, que o aspecto espacial é o local do estabelecimento prestador do serviço. O estabelecimento prestador é definido como o local onde “o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.

Esta mudança legislativa visa proporcionar maior segurança jurídica e reduzir conflitos entre Municípios, estabelecendo critério objetivo e uniforme para a determinação da competência tributária. Contudo, a própria lei complementar prevê numerosas exceções à regra geral, como no caso de serviços prestados na execução de obra, nos quais se considera o local desta como aspecto espacial do imposto.

A evolução normativa do aspecto espacial reflete a tensão permanente entre a busca de critérios uniformes e a necessidade de adaptação às peculiaridades econômicas de diferentes tipos de serviços. As exceções previstas na lei complementar reconhecem que determinadas modalidades de prestação de serviços vinculam-se mais intimamente ao local de sua execução do que ao estabelecimento do prestador.


V. Limites Constitucionais Específicos

5.1 Alíquotas: Questão das Mínimas

A questão das alíquotas do ISS revela uma das mais evidentes inconsistências da Lei Complementar nº 116/2003 em relação às determinações constitucionais. O artigo 156, § 3º, inciso I, da Constituição Federal estabelece expressamente que cabe à lei complementar fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, conferindo a esta espécie normativa papel fundamental na prevenção da guerra fiscal entre Municípios.

A atual Lei Complementar nº 116/2003 cumpre apenas parcialmente esta determinação constitucional, estabelecendo em seus artigos 7º e 8º a alíquota máxima de 5%, mas omitindo-se completamente quanto à fixação da alíquota mínima. Esta lacuna legislativa representa manifesto descumprimento ao comando constitucional e cria ambiente propício para a concorrência fiscal predatória entre os entes municipais.

A ausência de alíquota mínima permite que Municípios utilizem o ISS como instrumento de política de atração de investimentos, estabelecendo alíquotas artificialmente baixas que comprometem a livre concorrência e distorcem a localização eficiente das atividades econômicas. Este fenômeno, conhecido como guerra fiscal, produz efeitos deletérios sobre a arrecadação tributária nacional e compromete a autonomia financeira dos entes locais.

A solução transitória para esta lacuna legislativa encontra-se no artigo 88, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inserido pela Emenda Constitucional nº 37/2002. Este dispositivo preceitua que, enquanto lei complementar não disciplinar o disposto no artigo 156, § 3º, I, da Constituição Federal, o ISS terá alíquota mínima de 2%, exceto para determinados serviços especificados na lista anexa à lei complementar.

Esta solução provisória, embora necessária para dar efetividade ao comando constitucional, evidencia a precariedade do atual regime normativo do ISS. A permanência desta situação por mais de duas décadas desde a edição da lei complementar demonstra a dificuldade política de estabelecer consenso sobre os patamares mínimos de tributação municipal, refletindo os conflitos federativos inerentes ao sistema tributário brasileiro.

A guerra fiscal entre Municípios no âmbito do ISS assume características particulares, diferenciando-se dos conflitos similares verificados no ICMS estadual. Enquanto neste último caso a competição fiscal envolve primordialmente a atração de investimentos industriais de grande porte, no ISS municipal a disputa concentra-se na atração de atividades de prestação de serviços, especialmente aquelas de alta mobilidade territorial, como consultorias e serviços de tecnologia.

5.2 Progressividade e Capacidade Contributiva

A aplicação do princípio da capacidade contributiva ao ISS suscita questões técnicas complexas que envolvem a própria natureza jurídica deste tributo. O artigo 145, § 1º, da Constituição Federal estabelece que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, determinando que a Administração Tributária considere as circunstâncias pessoais do sujeito passivo na aplicação das normas tributárias.

A controvérsia doutrinária sobre a natureza real ou pessoal do ISS repercute diretamente na possibilidade de aplicação da progressividade fiscal a este tributo. Os impostos de natureza real incidem sobre bens ou atividades específicas, desconsiderando as características pessoais do contribuinte, enquanto os impostos pessoais levam em conta a situação global do sujeito passivo.

A classificação do ISS como imposto real encontra fundamento na circunstância de que sua incidência vincula-se especificamente à prestação de determinados serviços, independentemente da condição econômica global do prestador. O fato gerador materializa-se na prestação do serviço, não na capacidade contributiva demonstrada pelo sujeito passivo, o que aproxima este tributo do regime jurídico típico dos impostos reais.

Contudo, a rigidez desta classificação tem sido questionada pela doutrina contemporânea, que reconhece a possibilidade de aplicação de critérios de capacidade contributiva mesmo aos impostos tradicionalmente considerados reais. A diferenciação de alíquotas com base no valor dos serviços prestados ou na natureza da atividade desenvolvida pode representar forma indireta de graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte.

A Lei Complementar nº 116/2003 contempla a possibilidade de diferenciação de alíquotas com base na natureza dos serviços prestados, estabelecendo que as alíquotas podem variar conforme o tipo de serviço, respeitados os limites máximo e mínimo fixados. Esta diferenciação não se confunde com progressividade propriamente dita, mas representa técnica de tributação que pode considerados aspectos relacionados à capacidade contributiva.

A progressividade fiscal do ISS – isto é, o aumento das alíquotas conforme aumenta a base de cálculo – não encontra vedação constitucional expressa, podendo ser implementada desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Esta possibilidade diferencia o ISS de outros tributos municipais, como o ITBI, para o qual o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento contrário à progressividade fiscal.

5.3 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade tributária, insculpido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Este princípio fundamental do Direito Tributário assume particular relevância no contexto do ISS, dada a multiplicidade de legislações municipais que disciplinam o tributo.

A reserva legal em matéria tributária exige que todos os aspectos essenciais da obrigação tributária sejam definidos em lei em sentido formal, não podendo ser objeto de mera regulamentação administrativa. No caso do ISS, este requisito impõe que a legislação municipal estabeleça, minimamente, os elementos do fato gerador, a base de cálculo, as alíquotas aplicáveis e os sujeitos da obrigação tributária.

A complexidade do ISS municipal manifesta-se na necessidade de articulação entre a legislação complementar federal, que estabelece normas gerais, e a legislação municipal, que disciplina os aspectos específicos do tributo em cada localidade. Esta articulação deve respeitar rigorosamente a hierarquia normativa, não podendo a lei municipal contrariar ou expandir as determinações da lei complementar.

Os limites do poder regulamentar municipal no âmbito do ISS assumem relevância particular nas questões relacionadas às obrigações acessórias e aos procedimentos de fiscalização. Embora estes aspectos possam ser disciplinados por decreto municipal, devem limitar-se à explicitação das determinações legais, não podendo criar obrigações substantivas não previstas em lei.

A tipicidade tributária exige que a descrição legal do fato gerador seja suficientemente precisa para permitir ao contribuinte conhecer exatamente as situações que ensejam o nascimento da obrigação tributária. No caso do ISS, esta exigência torna-se particularmente complexa devido à amplitude da expressão “serviços de qualquer natureza” e à necessidade de interpretação sistemática da lista de serviços tributáveis.

A segurança jurídica dos contribuintes depende fundamentalmente do respeito ao princípio da legalidade, especialmente em tributo de aplicação descentralizada como o ISS. A multiplicidade de interpretações administrativas divergentes sobre aspectos similares da legislação tributária compromete a previsibilidade das obrigações fiscais e aumenta desnecessariamente os custos de conformidade tributária.

A evolução legislativa do ISS demonstra tensão constante entre a necessidade de adaptação às transformações econômicas e sociais e a exigência constitucional de definição legal prévia dos elementos essenciais do tributo. Esta tensão manifesta-se particularmente nas discussões sobre a tributação de novos modelos de prestação de serviços, especialmente aqueles relacionados à economia digital e às plataformas tecnológicas.


VI. Perspectivas Constitucionais Futuras

6.1 Reforma Tributária: Aspectos Constitucionais

A aprovação da reforma tributária brasileira inaugura período de profundas transformações no sistema constitucional de tributação, com impactos particularmente significativos no regime jurídico do ISS. A extinção gradual deste tributo municipal e sua substituição pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) representa mudança paradigmática que transcende aspectos meramente técnicos, alcançando questões fundamentais do pacto federativo brasileiro.

A opção constitucional pela criação do IBS como tributo de competência compartilhada entre Estados e Municípios altera substancialmente a arquitetura federativa do sistema tributário nacional. A Constituição reformada abandona o modelo de competências tributárias exclusivas e estanques, adotando sistema mais integrado que visa superar as distorções econômicas decorrentes da multiplicidade de tributos incidentes sobre o consumo.

O desenho constitucional do novo sistema tributário fundamenta-se na premissa de que a unificação dos tributos sobre o consumo – substituindo ISS, ICMS, IPI, PIS e COFINS pelos novos IBS e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – promoverá maior eficiência econômica e reduzirá a complexidade administrativa. Esta unificação representa reconhecimento constitucional de que a fragmentação tributária compromete a competitividade da economia nacional e gera custos desnecessários para contribuintes e administração.

A transição constitucional para o novo regime tributário estabelece cronograma gradual que se estenderá até 2033, quando o ISS será completamente extinto. Este período de convivência entre sistemas visa minimizar os impactos econômicos da mudança e permitir adaptação progressiva dos entes federativos, contribuintes e órgãos de administração tributária às novas regras.

A repartição constitucional das receitas do IBS entre Estados e Municípios representa desafio técnico de grande complexidade, exigindo critérios objetivos que preservem a autonomia financeira dos entes locais sem comprometer a eficiência arrecadatória. A Constituição reformada deve estabelecer parâmetros claros para esta repartição, evitando conflitos interpretativos que possam comprometer a implementação do novo sistema.

6.2 Desafios Jurídicos da Transição

A transição do ISS para o IBS suscita questões constitucionais complexas que envolvem direito adquirido, ato jurídico perfeito e segurança jurídica. A convivência temporária entre sistemas tributários distintos cria ambiente jurídico de grande complexidade, demandando soluções normativas sofisticadas para preservar a estabilidade das relações jurídicas.

O princípio da segurança jurídica assume relevância fundamental durante o período de transição, exigindo que as mudanças normativas sejam implementadas de forma previsível e não retroativa. A multiplicidade de regimes tributários aplicáveis simultaneamente – com redução gradual das alíquotas do ISS e aumento correspondente das alíquotas do IBS – demanda particular atenção aos princípios da anterioridade e da irretroatividade tributária.

A questão do aproveitamento de créditos tributários constituídos sob o regime do ISS representa desafio técnico de grande monta. A migração para sistema não cumulativo do IBS permitirá, pela primeira vez na história tributária brasileira, o aproveitamento integral de créditos na prestação de serviços, superando uma das principais críticas ao atual regime do ISS.

O novo sistema constitucional contempla mecanismo de creditamento que permitirá aos prestadores de serviços deduzir os valores de IBS e CBS pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, eliminando a cumulatividade que caracteriza o atual ISS. Esta mudança representa avanço significativo em direção à neutralidade tributária, reduzindo distorções econômicas e melhorando a competitividade dos serviços brasileiros.

A implementação do sistema de cashback previsto na reforma constitucional para setores essenciais como saúde e alimentação representa inovação no direito tributário brasileiro. Este mecanismo visa compensar eventuais aumentos de carga tributária durante a transição, preservando o acesso da população de menor renda a bens e serviços essenciais.

O contencioso tributário durante o período de transição apresenta complexidades específicas que demandam interpretação cuidadosa dos tribunais. A coexistência de regimes tributários distintos pode gerar conflitos sobre a legislação aplicável a situações específicas, especialmente em contratos de prestação de serviços de longo prazo que se estendam além dos marcos temporais da transição.

A extinção constitucional do ISS em 2033 representará o fim de uma era na tributação municipal brasileira, encerrando mais de meio século de aplicação deste tributo. A substituição por sistema mais moderno e eficiente promete resolver muitas das controvérsias técnicas que historicamente caracterizaram o ISS, mas certamente criará novos desafios jurídicos que demandarão interpretação doutrinária e jurisprudencial.

A preparação dos operadores do direito para este novo cenário constitucional exige atualização constante e compreensão das implicações sistêmicas da reforma tributária. A transição não representa apenas mudança de tributos, mas transformação fundamental na forma como o Estado brasileiro financia suas atividades e como os contribuintes organizam seus negócios.


Conclusão

O exame dos fundamentos jurídicos e constitucionais do ISS revela a extraordinária complexidade deste tributo municipal, cujo regime normativo entrelaça questões de competência federativa, autonomia local e segurança jurídica. As controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que permeiam sua aplicação refletem tensões inerentes ao sistema tributário brasileiro, particularmente no que se refere à delimitação das competências dos entes subnacionais.

A polêmica sobre a natureza taxativa ou exemplificativa da lista de serviços, consolidada em favor da taxatividade pelo Supremo Tribunal Federal, demonstra a permanente necessidade de equilibrar a autonomia municipal com a uniformização nacional. As críticas técnicas à Lei Complementar nº 116/2003, especialmente quanto à inclusão de atividades que não configuram prestação de serviços, evidenciam a importância de rigor conceitual na elaboração da legislação tributária.

A questão da tributação de serviços públicos concedidos, definitivamente resolvida pelo STF em favor da tributabilidade, ilustra como a evolução da economia e das formas de exploração de atividades econômicas demanda constante reinterpretação dos princípios constitucionais tributários. A decisão da Corte Suprema privilegiou a substância econômica sobre a forma jurídica, reconhecendo que a exploração com fins lucrativos justifica a sujeição ao regime tributário comum.

As perspectivas constitucionais futuras, com a extinção gradual do ISS e sua substituição pelo IBS, representam oportunidade histórica de modernização do sistema tributário brasileiro. A superação da cumulatividade e a implementação de sistema efetivamente não cumulativo na tributação de serviços promete resolver muitas das distorções econômicas que caracterizam o atual regime.

A importância da assessoria jurídica especializada manifesta-se com particular intensidade no contexto do ISS, dada a multiplicidade de legislações municipais, a complexidade das questões federativas envolvidas e a constante evolução do arcabouço normativo. A transição para o novo sistema tributário amplia ainda mais esta necessidade, exigindo acompanhamento técnico qualificado para navegação segura no período de mudanças constitucionais.

A trajetória do ISS no direito tributário brasileiro, desde sua criação até a perspectiva de extinção, reflete a própria evolução do federalismo fiscal nacional e as permanentes tensões entre centralização e descentralização. Sua substituição pelo IBS marca não apenas mudança tributária, mas transformação fundamental na forma como o Estado brasileiro organiza suas competências fiscais e promove o desenvolvimento econômico nacional.


A Barbieri Advogados possui ampla experiência no assessoramento a empresas e administrações públicas em questões relacionadas ao ISS, oferecendo consultoria especializada tanto no regime atual quanto na preparação para as mudanças decorrentes da reforma tributária. Para mais informações sobre como proteger os interesses de sua empresa neste período de transição constitucional, entre em contato com nossa equipe de especialistas.

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ISS: Fundamentos Jurídicos e Constitucionalidade

Por Equipe de Direito Tributário da Barbieri Advogados

Introdução

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), popularmente conhecido como ISS, representa uma das mais complexas manifestações da competência tributária municipal no sistema constitucional brasileiro. Regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003, este tributo situa-se no epicentro de debates doutrinários fundamentais que permeiam questões de federalismo fiscal, autonomia municipal e segurança jurídica.

A crescente sofisticação das relações econômicas e a evolução tecnológica dos serviços prestados no país amplificaram significativamente a relevância jurídica do ISS, tornando imprescindível uma análise técnica que transcenda as abordagens meramente operacionais. As controvérsias constitucionais que envolvem este tributo não se limitam a aspectos interpretativos pontuais, mas alcançam questões estruturais do próprio sistema tributário nacional.

Este artigo examina os fundamentos constitucionais do ISS sob uma perspectiva crítica, abordando desde a arquitetura normativa básica até as questões mais controvertidas que emergem na jurisprudência dos tribunais superiores. Particular atenção será dedicada às tensões federativas inerentes ao tributo, às polêmicas doutrinárias sobre a natureza da lista de serviços e aos desafios constitucionais que se apresentam no horizonte da reforma tributária.

A complexidade técnica deste imposto municipal exige assessoria jurídica especializada, especialmente diante da multiplicidade de regimes normativos que coexistem nas diferentes municipalidades brasileiras e das constantes mudanças legislativas que afetam sua aplicação.


I. Arquitetura Constitucional do ISS

1.1 Competência Tributária Municipal

A competência para instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza encontra-se inscrita no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece competir aos Municípios instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Esta disposição constitucional revela, desde logo, a complexidade estrutural do tributo, ao condicionar seu exercício à definição prévia em lei complementar.

A inserção do ISS no rol de competências municipais reflete uma opção constitucional pela descentralização fiscal, reconhecendo aos entes locais a capacidade de tributar a prestação de serviços em seus territórios. Contudo, esta competência não se apresenta de forma absoluta, submetendo-se aos princípios limitadores do poder de tributar insculpidos na Constituição Federal, notadamente aqueles previstos no artigo 150 e seus incisos.

Os princípios da legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade e proporcionalidade constituem balizas fundamentais que condicionam o exercício da competência tributária municipal. Ademais, o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, impõe que o ISS seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, sempre que possível, aspecto que suscita debates doutrinários relevantes sobre a natureza real ou pessoal do tributo.

A tensão federativa manifesta-se de forma particularmente aguda no ISS, uma vez que a prestação de serviços frequentemente transcende os limites territoriais municipais. Esta realidade econômica contrasta com a rigidez da partilha constitucional de competências, gerando conflitos que demandam soluções jurídicas sofisticadas. A Constituição Federal busca harmonizar esta tensão mediante a atribuição à lei complementar do papel de definir os serviços tributáveis, estabelecendo, assim, um instrumento de uniformização nacional.

1.2 O Desenho Constitucional Original

O constituinte originário de 1988, ao desenhar o sistema tributário nacional, inseriu o ISS no contexto mais amplo de fortalecimento dos entes subnacionais, especialmente dos Municípios. Esta opção decorreu da constatação de que os entes locais necessitavam de fontes próprias de receita para fazer face às competências materiais que lhes foram atribuídas, particularmente nas áreas de educação, saúde e serviços urbanos.

A redação original do dispositivo constitucional já contemplava a necessidade de definição dos serviços tributáveis em lei complementar, revelando a percepção do legislador constituinte quanto à complexidade da matéria. Esta previsão constitucional visa prevenir conflitos de competência entre os diversos entes federativos, estabelecendo critérios uniformes para a identificação dos fatos geradores passíveis de tributação pelos Municípios.

A Emenda Constitucional nº 37, de 2002, introduziu modificações relevantes ao regime constitucional do ISS, particularmente no que se refere às alíquotas mínimas e máximas, bem como à disciplina das isenções, incentivos e benefícios fiscais. Estas alterações refletem a preocupação com a denominada “guerra fiscal” entre Municípios, fenômeno que compromete a harmonia federativa e distorce a livre concorrência.

Os limites constitucionais expressos e implícitos que incidem sobre o ISS não se esgotam nas regras específicas do artigo 156, estendendo-se ao conjunto normativo da Constituição Tributária. Os princípios gerais da tributação, as imunidades constitucionais, as limitações ao poder de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte compõem um sistema integrado que condiciona o exercício da competência tributária municipal.

A evolução constitucional do ISS demonstra a permanente tensão entre a necessidade de autonomia municipal e a imperatividade de coordenação federativa. Esta tensão manifesta-se não apenas no plano normativo, mas também na aplicação prática do tributo, gerando controvérsias que frequentemente demandam intervenção dos tribunais superiores para sua resolução.


II. A Questão Central: Definição de Serviços

2.1 A Polêmica Doutrinária Secular

A expressão constitucional “serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar” encerra uma das mais persistentes controvérsias do Direito Tributário brasileiro. A discussão sobre o sentido e alcance dessa definição divide a doutrina há décadas, cristalizando-se em duas orientações fundamentais que produzem consequências jurídicas diametralmente opostas.

A corrente majoritária na doutrina sustenta a taxatividade da lista de serviços veiculada pela lei complementar, encontrando fundamento no argumento de que a Constituição Federal, ao prever que os serviços devem ser “definidos em lei complementar”, estabelece uma limitação expressa ao exercício da competência tributária municipal. Esta orientação encontra respaldo no artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, que atribui à lei complementar a função precípua de “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária”.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do RE 77.183-SP, relatado pelo Ministro Aliomar Baleeiro, acolheu expressamente esta orientação, consolidando o entendimento de que a lista de serviços constitui rol taxativo, não podendo os Municípios estender a tributação a serviços não expressamente contemplados. Este posicionamento jurisprudencial encontra reforço na própria dicção do artigo 1º da Lei Complementar nº 116/2003, que expressamente proclama ter o ISS “como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa”.

A corrente minoritária, por sua vez, considera a lista de serviços meramente exemplificativa, fundamentando sua posição nos princípios federativo e da autonomia municipal. Segundo esta orientação, a Constituição Federal teria outorgado aos Municípios competência ampla para tributar a prestação de serviços, cabendo à lei complementar apenas papel indicativo e elucidativo, sem restringir o âmbito de incidência do tributo municipal.

Os defensores desta corrente argumentam que a interpretação restritiva da lista de serviços compromete a autonomia política dos Municípios, reduzindo artificialmente sua capacidade arrecadatória e contrariando o espírito descentralizador da Constituição de 1988. Sustentam, ainda, que a exceção expressa dos “serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação” – de competência estadual – evidenciaria que todos os demais serviços estariam, em princípio, sujeitos à tributação municipal.

2.2 Análise da Lista da LC 116/2003

O exame técnico da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 revela inconsistências conceituais que comprometem a coerência do sistema tributário e suscitam questionamentos sobre a constitucionalidade de alguns de seus dispositivos. A inclusão de atividades que, evidentemente, não se enquadram no conceito jurídico de prestação de serviços representa vício normativo de relevante monta.

A cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda, contemplada no item 3.02 da lista, constitui exemplo paradigmático desta distorção conceitual. Trata-se, inequivocamente, de cessão de direito, não de prestação de serviço, revelando impropriedade técnica que compromete a segurança jurídica. A natureza jurídica desta operação aproxima-se mais da locação de bem incorpóreo do que da prestação de serviço propriamente dita.

Semelhante crítica aplica-se ao item 3.04, que contempla a “locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza”. A denominação “locação” empregada pelo próprio legislador complementar evidencia a natureza não-serviçal da atividade, tratando-se de típica cessão de uso de bem, móvel ou imóvel.

A cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, prevista no item 3.05, representa outro exemplo de imprecisão conceitual. A cessão temporária de bens não constitui prestação de serviço, mas locação por prazo determinado, submetendo-se a regime jurídico diverso daquele aplicável aos serviços propriamente ditos.

Estas inconsistências técnicas da Lei Complementar nº 116/2003 geram insegurança jurídica e comprometem a aplicação uniforme do tributo, criando zonas de incerteza que demandam constante intervenção do Poder Judiciário. A inclusão de “não-serviços” na lista tributável revela-se inconstitucional, por desbordar dos limites da competência tributária municipal fixados pelo artigo 156, inciso III, da Constituição Federal.

2.3 Consequências Práticas da Divergência

A divergência doutrinária sobre a natureza da lista de serviços produz consequências práticas de enorme relevância para a administração tributária e para os contribuintes. A indefinição quanto aos limites precisos da competência tributária municipal gera conflitos interpretativos que comprometem a segurança jurídica e ampliam desnecessariamente o contencioso tributário.

Do ponto de vista da segurança jurídica, a polêmica sobre a taxatividade ou exemplificatividade da lista cria ambiente de incerteza permanente, impedindo que contribuintes e administrações tributárias municipais tenham parâmetros seguros para orientar suas condutas. Esta indefinição é particularmente prejudicial em contextos econômicos dinâmicos, onde surgem constantemente novas modalidades de prestação de serviços.

Os conflitos de competência entre diferentes esferas federativas multiplicam-se em razão desta divergência conceitual. Atividades econômicas de difícil classificação podem ser simultaneamente consideradas tributáveis pelo ISS municipal e pelo ICMS estadual, gerando bitributação indevida e comprometendo o princípio constitucional da livre concorrência.

A administração tributária municipal enfrenta dilemas constantes na aplicação do tributo, oscilando entre interpretações restritivas que limitam a arrecadação e interpretações extensivas que podem ser posteriormente invalidadas pelo Poder Judiciário. Esta instabilidade compromete o planejamento fiscal dos entes locais e dificulta a gestão eficiente dos recursos públicos.

Para os contribuintes, a indefinição conceitual representa ônus adicional significativo, exigindo assessoria jurídica especializada para a adequada interpretação das obrigações tributárias. A necessidade de antecipar possíveis questionamentos administrativos ou judiciais sobre a natureza serviçal de determinadas atividades aumenta substancialmente os custos de conformidade tributária.


III. Papel Constitucional da Lei Complementar

3.1 Fundamento no Art. 146, I, CF

A Lei Complementar nº 116/2003 extrai sua legitimidade constitucional diretamente do artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, que atribui a esta espécie normativa a competência para “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Esta atribuição constitucional revela-se de fundamental importância no contexto do ISS, dada a natural propensão deste tributo a gerar conflitos federativos.

O desenho constitucional do sistema tributário brasileiro reconhece que a partilha rígida de competências, embora necessária para preservar a autonomia dos entes federativos, pode gerar zonas de sobreposição ou indefinição que comprometeriam a segurança jurídica e a eficiência arrecadatória. A lei complementar surge, neste contexto, como instrumento de harmonização, estabelecendo critérios uniformes que permitam a delimitação precisa dos campos de incidência de cada tributo.

No caso específico do ISS, a função uniformizadora da lei complementar manifesta-se com particular intensidade, uma vez que a prestação de serviços constitui atividade econômica de crescente complexidade, frequentemente transcendendo os limites territoriais municipais e envolvendo aspectos que poderiam, em tese, atrair a incidência de tributos de competência estadual ou federal.

A atribuição à lei complementar do papel de resolver conflitos de competência não implica, contudo, a possibilidade de esta espécie normativa ampliar ou restringir as competências tributárias constitucionalmente definidas. Seu papel limita-se à explicitação e delimitação das competências previamente estabelecidas pela Constituição Federal, não podendo inovar no sistema de partilha constitucional.

A uniformização normativa promovida pela lei complementar visa, ainda, imprimir ao regime do ISS uma certa homogeneidade que transcenda as peculiaridades da legislação municipal. Esta homogeneidade revela-se essencial para preservar a unidade do mercado nacional e evitar distorções concorrenciais que poderiam decorrer de regimes tributários excessivamente díspares entre os diversos Municípios.

3.2 Atribuições Específicas

A Constituição Federal delineia com precisão as atribuições da lei complementar no regime do ISS, estabelecendo quatro funções específicas que esta espécie normativa deve exercer: a definição dos serviços tributáveis, a fixação de alíquotas máximas e mínimas, a exclusão da incidência nas exportações de serviços e a regulação da forma e condições para concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais.

A definição dos serviços tributáveis representa, conforme já examinado, a mais complexa e controvertida das atribuições da lei complementar. Esta função visa delimitar com precisão o âmbito material de incidência do ISS, evitando conflitos de competência com outros tributos e assegurando uniformidade na aplicação do imposto em todo o território nacional.

A fixação de alíquotas máximas e mínimas constitui mecanismo preventivo contra a denominada “guerra fiscal” entre Municípios. Ao estabelecer limites para a variação das alíquotas, a lei complementar busca preservar um ambiente concorrencial equilibrado, impedindo que alguns entes locais utilizem alíquotas artificialmente baixas para atrair contribuintes em detrimento de outros Municípios.

Atualmente, a Lei Complementar nº 116/2003 fixa a alíquota máxima em 5%, não contemplando, contudo, alíquota mínima expressa. Esta omissão representa descumprimento ao disposto no artigo 156, § 3º, inciso I, da Constituição Federal, sendo suprida transitoriamente pelo artigo 88, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que estabelece alíquota mínima de 2%.

A exclusão da incidência do ISS nas exportações de serviços para o exterior representa política fiscal de incentivo às exportações, alinhada com o objetivo constitucional de promover o equilíbrio do balanço de pagamentos. Esta exclusão, tecnicamente configurada como isenção, visa evitar que a tributação doméstica comprometa a competitividade dos serviços brasileiros no mercado internacional.

3.3 Isenção Heterônoma nas Exportações

A exclusão da incidência do ISS nas exportações de serviços constitui exemplo singular de isenção heterônoma expressamente autorizada pela Constituição Federal. Esta modalidade isentiva contrasta com a regra geral do artigo 151, inciso III, da Constituição, que veda à União instituir isenções de tributos da competência de Estados, Distrito Federal ou Municípios.

A autorização constitucional para esta isenção heterônoma decorre de considerações de política fiscal nacional, reconhecendo-se que o fomento às exportações transcende os interesses locais e insere-se na estratégia macroeconômica do país. A competência da União para conceder esta isenção, mediante lei complementar, justifica-se pela necessidade de uniformização da política exportadora em todo o território nacional.

Sob o aspecto técnico, revela-se importante distinguir o tratamento constitucional conferido às exportações de serviços daquele aplicado às exportações de produtos industrializados e mercadorias. No caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Constituição Federal outorga imunidade às operações de exportação, não mera possibilidade de isenção.

A imunidade constitui limitação absoluta ao poder de tributar, impedindo que o ente competente institua ou exija o tributo nas situações contempladas. A isenção, diversamente, pressupõe a incidência normal do tributo, sendo posteriormente excluída por disposição legal específica. Esta diferenciação técnica possui consequências jurídicas relevantes, especialmente no que se refere à possibilidade de revogação do benefício.

A opção constitucional pela isenção, e não pela imunidade, nas exportações de serviços sugere maior flexibilidade na política fiscal aplicável a esta modalidade de operação. Enquanto a imunidade não pode ser afastada por legislação infraconstitucional, a isenção das exportações de serviços poderia, em tese, ser revogada por nova lei complementar, embora tal medida contrariasse a política econômica nacional de incentivo às exportações.

A implementação prática desta isenção heterônoma demanda cuidadosa regulamentação para definir quais serviços efetivamente configuram “exportação” para fins fiscais. A Lei Complementar nº 116/2003, em seu artigo 2º, inciso I, contempla esta isenção, exigindo que os serviços sejam “desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, mas sejam consumidos no exterior”, estabelecendo critério objetivo para sua aplicação.


IV. Questões Constitucionais Controvertidas

4.1 Tributação de Serviços Públicos Concedidos

A questão da possibilidade de incidência do ISS sobre a prestação de serviços públicos mediante concessão ou permissão representa uma das mais complexas controvérsias constitucionais em matéria tributária. Esta polêmica emergiu com particular intensidade após a edição da Lei Complementar nº 116/2003, que, em seu artigo 1º, § 3º, estabeleceu que “o imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”.

Esta disposição normativa criou o que parte da doutrina denominou “Imposto sobre Serviços Públicos”, suscitando intenso debate sobre sua constitucionalidade. A controvérsia assume dimensões constitucionais fundamentais, envolvendo a interpretação dos princípios da imunidade recíproca, da livre concorrência e do federalismo fiscal.

Corrente Favorável à Tributação

A primeira corrente doutrinária sustenta o cabimento da tributação da prestação de serviço público concedido ou permitido pelo ISS, fundamentando sua posição em argumentos de natureza econômica e constitucional. Segundo esta orientação, o concessionário realiza o serviço público de acordo com regras tipicamente privadas, promovendo investimentos às custas de seu patrimônio pessoal e custeando as atividades necessárias à execução adequada do serviço com objetivo de lucro, que lhe é assegurado contratualmente.

Esta corrente encontra respaldo no artigo 150, § 3º, da Constituição Federal, que expressamente exclui a imunidade tributária “no caso de exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”. A aplicação deste dispositivo às concessões de serviço público parece inequívoca, uma vez que nestas modalidades contratuais há, necessariamente, pagamento de tarifa pelo usuário final.

O argumento encontra reforço adicional no artigo 173, § 2º, da Constituição Federal, segundo o qual “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”. Embora este dispositivo refira-se especificamente às empresas estatais, o princípio subjacente – de equiparação do regime tributário quando há exploração econômica – aplicar-se-ia, por analogia, às concessionárias privadas de serviço público.

Para os defensores desta corrente, o ISS não alcançaria propriamente uma atividade estatal, mas sim a exploração econômica de bens públicos e o uso do direito de passagem no solo ou subsolo municipal por concessionária de serviço público. Tratar-se-ia, portanto, de atividade não estatal, independente de qualquer participação direta do Estado, legitimando a exigência de imposto.

Corrente Contrária à Tributação

A orientação doutrinária oposta sustenta o descabimento da exigência de ISS sobre a prestação de serviço público sob regime de concessão ou permissão, fundamentando-se no princípio da imunidade recíproca e na natureza pública permanente do serviço. Segundo esta corrente, não importa quem presta o serviço público – se o Estado diretamente, uma empresa estatal ou particular –, prevalecendo sempre sua natureza pública e o regime jurídico constitucional correspondente.

Os adeptos desta orientação argumentam que sujeitar a prestação de serviço público à incidência de ISS, quando prestado por particular, representa negação da própria essência da imunidade recíproca. Se o mesmo serviço, quando prestado diretamente pelo Estado, não pode ser tributado, sua prestação por delegatário também deveria gozar da mesma proteção constitucional, sob pena de criarem-se regimes tributários diferenciados para atividades idênticas.

Esta corrente sustenta, ainda, que a tributação de serviços públicos concedidos criaria para o cidadão-usuário ônus financeiro superior àquele que suportaria no caso de prestação direta do mesmo serviço pelo próprio Estado. Esta diferenciação de tratamento comprometeria a isonomia e contrariaria o interesse público subjacente à própria concessão, que visa à prestação eficiente de serviços essenciais à coletividade.

Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089-DF, relatada pelo Ministro Carlos Britto, com acórdão da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, decidiu em 13 de fevereiro de 2008 que a prestação de serviços públicos concedidos, bem como de atividades estatais delegadas, por revelarem intuito lucrativo, submetem-se à incidência do ISSQN.

Esta decisão representou marco jurisprudencial definitivo na matéria, consolidando o entendimento de que a exploração econômica de serviços públicos por particulares não goza de imunidade tributária. O posicionamento da Corte Suprema privilegiou a substância econômica da atividade sobre sua natureza jurídico-formal, reconhecendo que a exploração com fins lucrativos aproxima o regime das concessões daquele aplicável às atividades tipicamente privadas.

Consequências Práticas da Tributação

A incidência de ISS sobre serviços públicos concedidos acarreta consequências econômicas significativas que se refletem tanto no equilíbrio dos contratos de concessão quanto na modicidade das tarifas. O aumento da carga fiscal deve ser considerado para o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, conforme previsto na legislação específica, podendo ensejar revisões contratuais.

Por outro lado, este acréscimo tributário repercutirá necessariamente na exigência de modicidade das tarifas, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 8.987, de 1995. Esta repercussão cria tensão entre a necessidade arrecadatória municipal e o objetivo de manter os serviços públicos acessíveis à população, especialmente nas camadas sociais de menor renda.

4.2 Conflitos ICMS x ISS

A delimitação das competências tributárias estadual e municipal no que se refere à tributação de serviços constitui fonte permanente de controvérsias, particularmente em atividades econômicas que envolvem simultaneamente aspectos de circulação de mercadorias e prestação de serviços. A Constituição Federal, ao estabelecer competências distintas para o ICMS estadual e o ISS municipal, criou zonas limítrofes que demandam interpretação cuidadosa.

O critério constitucional fundamental para esta distinção reside na natureza predominante da atividade econômica desenvolvida. Os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, bem como os serviços de comunicação, encontram-se expressamente reservados à competência estadual pelo artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, não podendo ser alcançados pelo ISS municipal.

A questão torna-se mais complexa nas denominadas atividades mistas, onde coexistem elementos de circulação de mercadorias e prestação de serviços. Nestas hipóteses, o entendimento jurisprudencial consolidado orienta-se pela análise da atividade preponderante, tributando-se pelo ICMS quando prevalece a circulação de mercadorias e pelo ISS quando predomina a prestação de serviços.

4.3 Aspecto Espacial: Evolução Constitucional

A definição do aspecto espacial do ISS – isto é, do local onde ocorre o fato gerador e, consequentemente, da pessoa política competente para exigir o imposto – constituiu objeto de prolongada evolução jurisprudencial até a edição da Lei Complementar nº 116/2003.

Inicialmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou posição no sentido de competir ao Município do local da prestação de serviços a exigência do ISSQN, como evidencia o julgamento do REsp 655.500-MT, da Segunda Turma, relatado pelo Ministro Franciulli Netto, julgado em 6 de setembro de 2005.

A Lei Complementar nº 116/2003 alterou significativamente este paradigma, estabelecendo em seu artigo 3º, como regra geral, que o aspecto espacial é o local do estabelecimento prestador do serviço. O estabelecimento prestador é definido como o local onde “o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.

Esta mudança legislativa visa proporcionar maior segurança jurídica e reduzir conflitos entre Municípios, estabelecendo critério objetivo e uniforme para a determinação da competência tributária. Contudo, a própria lei complementar prevê numerosas exceções à regra geral, como no caso de serviços prestados na execução de obra, nos quais se considera o local desta como aspecto espacial do imposto.

A evolução normativa do aspecto espacial reflete a tensão permanente entre a busca de critérios uniformes e a necessidade de adaptação às peculiaridades econômicas de diferentes tipos de serviços. As exceções previstas na lei complementar reconhecem que determinadas modalidades de prestação de serviços vinculam-se mais intimamente ao local de sua execução do que ao estabelecimento do prestador.


V. Limites Constitucionais Específicos

5.1 Alíquotas: Questão das Mínimas

A questão das alíquotas do ISS revela uma das mais evidentes inconsistências da Lei Complementar nº 116/2003 em relação às determinações constitucionais. O artigo 156, § 3º, inciso I, da Constituição Federal estabelece expressamente que cabe à lei complementar fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS, conferindo a esta espécie normativa papel fundamental na prevenção da guerra fiscal entre Municípios.

A atual Lei Complementar nº 116/2003 cumpre apenas parcialmente esta determinação constitucional, estabelecendo em seus artigos 7º e 8º a alíquota máxima de 5%, mas omitindo-se completamente quanto à fixação da alíquota mínima. Esta lacuna legislativa representa manifesto descumprimento ao comando constitucional e cria ambiente propício para a concorrência fiscal predatória entre os entes municipais.

A ausência de alíquota mínima permite que Municípios utilizem o ISS como instrumento de política de atração de investimentos, estabelecendo alíquotas artificialmente baixas que comprometem a livre concorrência e distorcem a localização eficiente das atividades econômicas. Este fenômeno, conhecido como guerra fiscal, produz efeitos deletérios sobre a arrecadação tributária nacional e compromete a autonomia financeira dos entes locais.

A solução transitória para esta lacuna legislativa encontra-se no artigo 88, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inserido pela Emenda Constitucional nº 37/2002. Este dispositivo preceitua que, enquanto lei complementar não disciplinar o disposto no artigo 156, § 3º, I, da Constituição Federal, o ISS terá alíquota mínima de 2%, exceto para determinados serviços especificados na lista anexa à lei complementar.

Esta solução provisória, embora necessária para dar efetividade ao comando constitucional, evidencia a precariedade do atual regime normativo do ISS. A permanência desta situação por mais de duas décadas desde a edição da lei complementar demonstra a dificuldade política de estabelecer consenso sobre os patamares mínimos de tributação municipal, refletindo os conflitos federativos inerentes ao sistema tributário brasileiro.

A guerra fiscal entre Municípios no âmbito do ISS assume características particulares, diferenciando-se dos conflitos similares verificados no ICMS estadual. Enquanto neste último caso a competição fiscal envolve primordialmente a atração de investimentos industriais de grande porte, no ISS municipal a disputa concentra-se na atração de atividades de prestação de serviços, especialmente aquelas de alta mobilidade territorial, como consultorias e serviços de tecnologia.

5.2 Progressividade e Capacidade Contributiva

A aplicação do princípio da capacidade contributiva ao ISS suscita questões técnicas complexas que envolvem a própria natureza jurídica deste tributo. O artigo 145, § 1º, da Constituição Federal estabelece que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, determinando que a Administração Tributária considere as circunstâncias pessoais do sujeito passivo na aplicação das normas tributárias.

A controvérsia doutrinária sobre a natureza real ou pessoal do ISS repercute diretamente na possibilidade de aplicação da progressividade fiscal a este tributo. Os impostos de natureza real incidem sobre bens ou atividades específicas, desconsiderando as características pessoais do contribuinte, enquanto os impostos pessoais levam em conta a situação global do sujeito passivo.

A classificação do ISS como imposto real encontra fundamento na circunstância de que sua incidência vincula-se especificamente à prestação de determinados serviços, independentemente da condição econômica global do prestador. O fato gerador materializa-se na prestação do serviço, não na capacidade contributiva demonstrada pelo sujeito passivo, o que aproxima este tributo do regime jurídico típico dos impostos reais.

Contudo, a rigidez desta classificação tem sido questionada pela doutrina contemporânea, que reconhece a possibilidade de aplicação de critérios de capacidade contributiva mesmo aos impostos tradicionalmente considerados reais. A diferenciação de alíquotas com base no valor dos serviços prestados ou na natureza da atividade desenvolvida pode representar forma indireta de graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte.

A Lei Complementar nº 116/2003 contempla a possibilidade de diferenciação de alíquotas com base na natureza dos serviços prestados, estabelecendo que as alíquotas podem variar conforme o tipo de serviço, respeitados os limites máximo e mínimo fixados. Esta diferenciação não se confunde com progressividade propriamente dita, mas representa técnica de tributação que pode considerados aspectos relacionados à capacidade contributiva.

A progressividade fiscal do ISS – isto é, o aumento das alíquotas conforme aumenta a base de cálculo – não encontra vedação constitucional expressa, podendo ser implementada desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Esta possibilidade diferencia o ISS de outros tributos municipais, como o ITBI, para o qual o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento contrário à progressividade fiscal.

5.3 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade tributária, insculpido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Este princípio fundamental do Direito Tributário assume particular relevância no contexto do ISS, dada a multiplicidade de legislações municipais que disciplinam o tributo.

A reserva legal em matéria tributária exige que todos os aspectos essenciais da obrigação tributária sejam definidos em lei em sentido formal, não podendo ser objeto de mera regulamentação administrativa. No caso do ISS, este requisito impõe que a legislação municipal estabeleça, minimamente, os elementos do fato gerador, a base de cálculo, as alíquotas aplicáveis e os sujeitos da obrigação tributária.

A complexidade do ISS municipal manifesta-se na necessidade de articulação entre a legislação complementar federal, que estabelece normas gerais, e a legislação municipal, que disciplina os aspectos específicos do tributo em cada localidade. Esta articulação deve respeitar rigorosamente a hierarquia normativa, não podendo a lei municipal contrariar ou expandir as determinações da lei complementar.

Os limites do poder regulamentar municipal no âmbito do ISS assumem relevância particular nas questões relacionadas às obrigações acessórias e aos procedimentos de fiscalização. Embora estes aspectos possam ser disciplinados por decreto municipal, devem limitar-se à explicitação das determinações legais, não podendo criar obrigações substantivas não previstas em lei.

A tipicidade tributária exige que a descrição legal do fato gerador seja suficientemente precisa para permitir ao contribuinte conhecer exatamente as situações que ensejam o nascimento da obrigação tributária. No caso do ISS, esta exigência torna-se particularmente complexa devido à amplitude da expressão “serviços de qualquer natureza” e à necessidade de interpretação sistemática da lista de serviços tributáveis.

A segurança jurídica dos contribuintes depende fundamentalmente do respeito ao princípio da legalidade, especialmente em tributo de aplicação descentralizada como o ISS. A multiplicidade de interpretações administrativas divergentes sobre aspectos similares da legislação tributária compromete a previsibilidade das obrigações fiscais e aumenta desnecessariamente os custos de conformidade tributária.

A evolução legislativa do ISS demonstra tensão constante entre a necessidade de adaptação às transformações econômicas e sociais e a exigência constitucional de definição legal prévia dos elementos essenciais do tributo. Esta tensão manifesta-se particularmente nas discussões sobre a tributação de novos modelos de prestação de serviços, especialmente aqueles relacionados à economia digital e às plataformas tecnológicas.


VI. Perspectivas Constitucionais Futuras

6.1 Reforma Tributária: Aspectos Constitucionais

A aprovação da reforma tributária brasileira inaugura período de profundas transformações no sistema constitucional de tributação, com impactos particularmente significativos no regime jurídico do ISS. A extinção gradual deste tributo municipal e sua substituição pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) representa mudança paradigmática que transcende aspectos meramente técnicos, alcançando questões fundamentais do pacto federativo brasileiro.

A opção constitucional pela criação do IBS como tributo de competência compartilhada entre Estados e Municípios altera substancialmente a arquitetura federativa do sistema tributário nacional. A Constituição reformada abandona o modelo de competências tributárias exclusivas e estanques, adotando sistema mais integrado que visa superar as distorções econômicas decorrentes da multiplicidade de tributos incidentes sobre o consumo.

O desenho constitucional do novo sistema tributário fundamenta-se na premissa de que a unificação dos tributos sobre o consumo – substituindo ISS, ICMS, IPI, PIS e COFINS pelos novos IBS e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – promoverá maior eficiência econômica e reduzirá a complexidade administrativa. Esta unificação representa reconhecimento constitucional de que a fragmentação tributária compromete a competitividade da economia nacional e gera custos desnecessários para contribuintes e administração.

A transição constitucional para o novo regime tributário estabelece cronograma gradual que se estenderá até 2033, quando o ISS será completamente extinto. Este período de convivência entre sistemas visa minimizar os impactos econômicos da mudança e permitir adaptação progressiva dos entes federativos, contribuintes e órgãos de administração tributária às novas regras.

A repartição constitucional das receitas do IBS entre Estados e Municípios representa desafio técnico de grande complexidade, exigindo critérios objetivos que preservem a autonomia financeira dos entes locais sem comprometer a eficiência arrecadatória. A Constituição reformada deve estabelecer parâmetros claros para esta repartição, evitando conflitos interpretativos que possam comprometer a implementação do novo sistema.

6.2 Desafios Jurídicos da Transição

A transição do ISS para o IBS suscita questões constitucionais complexas que envolvem direito adquirido, ato jurídico perfeito e segurança jurídica. A convivência temporária entre sistemas tributários distintos cria ambiente jurídico de grande complexidade, demandando soluções normativas sofisticadas para preservar a estabilidade das relações jurídicas.

O princípio da segurança jurídica assume relevância fundamental durante o período de transição, exigindo que as mudanças normativas sejam implementadas de forma previsível e não retroativa. A multiplicidade de regimes tributários aplicáveis simultaneamente – com redução gradual das alíquotas do ISS e aumento correspondente das alíquotas do IBS – demanda particular atenção aos princípios da anterioridade e da irretroatividade tributária.

A questão do aproveitamento de créditos tributários constituídos sob o regime do ISS representa desafio técnico de grande monta. A migração para sistema não cumulativo do IBS permitirá, pela primeira vez na história tributária brasileira, o aproveitamento integral de créditos na prestação de serviços, superando uma das principais críticas ao atual regime do ISS.

O novo sistema constitucional contempla mecanismo de creditamento que permitirá aos prestadores de serviços deduzir os valores de IBS e CBS pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, eliminando a cumulatividade que caracteriza o atual ISS. Esta mudança representa avanço significativo em direção à neutralidade tributária, reduzindo distorções econômicas e melhorando a competitividade dos serviços brasileiros.

A implementação do sistema de cashback previsto na reforma constitucional para setores essenciais como saúde e alimentação representa inovação no direito tributário brasileiro. Este mecanismo visa compensar eventuais aumentos de carga tributária durante a transição, preservando o acesso da população de menor renda a bens e serviços essenciais.

O contencioso tributário durante o período de transição apresenta complexidades específicas que demandam interpretação cuidadosa dos tribunais. A coexistência de regimes tributários distintos pode gerar conflitos sobre a legislação aplicável a situações específicas, especialmente em contratos de prestação de serviços de longo prazo que se estendam além dos marcos temporais da transição.

A extinção constitucional do ISS em 2033 representará o fim de uma era na tributação municipal brasileira, encerrando mais de meio século de aplicação deste tributo. A substituição por sistema mais moderno e eficiente promete resolver muitas das controvérsias técnicas que historicamente caracterizaram o ISS, mas certamente criará novos desafios jurídicos que demandarão interpretação doutrinária e jurisprudencial.

A preparação dos operadores do direito para este novo cenário constitucional exige atualização constante e compreensão das implicações sistêmicas da reforma tributária. A transição não representa apenas mudança de tributos, mas transformação fundamental na forma como o Estado brasileiro financia suas atividades e como os contribuintes organizam seus negócios.


Conclusão

O exame dos fundamentos jurídicos e constitucionais do ISS revela a extraordinária complexidade deste tributo municipal, cujo regime normativo entrelaça questões de competência federativa, autonomia local e segurança jurídica. As controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais que permeiam sua aplicação refletem tensões inerentes ao sistema tributário brasileiro, particularmente no que se refere à delimitação das competências dos entes subnacionais.

A polêmica sobre a natureza taxativa ou exemplificativa da lista de serviços, consolidada em favor da taxatividade pelo Supremo Tribunal Federal, demonstra a permanente necessidade de equilibrar a autonomia municipal com a uniformização nacional. As críticas técnicas à Lei Complementar nº 116/2003, especialmente quanto à inclusão de atividades que não configuram prestação de serviços, evidenciam a importância de rigor conceitual na elaboração da legislação tributária.

A questão da tributação de serviços públicos concedidos, definitivamente resolvida pelo STF em favor da tributabilidade, ilustra como a evolução da economia e das formas de exploração de atividades econômicas demanda constante reinterpretação dos princípios constitucionais tributários. A decisão da Corte Suprema privilegiou a substância econômica sobre a forma jurídica, reconhecendo que a exploração com fins lucrativos justifica a sujeição ao regime tributário comum.

As perspectivas constitucionais futuras, com a extinção gradual do ISS e sua substituição pelo IBS, representam oportunidade histórica de modernização do sistema tributário brasileiro. A superação da cumulatividade e a implementação de sistema efetivamente não cumulativo na tributação de serviços promete resolver muitas das distorções econômicas que caracterizam o atual regime.

A importância da assessoria jurídica especializada manifesta-se com particular intensidade no contexto do ISS, dada a multiplicidade de legislações municipais, a complexidade das questões federativas envolvidas e a constante evolução do arcabouço normativo. A transição para o novo sistema tributário amplia ainda mais esta necessidade, exigindo acompanhamento técnico qualificado para navegação segura no período de mudanças constitucionais.

A trajetória do ISS no direito tributário brasileiro, desde sua criação até a perspectiva de extinção, reflete a própria evolução do federalismo fiscal nacional e as permanentes tensões entre centralização e descentralização. Sua substituição pelo IBS marca não apenas mudança tributária, mas transformação fundamental na forma como o Estado brasileiro organiza suas competências fiscais e promove o desenvolvimento econômico nacional.


A Barbieri Advogados possui ampla experiência no assessoramento a empresas e administrações públicas em questões relacionadas ao ISS, oferecendo consultoria especializada tanto no regime atual quanto na preparação para as mudanças decorrentes da reforma tributária. Para mais informações sobre como proteger os interesses de sua empresa neste período de transição constitucional, entre em contato com nossa equipe de especialistas.

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