Incorporação imobiliária e loteamentos: o que muda na prática

03 de novembro de 2025

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Introdução à Incorporação Imobiliária e Loteamentos | Barbieri Advogados

Regime específico estabelece tributação por centro de custo, apropriação de créditos e aplicação proporcional de redutores, exigindo adaptações operacionais significativas

A Lei Complementar 214/2025 dedica tratamento específico às incorporações imobiliárias e loteamentos, reconhecendo particularidades que distinguem essas atividades das operações imobiliárias convencionais. Caracterizadas por ciclos produtivos extensos, múltiplas aquisições de insumos e comercialização parcelada antes da conclusão das obras, essas atividades demandam controles contábeis e fiscais complexos.

O novo regime tributário estabelece sistemática de não-cumulatividade com apropriação de créditos, apuração individualizada por empreendimento e aplicação proporcional de redutores conforme recebimento de parcelas. Essas mudanças exigem adaptações operacionais substanciais de incorporadores e loteadores.

A compreensão detalhada dessas regras, o planejamento adequado da transição e a estruturação apropriada de novos projetos tornaram-se essenciais para a viabilidade econômica do setor.

Fato gerador e conceito de unidade imobiliária

O artigo 262 da Lei Complementar 214 estabelece que, na incorporação imobiliária e no parcelamento de solo, o IBS e CBS incidentes na alienação das unidades serão devidos em cada pagamento. Diferentemente de outras operações de venda, onde o fato gerador ocorre na alienação independentemente do recebimento, adota-se aqui o regime de caixa.

Os tributos tornam-se devidos proporcionalmente aos valores efetivamente recebidos, não sobre o valor total quando da assinatura do contrato. Essa sistemática reconhece a realidade do setor, onde unidades são comercializadas antes da conclusão e o pagamento ocorre parceladamente ao longo de meses ou anos.

A legislação define precisamente o conceito de unidade imobiliária: terreno adquirido para venda, com ou sem construção; lote oriundo de desmembramento; terreno decorrente de loteamento; unidade distinta resultante de incorporação (apartamentos, salas comerciais, garagens autônomas); e prédio construído para venda como unidade isolada.

Essa definição abrangente assegura que todas as formas de comercialização em atividades de incorporação ou loteamento sujeitem-se ao regime específico, evitando lacunas normativas.

Sistemática de débitos e créditos

A apuração do IBS e CBS nas incorporações opera mediante confronto entre débitos gerados pelas vendas e créditos apropriados sobre aquisições de bens e serviços utilizados no empreendimento.

Dos valores devidos em cada período, calculados sobre pagamentos recebidos, o incorporador poderá compensar créditos relativos aos tributos pagos sobre aquisições. Esse mecanismo de não-cumulatividade representa mudança fundamental em relação ao regime anterior, onde tributos sobre insumos constituíam custo irrecuperável.

A partir de 2027, tributos pagos na aquisição de terrenos, materiais de construção, serviços de engenharia, projetos, licenças, publicidade e demais insumos geram créditos que reduzem o valor devido sobre vendas.

A apropriação exige documentação fiscal adequada, comprovando vinculação das aquisições ao empreendimento específico e recolhimento regular dos tributos pelos fornecedores. O confronto pode resultar em saldo credor, comum nas fases iniciais quando aquisições superam receitas de vendas.

Ressarcimento e patrimônio de afetação

A Lei Complementar prevê tratamento específico para ressarcimento de saldos credores em empreendimentos estruturados com patrimônio de afetação.

O patrimônio de afetação, disciplinado pela Lei 4.591/1964 para incorporações e Lei 6.766/1979 para loteamentos, segrega contábil e juridicamente recursos, direitos e obrigações de cada empreendimento, protegendo adquirentes contra riscos financeiros externos ao projeto.

Quando o empreendimento opera com patrimônio de afetação, saldos credores de IBS e CBS podem ser ressarcidos diretamente na conta vinculada ao patrimônio, até a conclusão do projeto. Essa possibilidade permite recuperação de tributos durante a execução, disponibilizando recursos para o próprio financiamento da obra.

Após conclusão, saldos remanescentes podem ser ressarcidos convencionalmente ou compensados com tributos de outras operações, reconhecendo que, encerrado o projeto, não há necessidade de manter segregação rigorosa.

Aplicação proporcional dos redutores

O parágrafo quarto do artigo 262 estabelece que redutor de ajuste e redutor social devem ser deduzidos proporcionalmente a cada parcela, considerando o valor total do imóvel.

Como os tributos incidem proporcionalmente aos recebimentos, os redutores aplicam-se na mesma proporção. Em imóvel vendido por R$ 500 mil com redutores totais de R$ 300 mil, parcelado em dez prestações iguais, cada prestação terá R$ 30 mil de redutores aplicados (60% do valor da parcela).

Essa sistemática aplica-se inclusive a vendas iniciadas antes de 2027, garantindo tratamento isonômico independentemente do momento de contratação. A proporcionalidade assegura que o benefício fiscal seja fruído gradualmente, alinhado ao fluxo de recebimentos e recolhimentos.

Apuração por centro de custo

O artigo 270 determina apuração do IBS e CBS para cada empreendimento, vinculada a CNPJ ou CPF específico, considerando cada obra como centro de custo distinto.

Essa segregação reconhece que incorporadores desenvolvem múltiplos projetos simultaneamente, cada qual com estrutura própria de custos e recebimentos. A individualização evita confusão entre empreendimentos, permitindo controle preciso e apropriação correta de créditos.

O artigo 269 estabelece que cada obra receberá identificação cadastral no sistema de imóveis, integrando-se ao CIB. Essa identificação permite às administrações tributárias acompanhar a evolução de cada projeto, cruzando informações sobre licenças, aquisições, vendas e recolhimentos.

Documentos fiscais de aquisições devem indicar o cadastro da obra destinatária, viabilizando rastreabilidade e fiscalização da apropriação de créditos. Operacionalmente, incorporadores devem estruturar sistemas que segreguem adequadamente custos por empreendimento.

Redutor social e habitação popular

O redutor social assume relevância particular nas incorporações populares. Conforme artigo 259 da Lei Complementar 214, a alienação de imóvel residencial novo permite dedução de R$ 100 mil por unidade, enquanto lotes residenciais permitem R$ 30 mil, valores atualizados pelo IPCA.

Em empreendimentos populares, onde valores aproximam-se ou ficam abaixo de R$ 100 mil, o redutor pode eliminar integralmente a base de cálculo, resultando em tributação zero. Essa desoneração preserva a viabilidade da produção habitacional popular, segmento de margens reduzidas que não suportaria carga tributária plena.

Para programas habitacionais como Minha Casa Minha Vida, o redutor social constitui elemento fundamental de viabilidade. Incorporadores devem estruturar planejamento considerando esse benefício, eventualmente segmentando portfólios entre empreendimentos populares e de médio/alto padrão.

Regime transitório: RET até 2028

O artigo 485 permite que empreendimentos com patrimônio de afetação optantes pelo RET até 31 de dezembro de 2028 permaneçam no regime anterior até conclusão. Durante a transição, tributos serão recolhidos com alíquotas similares ao RET: 4% sobre receita (2,08% de IBS/CBS e 1,92% de IRPJ/CSLL).

Essa manutenção evita ruptura que comprometeria empreendimentos estruturados sob premissas do RET. Projetos lançados entre 2026 e 2028, precificados considerando aquela carga tributária, não podem ser surpreendidos com mudança que os inviabilize.

Contudo, o RET transitório veda apropriação de créditos, dedução de redutores e creditamento pelo adquirente. A partir de 2029, todas as incorporações migrarão automaticamente ao regime regular, podendo resultar em aumento da carga tributária.

Planejamento estratégico para empreendimentos

Incorporadores com projetos em execução ou planejamento até 2028 enfrentam decisões complexas. Para empreendimentos com RET, avaliar permanência versus migração antecipada pode impactar significativamente o resultado.

O RET garante previsibilidade e simplicidade, mas impede créditos e redutores. A migração permite esses benefícios, mas exige sistemas de controle sofisticados e maior complexidade operacional.

Para novos empreendimentos, estruturar considerando o regime regular, dimensionar margens para custos de implementação e precificar adequadamente considerando créditos e redutores são elementos essenciais.

Terrenos adquiridos até 31/12/2026 permitirão constituição de redutor de ajuste mais vantajoso, conforme analisado no artigo anterior. Essa consideração temporal influencia decisões sobre aquisição de terrenos para futuros projetos.

Impactos no modelo de negócio

A mudança tributária exige revisão dos modelos tradicionais do setor. A apropriação de créditos modifica o cálculo do custo efetivo, potencialmente reduzindo o preço de equilíbrio em relação ao regime anterior.

Essa redução teórica deve ser confrontada com custos adicionais de sistemas de controle, assessoria especializada e eventual aumento de tributação em segmentos onde a alíquota efetiva supere a do RET.

O redutor social protege o segmento popular, mas sua efetividade depende de planejamento adequado. No médio e alto padrão, onde valores superam substancialmente os redutores, a tributação aproxima-se da alíquota nominal, mitigável pela apropriação de créditos.

Incorporações verticais com alto custo de estrutura geram mais créditos que loteamentos simples, influenciando a carga líquida. Modelos com permuta de área exigem atenção ao tratamento tributário e alocação proporcional do redutor.

Governança tributária e conformidade

A complexidade do novo regime exige governança tributária robusta, transcendendo mera conformidade para abranger planejamento estratégico integrado.

Sistemas devem permitir controle por centro de custo, rastreamento de créditos, cálculo de débitos proporcionais e aplicação de redutores. A integração entre áreas de suprimentos, engenharia, financeiro e fiscal torna-se crítica.

Equipes devem ser capacitadas em não-cumulatividade, apropriação de créditos e segregação por empreendimento. Fornecedores devem indicar o código do empreendimento em documentos fiscais.

Assessoria especializada constitui investimento essencial, considerando que erros podem gerar autuações significativas, enquanto deixar de apropriar créditos representa perda desnecessária. Auditorias preventivas oferecem segurança adicional e identificam oportunidades de otimização.

Conclusão

O regime específico para incorporações e loteamentos representa transformação estrutural que exige adaptação profunda de processos, sistemas e governança empresarial.

A não-cumulatividade oferece potencial de redução da carga tributária, especialmente em empreendimentos de alto valor agregado. A materialização desse benefício depende de estruturação adequada, capacitação e investimento em sistemas sofisticados.

O redutor social protege o segmento popular, potencialmente eliminando tributação e preservando a produção habitacional para menor renda. O regime transitório do RET oferece segurança para projetos em andamento, mas exige avaliação estratégica sobre migração.

Incorporadores e loteadores que iniciarem adaptações imediatamente, investirem em sistemas e capacitação, e integrarem planejamento tributário à estratégia empresarial estarão favoravelmente posicionados. Aqueles que postergarem adaptações enfrentarão riscos operacionais, fiscais e competitivos significativos.

No próximo artigo desta série, analisaremos questões constitucionais relacionadas ao CIB e à nova tributação imobiliária, examinando limites ao poder de tributar, proteção à capacidade contributiva e teses defensivas aplicáveis.


Sobre o autor

Maurício Lindenmeyer Barbieri é sócio da Barbieri Advogados, Mestre em Direito pela UFRGS, inscrito na Ordem dos Advogados da Alemanha (RAK Stuttgart), Portugal (OA Lisboa) e Brasil (OAB/RS, DF, SC, PR, SP). Professor universitário, exerceu a docência na PUCRS e UniRitter. Autor de obras especializadas em Direito Processual Civil e Trabalhista.


Artigos da série “CIB e a nova tributação imobiliária”:

  • Artigo 1: CIB: o que é o “CPF dos imóveis” e como ele afeta proprietários

  • Artigo 2: Valor de referência: como o fisco vai avaliar seu imóvel

  • Artigo 3: CIB e tributos municipais: a convergência inevitável?

  • Artigo 4: Pessoas físicas como contribuintes: quando o aluguel vira atividade empresarial

  • Artigo 5: Redutor de ajuste: entenda o mecanismo que protege seu patrimônio imobiliário

  • Artigo 6: Incorporação imobiliária e loteamentos: o que muda na prática (este artigo)

  • Próximo: Questões constitucionais do CIB: limites e defesas jurídicas


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