IDPJ em Grupos Econômicos: O STJ Reafirma as Garantias Processuais no REsp 1.864.620/SP
IDPJ em Grupos Econômicos: O STJ Reafirma as Garantias Processuais no REsp 1.864.620/SP
Introdução
A segurança jurídica no ambiente empresarial brasileiro ganhou importante reforço com a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.864.620/SP. O julgamento estabeleceu de forma definitiva que mesmo em relações de consumo, onde existe responsabilidade subsidiária prevista no art. 28, §2º, do CDC, é obrigatória a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) para atingir o patrimônio de empresas do mesmo grupo econômico.
O Contexto da Decisão
O caso envolveu a tentativa de penhora de créditos de uma empresa integrante de grupo econômico, em execução movida contra outra sociedade do mesmo conglomerado. O Tribunal de Justiça de São Paulo havia mantido a constrição sob o argumento de que o art. 28, §2º, do CDC dispensaria o incidente processual, entendimento que foi reformado pelo STJ.
A Decisão do STJ: Garantias Processuais São Inegociáveis
O Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso, estabeleceu distinção fundamental entre direito material e processual. Reconheceu que existe responsabilidade subsidiária entre empresas do grupo econômico em relações de consumo, mas enfatizou que esta previsão material não afasta a necessidade de observância do devido processo legal.
Fundamentos Centrais
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Interpretação Sistemática: O §2º do art. 28 do CDC está inserido na seção “Da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, indicando que mesmo a responsabilidade subsidiária legal deve observar os procedimentos da desconsideração.
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Norma Processual Obrigatória: Os arts. 133 a 137 do CPC/2015 estabelecem procedimento de observância compulsória, garantindo contraditório e ampla defesa antes de qualquer constrição patrimonial.
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Precedentes Consolidados: A decisão alinha-se aos julgados REsp 1.776.865/MA e AgInt no REsp 1.875.845/SP, formando jurisprudência sólida sobre o tema.
Base Teórica Relevante
O acórdão cita a doutrina de Fábio Konder Comparato, explicando que “a confusão patrimonial, em maior ou menor grau, é inerente a todo grupo econômico”, com inevitáveis transferências de ativos entre sociedades. Essa realidade justifica a responsabilidade subsidiária prevista em lei, mas não elimina a necessidade de garantias processuais para sua efetivação.
Implicações Práticas da Decisão
Para a Execução de Dívidas
Credores que pretendam alcançar patrimônio de empresas do grupo econômico devem:
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Instaurar formalmente o IDPJ, mesmo havendo responsabilidade subsidiária prevista em lei
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Demonstrar insuficiência patrimonial da devedora principal
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Aguardar citação e manifestação da empresa a ser atingida
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Preparar-se para dilação temporal e custos adicionais do incidente
Para a Proteção Patrimonial
Empresas integrantes de grupos econômicos devem:
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Manter contabilidade segregada e registros claros de autonomia operacional
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Documentar todas as transações intercompanhia com contratos formais
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Implementar governança corporativa que evidencie independência decisória
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Preparar defesa prévia para eventual IDPJ com documentação organizada
Aspectos Processuais Relevantes
O IDPJ pode ser instaurado inclusive na fase de cumprimento de sentença (art. 134 do CPC), suspendendo o processo principal durante sua tramitação. A empresa atingida tem prazo de 15 dias para manifestação e produção de provas, com decisão sujeita a agravo de instrumento.
A não observância do procedimento acarreta nulidade absoluta da penhora, com reversão dos ônus sucumbenciais, conforme determinou o STJ no caso analisado.
O Equilíbrio entre Proteção ao Consumidor e Segurança Jurídica
A decisão do STJ não enfraquece a proteção consumerista, mas estabelece que ela deve ser exercida dentro dos limites do devido processo legal. Como destacado no acórdão, citando José Jacob Valente, o CPC/2015 tornou obrigatória a instauração do incidente como forma de garantir o contraditório, não mais permitindo que se postergue o direito de defesa para momento futuro.
Distinção Conceitual Importante
O STJ esclareceu a existência de duas situações distintas:
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A desconsideração típica, que exige prova de confusão patrimonial ou fraude
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A responsabilidade subsidiária legal do CDC, que existe independentemente de fraude, mas ainda assim requer o IDPJ para sua efetivação processual
Esta distinção é fundamental para compreender que o procedimento não visa questionar a existência da responsabilidade, mas garantir o direito de defesa quanto à sua aplicação no caso concreto.
Conclusão
O REsp 1.864.620/SP consolida entendimento que oferece maior previsibilidade ao ambiente de negócios. Estabelece que a autonomia patrimonial é regra protegida pelo ordenamento jurídico, apenas afastável mediante procedimento específico que garanta o exercício da ampla defesa, mesmo quando existe previsão legal de responsabilidade subsidiária.
Para o mercado, a mensagem é clara: grupos econômicos devem investir em governança corporativa e documentação adequada, enquanto credores precisam avaliar estrategicamente o custo-benefício de buscar patrimônio de empresas coligadas, considerando os requisitos processuais estabelecidos pelo STJ.
A decisão representa importante evolução jurisprudencial, equilibrando a necessária proteção ao consumidor com a segurança jurídica indispensável ao desenvolvimento empresarial, sempre sob a égide do devido processo legal.
Artigo elaborado pela equipe jurídica da Barbieri Advogados, escritório com 30 anos de atuação em direito empresarial e processual civil.
