IDPJ em Grupos Econômicos: O STJ Reafirma as Garantias Processuais no REsp 1.864.620/SP

31 de outubro de 2025

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Introdução à Desconsideração da Personalidade Jurídica: Reforço da Segurança Jurídica pelo STJ

IDPJ em Grupos Econômicos: O STJ Reafirma as Garantias Processuais no REsp 1.864.620/SP

Introdução

A segurança jurídica no ambiente empresarial brasileiro ganhou importante reforço com a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.864.620/SP. O julgamento estabeleceu de forma definitiva que mesmo em relações de consumo, onde existe responsabilidade subsidiária prevista no art. 28, §2º, do CDC, é obrigatória a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) para atingir o patrimônio de empresas do mesmo grupo econômico.

O Contexto da Decisão

O caso envolveu a tentativa de penhora de créditos de uma empresa integrante de grupo econômico, em execução movida contra outra sociedade do mesmo conglomerado. O Tribunal de Justiça de São Paulo havia mantido a constrição sob o argumento de que o art. 28, §2º, do CDC dispensaria o incidente processual, entendimento que foi reformado pelo STJ.

A Decisão do STJ: Garantias Processuais São Inegociáveis

O Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso, estabeleceu distinção fundamental entre direito material e processual. Reconheceu que existe responsabilidade subsidiária entre empresas do grupo econômico em relações de consumo, mas enfatizou que esta previsão material não afasta a necessidade de observância do devido processo legal.

Fundamentos Centrais

  1. Interpretação Sistemática: O §2º do art. 28 do CDC está inserido na seção “Da Desconsideração da Personalidade Jurídica”, indicando que mesmo a responsabilidade subsidiária legal deve observar os procedimentos da desconsideração.

  2. Norma Processual Obrigatória: Os arts. 133 a 137 do CPC/2015 estabelecem procedimento de observância compulsória, garantindo contraditório e ampla defesa antes de qualquer constrição patrimonial.

  3. Precedentes Consolidados: A decisão alinha-se aos julgados REsp 1.776.865/MA e AgInt no REsp 1.875.845/SP, formando jurisprudência sólida sobre o tema.

Base Teórica Relevante

O acórdão cita a doutrina de Fábio Konder Comparato, explicando que “a confusão patrimonial, em maior ou menor grau, é inerente a todo grupo econômico”, com inevitáveis transferências de ativos entre sociedades. Essa realidade justifica a responsabilidade subsidiária prevista em lei, mas não elimina a necessidade de garantias processuais para sua efetivação.

Implicações Práticas da Decisão

Para a Execução de Dívidas

Credores que pretendam alcançar patrimônio de empresas do grupo econômico devem:

  • Instaurar formalmente o IDPJ, mesmo havendo responsabilidade subsidiária prevista em lei

  • Demonstrar insuficiência patrimonial da devedora principal

  • Aguardar citação e manifestação da empresa a ser atingida

  • Preparar-se para dilação temporal e custos adicionais do incidente

Para a Proteção Patrimonial

Empresas integrantes de grupos econômicos devem:

  • Manter contabilidade segregada e registros claros de autonomia operacional

  • Documentar todas as transações intercompanhia com contratos formais

  • Implementar governança corporativa que evidencie independência decisória

  • Preparar defesa prévia para eventual IDPJ com documentação organizada

Aspectos Processuais Relevantes

O IDPJ pode ser instaurado inclusive na fase de cumprimento de sentença (art. 134 do CPC), suspendendo o processo principal durante sua tramitação. A empresa atingida tem prazo de 15 dias para manifestação e produção de provas, com decisão sujeita a agravo de instrumento.

A não observância do procedimento acarreta nulidade absoluta da penhora, com reversão dos ônus sucumbenciais, conforme determinou o STJ no caso analisado.

O Equilíbrio entre Proteção ao Consumidor e Segurança Jurídica

A decisão do STJ não enfraquece a proteção consumerista, mas estabelece que ela deve ser exercida dentro dos limites do devido processo legal. Como destacado no acórdão, citando José Jacob Valente, o CPC/2015 tornou obrigatória a instauração do incidente como forma de garantir o contraditório, não mais permitindo que se postergue o direito de defesa para momento futuro.

Distinção Conceitual Importante

O STJ esclareceu a existência de duas situações distintas:

  • A desconsideração típica, que exige prova de confusão patrimonial ou fraude

  • A responsabilidade subsidiária legal do CDC, que existe independentemente de fraude, mas ainda assim requer o IDPJ para sua efetivação processual

Esta distinção é fundamental para compreender que o procedimento não visa questionar a existência da responsabilidade, mas garantir o direito de defesa quanto à sua aplicação no caso concreto.

Conclusão

O REsp 1.864.620/SP consolida entendimento que oferece maior previsibilidade ao ambiente de negócios. Estabelece que a autonomia patrimonial é regra protegida pelo ordenamento jurídico, apenas afastável mediante procedimento específico que garanta o exercício da ampla defesa, mesmo quando existe previsão legal de responsabilidade subsidiária.

Para o mercado, a mensagem é clara: grupos econômicos devem investir em governança corporativa e documentação adequada, enquanto credores precisam avaliar estrategicamente o custo-benefício de buscar patrimônio de empresas coligadas, considerando os requisitos processuais estabelecidos pelo STJ.

A decisão representa importante evolução jurisprudencial, equilibrando a necessária proteção ao consumidor com a segurança jurídica indispensável ao desenvolvimento empresarial, sempre sob a égide do devido processo legal.


Artigo elaborado pela equipe jurídica da Barbieri Advogados, escritório com 30 anos de atuação em direito empresarial e processual civil.