Hanseníase e Isenção de Imposto de Renda: Direitos dos Aposentados e Pensionistas
Introdução
A hanseníase, doença milenar que ainda representa um desafio de saúde pública no Brasil, está expressamente contemplada na legislação tributária como uma das moléstias que conferem direito à isenção de imposto de renda.
O Brasil ocupa a segunda posição mundial em número de casos, com aproximadamente 30 mil novos diagnósticos anuais. Esta realidade torna essencial o conhecimento dos direitos tributários dos portadores desta enfermidade, especialmente no que se refere aos benefícios previdenciários.
Aspectos Médicos da Hanseníase
A hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae (também conhecida como bacilo de Hansen), que afeta principalmente a pele e os nervos periféricos.
Segundo o Ministério da Saúde, a doença apresenta duas formas principais:
- Multibacilares: formas contagiosas da doença
- Paucibacilares: formas não contagiosas
O período de incubação é prolongado, variando de três a sete anos ou mais.
Principais Sintomas
- Manchas na pele com alteração de sensibilidade
- Dormência e formigamento nos nervos dos braços e pernas
- Perda de pelos e diminuição da transpiração
- Inchaço e dor nas articulações
- Espessamento dos nervos periféricos
- Redução da força muscular
- Ressecamento da pele e olhos
Importante: A hanseníase tem cura. O tratamento adequado com antibióticos elimina a capacidade de transmissão da doença.
Fundamento Legal da Isenção
O direito à isenção está previsto no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, que estabelece a isenção do imposto de renda para:
“os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida”
Interpretação da Lei
A jurisprudência brasileira adota interpretação restritiva da legislação isentiva, conforme o artigo 111 do Código Tributário Nacional, que determina a interpretação literal das normas que concedem isenções tributárias.
Requisitos Fundamentais
Para ter direito à isenção de imposto de renda por hanseníase, o contribuinte deve atender cumulativamente aos seguintes requisitos:
1. Condição de Inatividade
A isenção aplica-se exclusivamente aos rendimentos de aposentadoria, pensão ou reforma. Servidores públicos em atividade não fazem jus ao benefício, mesmo sendo portadores da doença.
Precedentes relevantes:
- TJMA 0806222-34.2019.8.10.0000: Negou o benefício a servidor público ativo
- TJRR 0010080107161: Confirmou que o benefício é restrito aos servidores aposentados
2. Comprovação Médica Adequada
A comprovação da hanseníase deve ser realizada por meio de documentação médica especializada. A Súmula 598 do STJ estabelece que não é imprescindível laudo médico oficial, sendo suficiente a demonstração da doença por outros meios de prova adequados.
Precedentes favoráveis:
- TJSE 202300760216: Determinou que o termo inicial da isenção é a data do diagnóstico
- TJMS 0819441-28.2017: Reconheceu a possibilidade de comprovação por outros documentos
Marco Inicial da Isenção
O estabelecimento do marco inicial é questão fundamental, pois determina a partir de quando o benefício será aplicado e o período para eventual restituição de valores.
Entendimento do STJ
O Superior Tribunal de Justiça consolidou que o termo inicial da isenção é a data do diagnóstico médico, não a data de emissão de laudo oficial ou de deferimento administrativo.
Precedente principal:
- PUIL nº 1923/RS (Rel. Ministro Herman Benjamin): “o termo inicial da isenção do imposto de renda sobre proventos de aposentadoria, para as pessoas com moléstias graves, é a data da comprovação da doença mediante diagnóstico especializado”
Situações Especiais
1. Diagnóstico anterior à aposentadoria: O marco inicial será a data da concessão da aposentadoria, uma vez que o benefício incide exclusivamente sobre rendimentos da inatividade.
2. Diagnóstico posterior à aposentadoria: O marco inicial será a data do próprio diagnóstico, permitindo a restituição dos valores retidos desde então.
Documentação Necessária para Comprovar o Marco Inicial
- Prontuários médicos com a data do primeiro diagnóstico
- Exames laboratoriais que confirmem a presença da bactéria
- Relatórios médicos que atestem o início do tratamento (poliquimioterapia – conjunto de medicamentos para combater a hanseníase)
Aspectos Processuais
Desnecessidade de Requerimento Administrativo Prévio
Seguindo a jurisprudência do STJ, não é necessário esgotar a via administrativa antes de buscar o reconhecimento judicial do direito à isenção, especialmente quando a hanseníase está devidamente comprovada.
Restituição de Valores
Os portadores de hanseníase aposentados ou pensionistas têm direito à restituição dos valores de imposto de renda indevidamente retidos, observado o prazo prescricional de cinco anos, contados da data do diagnóstico ou da aposentadoria, se posterior.
Desafios Jurisprudenciais
A análise da jurisprudência revela alguns desafios específicos:
1. Comprovação da Persistência da Doença
Alguns tribunais têm exigido a demonstração de que a hanseníase permanece ativa ou causando incapacidade. Este entendimento, contudo, contraria a jurisprudência do STJ, que dispensa a contemporaneidade dos sintomas para doenças graves.
Exemplo:
- TJSP 1001496-70.2021: Negou isenção por não demonstrar que permanecia acometida por hanseníase
2. Qualidade da Prova Pericial
A qualidade e conclusividade dos laudos periciais têm sido determinantes para o deferimento do benefício. Laudos inconclusivos podem resultar no indeferimento do pedido.
Considerações Práticas
Para portadores de hanseníase que buscam a isenção de imposto de renda:
Documentação Essencial
- Reunir documentação médica completa que comprove o diagnóstico
- Manter histórico de tratamento
- Preservar toda documentação desde os primeiros sintomas
Timing Adequado
- Aguardar a aposentadoria para fazer jus ao benefício
- Não aguardar procedimentos administrativos que possam retardar o reconhecimento do direito
Orientação Profissional
- Buscar orientação jurídica especializada para garantir a adequada instrução do processo
- Solicitar cópias dos prontuários das unidades de saúde onde foi realizado o diagnóstico
Prescrição
- Observar o prazo prescricional quinquenal para restituição de valores
- Calcular corretamente o período a partir do marco inicial adequado
Conclusão
A hanseníase, embora seja uma doença com tratamento e cura disponíveis, está expressamente contemplada na legislação tributária como condição que confere direito à isenção de imposto de renda.
A jurisprudência, embora adote interpretação restritiva quanto aos requisitos, tem reconhecido este direito quando adequadamente comprovado e preenchidos os requisitos legais. O estabelecimento correto do marco inicial – data do diagnóstico – é fundamental para garantir o pleno exercício dos direitos tributários.
O reconhecimento deste benefício tributário representa não apenas um alívio financeiro para os portadores da doença, mas também uma forma de reconhecimento social da condição especial enfrentada por estes indivíduos, contribuindo para a redução do estigma ainda associado à hanseníase.
Para aposentados, pensionistas e militares reformados portadores de hanseníase, é essencial buscar orientação jurídica qualificada para garantir o pleno exercício deste direito, incluindo a possível restituição de valores indevidamente retidos nos últimos cinco anos.

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