Férias e afastamentos: impactos no período aquisitivo
FÉRIAS E AFASTAMENTOS: IMPACTOS NO PERÍODO AQUISITIVO
Introdução
Afastamentos do empregado durante o período aquisitivo podem suspender ou interromper a contagem do prazo de doze meses para aquisição do direito a férias. A distinção entre estas duas modalidades revela-se fundamental: na suspensão, o tempo de afastamento não conta como trabalhado; na interrupção, conta normalmente.
O artigo 133, inciso IV, da CLT estabelece regra essencial: afastamento superior a seis meses, exceto por acidente de trabalho, acarreta perda do direito a férias do período. O empregado reinicia a contagem do zero após o retorno, desconsiderando o tempo trabalhado antes do afastamento.
Afastamentos por acidente de trabalho constituem exceção expressa (art. 131, III). Independentemente do tempo, o período conta integralmente como trabalhado para fins de férias. Licença-maternidade igualmente não afeta o período aquisitivo.
O controle rigoroso dos afastamentos pelo empregador previne equívocos que podem gerar passivos trabalhistas ou privar empregados de direitos legitimamente adquiridos.
1. Suspensão vs Interrupção do Contrato
1.1. Conceitos Fundamentais
A suspensão representa a paralisação temporária do contrato sem pagamento de salários e sem contagem do tempo como serviço prestado. Durante a suspensão, o vínculo empregatício mantém-se, mas os principais efeitos do contrato cessam temporariamente.
Na interrupção, o empregado afasta-se do trabalho mas recebe normalmente seus salários (ou valores equivalentes) e o tempo de afastamento conta integralmente como tempo de serviço. O período aquisitivo de férias continua fluindo normalmente.
1.2. Impacto no Período Aquisitivo
Afastamentos em suspensão não integram o período aquisitivo. Empregado que trabalhou cinco meses, afastou-se por três meses (suspensão) e retornou, possui apenas cinco meses de período aquisitivo. Deve trabalhar mais sete para completar os doze necessários.
Afastamentos em interrupção somam-se ao tempo trabalhado. Empregado que trabalhou cinco meses, afastou-se por três meses (interrupção) e retornou, possui oito meses de período aquisitivo, restando apenas quatro para completar o direito.
1.3. Regra Geral dos Seis Meses
O artigo 133, inciso IV, da CLT estabelece que não terá direito a férias o empregado que permanecer em gozo de licença, com percepção de salários, por mais de seis meses, ainda que descontínuos. Esta regra vale para afastamentos em geral, exceto acidente de trabalho.
Ultrapassado este limite, perde-se o direito às férias do período aquisitivo em curso. A contagem reinicia do zero após o retorno, desconsiderando integralmente o tempo trabalhado antes do afastamento prolongado.
Exemplo Prático 1:
Empregado trabalhou quatro meses, afastou-se por auxílio-doença comum durante sete meses, retornou ao trabalho.
Análise:
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Afastamento de sete meses supera o limite de seis
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Perde o direito às férias do período em curso
-
Os quatro meses trabalhados antes do afastamento não aproveitam
-
Período aquisitivo reinicia do zero no dia do retorno
-
Deve trabalhar doze meses completos após retorno para adquirir férias
2. Auxílio-Doença Comum
2.1. Suspensão do Contrato de Trabalho
O afastamento por auxílio-doença comum representa suspensão do contrato após os primeiros quinze dias. Durante os quinze dias iniciais, o empregador paga o salário e o período conta como tempo de serviço. A partir do décimo sexto dia, o INSS assume o pagamento e o contrato suspende-se.
Durante a suspensão, o tempo de afastamento não integra o período aquisitivo de férias, que permanece pausado enquanto perdurar o afastamento.
2.2. Afastamento Até Seis Meses
Quando o afastamento por auxílio-doença comum não ultrapassa seis meses, o empregado mantém o direito às férias do período aquisitivo em curso. Após o retorno, a contagem retoma de onde havia parado.
O tempo de afastamento não soma ao período aquisitivo, mas também não o anula. Preserva-se o tempo trabalhado antes do afastamento, devendo o empregado completar os doze meses pela soma do tempo anterior e posterior.
Exemplo Prático 2 – Situação A:
Empregado trabalhou cinco meses, afastou-se por auxílio-doença comum durante quatro meses, retornou ao trabalho.
Análise:
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Afastamento de quatro meses não ultrapassa seis
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Mantém os cinco meses trabalhados antes
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Período aquisitivo permanece com cinco meses
-
Após retorno, deve trabalhar mais sete meses
-
Total: 5 + 7 = 12 meses, completa período aquisitivo
2.3. Afastamento Superior a Seis Meses
Ultrapassado o limite de seis meses, o artigo 133, inciso IV, determina a perda do direito às férias do período aquisitivo em curso. O tempo trabalhado antes do afastamento desconsidra-se integralmente.
Ao retornar, o período aquisitivo reinicia do zero. O empregado deve trabalhar doze meses completos após o retorno para adquirir direito a férias, sem aproveitar qualquer tempo anterior.
Exemplo Prático 2 – Situação B:
Empregado trabalhou cinco meses, afastou-se por auxílio-doença comum durante oito meses, retornou ao trabalho.
Análise:
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Afastamento de oito meses supera o limite de seis
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Perde o direito às férias do período em curso (art. 133, IV)
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Os cinco meses trabalhados antes não aproveitam
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Período aquisitivo reinicia no dia do retorno
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Deve trabalhar doze meses completos após retorno
-
Não soma tempo anterior ao afastamento
2.4. Múltiplos Afastamentos
Múltiplos afastamentos por auxílio-doença comum durante o mesmo período aquisitivo somam-se para verificação do limite de seis meses.
Exemplo: três afastamentos de três meses cada, totalizando nove meses. Embora nenhum afastamento isolado supere seis meses, a soma ultrapassa o limite. O artigo 133, inciso IV, determina a perda do direito às férias do período.
3. Auxílio-Doença Acidentário
3.1. Exceção à Regra dos Seis Meses
O artigo 131, inciso III, da CLT estabelece exceção expressa para afastamentos decorrentes de acidente de trabalho. Durante o afastamento por auxílio-doença acidentário, o período conta integralmente como tempo de serviço para fins de férias, independentemente da duração.
A regra do artigo 133, inciso IV, não vale para acidentes de trabalho. O empregado pode permanecer afastado por tempo superior a seis meses, ou mesmo por anos, sem perder o direito às férias. Todo o tempo de afastamento soma-se ao período aquisitivo.
3.2. Caracterização do Acidente de Trabalho
Considera-se acidente de trabalho aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional. Equiparam-se ao acidente as doenças profissionais e do trabalho.
A caracterização formaliza-se por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e concessão de auxílio-doença acidentário (espécie B91) pelo INSS, distinguindo-se do auxílio-doença comum (espécie B31).
3.3. Diferença Fundamental
|
Tipo de Afastamento |
Tempo Conta? |
Limite 6 Meses? |
Base Legal |
|---|---|---|---|
|
Auxílio-doença comum |
Não |
Sim (perde se > 6) |
Art. 133, IV |
|
Auxílio-doença acidentário |
Sim |
Não (não perde) |
Art. 131, III |
3.4. Impacto no Período Aquisitivo
Exemplo Prático 3:
Empregado trabalhou três meses, sofreu acidente de trabalho, afastou-se por dez meses em auxílio-doença acidentário, retornou ao trabalho.
Análise:
-
Acidente de trabalho: exceção ao limite de seis meses
-
Dez meses de afastamento integram o tempo de serviço
-
Ao retornar, possui treze meses de período aquisitivo (3 + 10)
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Já completou período aquisitivo durante o afastamento
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Tem direito a trinta dias de férias
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Período concessivo iniciou-se após completar doze meses
Diversa seria a situação se o afastamento decorresse de doença comum. Com dez meses de afastamento (superior a seis), perderia o direito às férias, reiniciando a contagem no retorno sem aproveitar os três meses anteriores.
3.5. Garantia de Emprego
O empregado que retorna de afastamento por acidente de trabalho possui garantia de emprego de doze meses (art. 118, Lei 8.213/91). Durante este período, além da estabilidade, mantém todos os direitos trabalhistas, incluindo férias do período aquisitivo completado durante o afastamento.
4. Licença-Maternidade e Paternidade
4.1. Licença-Maternidade
A licença-maternidade possui duração de cento e vinte dias, extensível a cento e oitenta dias nas empresas participantes do Programa Empresa Cidadã. Representa interrupção do contrato de trabalho (art. 131, II, CLT).
Durante a licença-maternidade, o período conta integralmente como tempo de serviço. O período aquisitivo de férias continua fluindo normalmente, somando-se os cento e vinte (ou cento e oitenta) dias ao tempo trabalhado antes e depois da licença.
A empregada recebe salário-maternidade pago pelo INSS, mas este pagamento não descaracteriza a interrupção do contrato. Para fins de férias, o período equivale a tempo efetivamente trabalhado.
4.2. Licença-Paternidade
A licença-paternidade possui duração de cinco dias, extensível a vinte dias para empregados de empresas participantes do Programa Empresa Cidadã. Igualmente representa interrupção do contrato de trabalho.
Os dias de licença-paternidade computam-se como tempo de serviço, não afetando o período aquisitivo de férias. O empregado permanece recebendo normalmente sua remuneração durante o afastamento.
4.3. Impacto no Período Aquisitivo
Exemplo Prático 4:
Empregada trabalhou seis meses, afastou-se para licença-maternidade de cento e vinte dias (quatro meses), retornou ao trabalho.
Análise:
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Licença-maternidade: interrupção (art. 131, II)
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Cento e vinte dias integram o tempo trabalhado
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Período aquisitivo continua fluindo normalmente
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Ao retornar: possui dez meses de período aquisitivo (6 + 4)
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Deve trabalhar mais dois meses
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Completa período aquisitivo normalmente
A empregada não perde qualquer direito em razão da licença-maternidade. O período de afastamento soma-se ao tempo anterior e posterior, permitindo a aquisição regular do direito a férias.
5. Outros Afastamentos
5.1. Afastamentos que Não Afetam o Período Aquisitivo
Diversos afastamentos representam interrupção do contrato, integrando o período aquisitivo de férias:
Férias: O artigo 131, inciso I, estabelece expressamente que o período de férias integra o tempo de serviço. Durante o gozo de férias, o período aquisitivo do ano seguinte continua fluindo normalmente.
Primeiros quinze dias de doença: Enquanto o empregador paga o salário (primeiros quinze dias), o afastamento representa interrupção. Apenas a partir do décimo sexto dia, com auxílio-doença do INSS, configura-se suspensão.
Faltas justificadas: O artigo 473 da CLT enumera situações em que o empregado pode faltar sem prejuízo do salário: até dois dias consecutivos por falecimento de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou dependente; até três dias consecutivos em virtude de casamento; um dia por ano para doação de sangue; até dois dias para alistamento eleitoral; período necessário para comparecimento judicial. Todas estas faltas justificadas integram o tempo de serviço.
Aborto não criminoso: A empregada tem direito a duas semanas de repouso remunerado (art. 395 CLT), período que soma ao tempo de serviço.
5.2. Serviço Militar Obrigatório
O afastamento para cumprimento de serviço militar obrigatório representa suspensão do contrato. Durante o período, o tempo não integra o serviço prestado para fins de férias.
Se o afastamento superar seis meses, o artigo 133, inciso IV, determina a perda do direito. O empregado reinicia a contagem no retorno.
5.3. Suspensão Disciplinar
A suspensão disciplinar, aplicada como penalidade por falta grave, pode ter duração de até trinta dias. Este período não gera perda do direito a férias nos moldes do artigo 133, inciso IV, mas conta como falta injustificada para fins da tabela de redução de dias (art. 130).
O período aquisitivo não reinicia em razão da suspensão disciplinar. O tempo de suspensão simplesmente não conta, devendo o empregado trabalhar posteriormente para completar os doze meses necessários.
5.4. Licença Não Remunerada
Acordos para concessão de licença não remunerada representam suspensão do contrato. O período não integra o tempo de serviço. Se a licença superar seis meses, o artigo 133, inciso IV, determina a perda do direito às férias do período aquisitivo em curso.
5.5. Afastamento para Mandato Sindical
O empregado eleito para cargo de direção ou representação sindical pode afastar-se do trabalho sem prejuízo do emprego e dos direitos trabalhistas. O período de afastamento integra o tempo de serviço para todos os fins, incluindo aquisição de férias.
5.6. Afastamento para Qualificação Profissional
Suspensão do contrato para participação em curso ou programa de qualificação profissional, quando prevista em convenção ou acordo coletivo, não conta como tempo de serviço. Se superior a seis meses, pode acarretar perda do período aquisitivo, dependendo da natureza do afastamento e da regulamentação coletiva.
6. Aspectos Práticos
6.1. Controle de Afastamentos
O empregador deve manter controle rigoroso de todos os afastamentos: data de início, data de término, natureza (doença comum, acidente de trabalho, licença-maternidade) e tempo total.
Este controle permite verificar se o tempo ultrapassa seis meses, momento em que o artigo 133, inciso IV, determina a perda do direito, exceto para acidentes. Múltiplos afastamentos curtos devem ser somados.
Ao retornar o empregado, deve-se recalcular o período aquisitivo. Se o afastamento foi inferior a seis meses e não decorreu de acidente, mantém-se o tempo trabalhado anterior. Se superior a seis meses (exceto acidente), reinicia-se a contagem do zero.
6.2. Erros Comuns
Não diferenciar doença comum de acidente: Consequências opostas – doença comum pode gerar perda após seis meses; acidente sempre conta como tempo trabalhado.
Não somar múltiplos afastamentos: Três afastamentos de três meses cada totalizam nove meses, ultrapassando o limite. A soma deve ser controlada.
Tratar licença-maternidade como suspensão: Licença-maternidade representa interrupção (art. 131, II), integrando o tempo trabalhado. Não há risco de perda.
Aplicar limite ao acidente de trabalho: O artigo 131, inciso III, excepciona expressamente os acidentes. Empregado afastado por dois anos terá este tempo computado para férias.
Não recalcular após retorno: Após afastamento superior a seis meses por doença comum, o período reinicia. Somar incorretamente o tempo anterior gera passivo ou litígio.
6.3. Documentação Essencial
Manter arquivados todos os atestados médicos, comunicações de acidente de trabalho (CAT), cartas de concessão de benefícios previdenciários e documentos que comprovem a natureza e duração dos afastamentos.
Esta documentação serve como base para cálculo correto do período aquisitivo e defesa em eventual fiscalização ou litígio. Especialmente importante distinguir benefícios B31 (doença comum) de B91 (acidente de trabalho) por meio de documentos do INSS.
Conclusão
Afastamentos podem suspender ou interromper o período aquisitivo de férias. Na suspensão, o tempo não conta. Na interrupção, conta normalmente.
O artigo 133, inciso IV, estabelece que afastamento superior a seis meses, exceto por acidente, acarreta perda do direito às férias do período. Acidente de trabalho constitui exceção expressa (art. 131, III): o período conta integralmente, independentemente da duração. Licença-maternidade igualmente representa interrupção.
Auxílio-doença comum, quando superior a seis meses, gera perda do período aquisitivo. Múltiplos afastamentos somam-se para verificação do limite. O controle rigoroso, com correta identificação da natureza e recálculo no retorno, previne passivos trabalhistas e assegura cumprimento das obrigações legais.
Sobre o Autor
Maurício Lindenmeyer Barbieri, sócio da Barbieri Advogados. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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