Entendendo o Leilão Judicial de Imóveis: Procedimentos e Considerações Práticas

11 de julho de 2025

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O leilão judicial de imóveis representa um mecanismo importante para a satisfação de créditos em processos judiciais, especialmente nas execuções. Regulamentado pelos artigos 879 a 903 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), este procedimento permite a conversão de bens imóveis do devedor em recursos financeiros para o pagamento de dívidas. Para quem busca investir em leilão judicial ou entender como participar de leilão judicial, é fundamental conhecer as regras e etapas envolvidas. Em casos específicos, podem incidir normas especiais, como as contidas na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980) e na Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005). Neste artigo, analisamos os aspectos centrais desse instituto, destacando suas etapas principais e apresentando considerações práticas para credores e potenciais arrematantes.

O que é o Leilão Judicial de Imóveis?

O leilão judicial é o procedimento pelo qual um bem imóvel penhorado é oferecido publicamente para venda, mediante lances, com a finalidade de arrecadar recursos para pagar o credor no processo de execução. Diferentemente do leilão extrajudicial (como ocorre na alienação fiduciária), o judicial é presidido por um leiloeiro oficial nomeado pelo juiz, sendo realizado sob a supervisão do Poder Judiciário.

Atualmente, a modalidade de leilão online de imóveis tem se tornado predominante, oferecendo maior acessibilidade e transparência ao processo. Essa evolução tecnológica facilita a participação de interessados de diferentes regiões, ampliando as oportunidades tanto para credores quanto para investidores.

Trata-se de uma etapa do processo de execução, que ocorre após a penhora do imóvel e sua avaliação. Sua principal característica é garantir publicidade e competitividade na alienação do bem, buscando obter o maior valor possível e assegurar tanto os interesses do credor quanto os direitos do devedor.

Etapas do Leilão Judicial de Imóveis

1. Determinação da Venda Judicial

Após a penhora e avaliação do imóvel, o juiz determina a realização do leilão. Esta decisão estabelece as condições específicas da arrematação de imóveis judicial, seguindo as regras gerais previstas no CPC. O juiz pode determinar o leilão de ofício ou a requerimento do exequente.

2. Nomeação do Leiloeiro

O juiz designa um leiloeiro público oficial, credenciado pelo órgão competente, para conduzir o leilão. O leiloeiro é o responsável por divulgar o leilão, organizar a sessão, receber os lances e lavrar o auto de arrematação. Sua remuneração consiste em um percentual sobre o valor da arrematação, normalmente entre 2% e 5%, conforme estabelecido pelo juiz.

3. Edital de Leilão

O edital de leilão é o instrumento que dá publicidade ao ato. Deve conter:

  • Descrição detalhada do imóvel (localização, área, características, ônus, etc.)
  • Valor da avaliação oficial
  • Data, hora e local do leilão (físico e/ou eletrônico)
  • Condições de pagamento e eventual parcelamento
  • Comissão do leiloeiro
  • Informações sobre dívidas que acompanham o imóvel (como IPTU e condomínio)
  • Eventual ocupação do imóvel e como se dará a desocupação

O edital é publicado no Diário da Justiça Eletrônico e em outros meios de divulgação, como o site do Tribunal e do leiloeiro, com antecedência mínima de 5 dias da data designada para o primeiro leilão.

4. Intimação das Partes e Interessados

Além da publicação do edital, é necessária a intimação pessoal:

  • Do executado (devedor)
  • Do exequente (credor)
  • Do cônjuge do executado, se casado for
  • Dos credores com garantia real sobre o imóvel
  • Dos credores com penhora anteriormente averbada
  • Da Fazenda Pública, em caso de dívidas fiscais
  • Do condomínio, em caso de imóvel condominial

5. Realização do Leilão

O leilão pode ocorrer de forma presencial, eletrônica ou híbrida, conforme determinação judicial. A modalidade de leilão online de imóveis tem se tornado cada vez mais comum, especialmente após a pandemia de COVID-19. São realizadas duas hastas públicas:

Primeiro Leilão: O lance mínimo deve ser igual ou superior ao valor de avaliação do imóvel. Se não houver lance nesse valor, procede-se ao segundo leilão.

Segundo Leilão: Ocorre geralmente duas semanas após o primeiro. Neste, o lance mínimo pode ser inferior ao valor de avaliação, mas não pode configurar preço vil. A jurisprudência e a prática forense geralmente estabelecem que o preço vil corresponde a valores inferiores a 50% ou 60% do valor da avaliação, dependendo do tribunal e das circunstâncias do caso. Vejamos:

AGRAVO DE PETIÇÃO. ARREMATAÇÃO. VALOR INFERIOR AO MÍNIMO FIXADO. PREÇO VIL. OCORRÊNCIA. Segundo o art. 891, parágrafo único, do CPC, é vil o preço inferior 50% da avaliação, exceto quando o juiz da execução fixar outro preço mínimo, ainda que inferior a 50%, para a aquisição dos bens leiloados, fazendo-o constar no edital de venda em leilão. Tendo sido o percentual mínimo fixado em edital, até o início do segundo leilão, de 60% do valor da avaliação, deve ser rejeitada a proposta de arrematação em valor inferior, correspondente a 30%, por preço vil, não observada a regra objetivamente disposta. Arrematação nula. Agravo de petição provido. (TRT13; Agravo de Petição – AP 0000116-54.2019.5.13.0001; Relator(a): Marcello Wanderley Maia Paiva; Órgão Julgador: 2ª Turma; Data da Decisão: 31/03/2024; Data de Publicação: 04/07/2024)

ARREMATAÇÃO. PREÇO VIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Com a vigência do Novo Código de Processo Civil foram criados critérios claros e objetivos para a determinação do preço que se considera vil. Para tanto, o artigo 891, parágrafo único, do referido Código estabelece o piso de 50% da avaliação, salvo quando o magistrado estipular diferentemente, fixando preço mínimo para a aquisição dos bens penhorados, valor a ser publicado no edital. In casu, o bem foi arrematado em segundo leilão por valor correspondente a 50% do valor da avaliação, não se tratando, portanto, de preço vil. (TRT3; Agravo de Petição – AP 0011258-07.2017.5.03.0065 (AP); Relator(a): Rosemary de o.pires; Órgão Julgador: Quarta Turma; Data da Decisão: 02/08/2024; Data de Publicação: 02/08/2024)

6. Arrematação e Pagamento

Findo o leilão com lance vencedor, o arrematante deve efetuar o pagamento conforme as condições estabelecidas no edital, que pode ser:

  • À vista: Pagamento integral no prazo estabelecido (geralmente 24 horas a 3 dias)
  • Parcelado: O CPC permite o parcelamento do valor, mediante o pagamento de pelo menos 25% à vista e o restante em até 30 meses, com correção monetária e juros. O imóvel fica hipotecado como garantia até a quitação.

Além do preço, o arrematante deve pagar a comissão do leiloeiro, que não integra o valor da execução.

7. Auto de Arrematação e Carta de Arrematação

Pago o preço, o leiloeiro lavra o auto de arrematação, que deve ser assinado pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro. Posteriormente, é expedida a carta de arrematação, documento que serve para o registro da transferência do imóvel no Registro de Imóveis. A carta de arrematação contém:

  • A descrição do imóvel
  • O valor pelo qual foi arrematado
  • A identificação do arrematante
  • A comprovação do pagamento do imposto de transmissão (ITBI)
  • A certidão de quitação de débitos condominiais (se houver)

8. Imissão na Posse

Se o imóvel estiver ocupado, o arrematante tem direito à imissão na posse, que pode ser determinada liminarmente pelo juiz. Caso necessário, o juiz requisita força policial para a desocupação do imóvel.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. ARREMATAÇÃO DE BEM EM LEILÃO JUDICIAL. CARTA DE ARREMATAÇÃO EXPEDIDA E REGISTRADA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, QUITAÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM E DETERMINAÇÃO DE BAIXA EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. ARREMATAÇÃO QUE SE ENCONTRA PERFEITA, ACABADA E IRRETRATÁVEL. IMÓVEL INDEVIDAMENTE OCUPADO POR EX-FUNCIONÁRIO. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE IMISSÃO NA POSSE QUE CONSTITUI CONSEQUÊNCIA PROCEDIMENTAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 901, §1º E 903, §3º, AMBOS DO CPC. PRECEDENTES DA 1ª CÂMARA RESERVADA DE DIREITO EMPRESARIAL. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2343025-53.2023.8.26.0000; Relator(a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data da Decisão: 10/10/2024; Data de Publicação: 10/10/2024)

Como Participar de Leilão Judicial: Guia Prático

Para quem deseja saber como participar de leilão judicial, é importante seguir alguns passos fundamentais:

1. Cadastro prévio: Na maioria dos leilões online, é necessário cadastro antecipado na plataforma do leiloeiro.

2. Análise do edital: Estude detalhadamente todas as condições, prazos e obrigações.

3. Vistoria do imóvel: Sempre que possível, visite o imóvel ou contrate profissional para fazê-lo.

4. Verificação documental: Consulte a matrícula do imóvel, débitos municipais e situação judicial.

5. Planejamento financeiro: Reserve recursos não apenas para o lance, mas também para custos adicionais.

Aspectos Relevantes

Preferência do Coproprietário

Se o imóvel penhorado pertencer a mais de um proprietário, o coproprietário que não seja parte na execução tem preferência na arrematação pelo valor da avaliação.

Estado do Imóvel e Responsabilidade

O imóvel é arrematado no estado em que se encontra, sendo de responsabilidade do interessado verificar suas condições físicas e regularidade documental. O arrematante não responde por dívidas tributárias anteriores à arrematação, exceto em caso de sucessão empresarial ou quando expressamente previsto no edital.

Dívidas de Condomínio

As dívidas condominiais são obrigações propter rem (acompanham o imóvel). Contudo, conforme entendimento do STJ, o arrematante não responde por débitos condominiais anteriores à arrematação quando se tratar de alienação judicial.

Possibilidade de Impugnação

A arrematação pode ser invalidada, no prazo de 10 dias após a assinatura do auto, em casos de:

  • Nulidade dos atos executivos
  • Não pagamento do preço ou prestação da caução
  • Existência de ônus real não mencionado no edital
  • Vício de consentimento

Evicção e Vícios Redibitórios

Ao contrário do que ocorre nas vendas privadas, o arrematante não pode alegar vícios redibitórios (defeitos ocultos) ou evicção (perda da propriedade por reivindicação de terceiro) na arrematação judicial. Este é um risco assumido pelo arrematante, salvo se houver previsão contrária no edital.

Diferenças entre Leilão Judicial e Extrajudicial

É importante diferenciar o leilão judicial do extrajudicial, que ocorre, por exemplo, nos casos de alienação fiduciária:

  1. Origem e Controle: O judicial é determinado e controlado pelo Poder Judiciário em um processo de execução; o extrajudicial ocorre por força de lei, sem intervenção judicial direta.
  2. Pressupostos: O judicial pressupõe a existência de um processo de execução, penhora e avaliação; o extrajudicial surge do inadimplemento em contratos específicos, como alienação fiduciária.
  3. Regras Aplicáveis: No judicial, aplicam-se as normas do CPC; no extrajudicial, as normas específicas (como a Lei 9.514/97 para alienação fiduciária).
  4. Impugnação: No judicial, as impugnações são apresentadas nos próprios autos da execução; no extrajudicial, é necessário ajuizar ação própria.

Investir em Leilão Judicial: Vantagens e Desvantagens

Vantagens para quem quer Investir em Leilão Judicial

  • Possibilidade de aquisição de imóveis por valores abaixo do mercado
  • Segurança jurídica, por ser um procedimento supervisionado pelo Judiciário
  • Possibilidade de parcelamento do preço
  • Não responsabilização por dívidas anteriores à arrematação (com exceções)
  • Imissão na posse garantida judicialmente
  • Modalidade de leilão online de imóveis facilita participação

Desvantagens

  • Aquisição do imóvel no estado em que se encontra, muitas vezes sem possibilidade de vistoria adequada
  • Risco de posteriores questionamentos por parte do executado
  • Complexidade burocrática para efetivação da transferência
  • Possibilidade de ocupação do imóvel, exigindo procedimentos de desocupação
  • Eventual necessidade de regularização documental do imóvel

Considerações Práticas para Arrematantes

Para quem cogita participar de leilões judiciais de imóveis, algumas considerações práticas são essenciais:

1. Due Diligence do Imóvel: Antes de dar qualquer lance, verifique a situação do imóvel no Registro de Imóveis, prefeitura e outros órgãos relevantes. Pesquise a existência de débitos, ações judiciais e restrições que possam afetar a propriedade.

2. Vistoria Técnica: Sempre que possível, realize uma vistoria ao imóvel ou contrate um profissional para fazê-la. Em muitos casos, os imóveis em leilão apresentam problemas estruturais ou necessitam de reformas significativas.

3. Planejamento Financeiro: Além do valor do lance, reserve recursos para os custos adicionais inevitáveis, como ITBI (geralmente entre 2% e 5%), comissão do leiloeiro (até 5%), custas de registro e eventuais reformas.

4. Risco de Desocupação: Avalie se o imóvel está ocupado e considere os possíveis custos e tempo necessários para uma eventual desocupação, que pode demandar ação judicial específica.

5. Assessoria Jurídica Especializada: A complexidade do procedimento e os riscos envolvidos tornam fundamental o acompanhamento por advogado com experiência em leilões judiciais, que poderá identificar falhas processuais e oportunidades específicas.

Observações Finais

Os leilões judiciais representam um meio importante para a satisfação de créditos em processos de execução e, simultaneamente, oferecem oportunidades para aquisição de imóveis a preços geralmente inferiores aos de mercado. Para quem busca investir em leilão judicial ou entender como participar de leilão judicial, é fundamental conhecer todos os aspectos envolvidos.

A evolução tecnológica, especialmente com a popularização do leilão online de imóveis, democratizou o acesso a essas oportunidades, mas também exigiu maior conhecimento técnico dos interessados. A arrematação de imóveis judicial continua sendo uma modalidade atrativa de investimento, desde que precedida de análise cuidadosa.

Como vimos, esse procedimento apresenta peculiaridades e riscos que exigem conhecimento específico e planejamento cuidadoso. Tanto credores quanto potenciais arrematantes devem estar cientes das nuances procedimentais e dos possíveis obstáculos que podem surgir durante o processo. A diferença entre um bom negócio e um problema duradouro frequentemente reside na capacidade de avaliar corretamente o cenário jurídico e as condições reais do imóvel.

O conhecimento das normas processuais, aliado à análise pragmática das circunstâncias de cada caso, permite que as partes tomem decisões mais acertadas, reduzindo riscos e maximizando as chances de um desfecho positivo.

Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta a um advogado para análise do caso concreto.