Entenda o Split Payment: A Divisão Automática de Pagamentos na Reforma Tributária
Elaborado pela Equipe Tributária da Barbieri Advogados
Entenda o Split Payment: A Divisão Automática de Pagamentos na Reforma Tributária
O que é Split Payment?
O Split Payment, que em tradução literal significa “pagamento dividido”, representa uma das inovações mais significativas da Reforma Tributária brasileira. Este mecanismo revoluciona a forma tradicional de arrecadação de tributos ao promover a divisão automática dos valores no exato momento da transação comercial.
Diferentemente do modelo atual, onde o comerciante recebe o valor integral da venda e posteriormente calcula e recolhe os impostos devidos, o Split Payment estabelece que a parcela correspondente aos tributos seja automaticamente separada e direcionada aos cofres públicos durante a liquidação financeira da operação. Essa mudança fundamental elimina a necessidade de o valor tributário transitar pelo caixa da empresa vendedora.
O sistema funciona através da integração entre os documentos fiscais eletrônicos e os meios de pagamento, criando uma rede automatizada que identifica, calcula e direciona os valores tributários de forma instantânea. Quando uma transação é realizada, o sistema verifica automaticamente a situação tributária do vendedor e executa a divisão do pagamento, assegurando que o montante referente ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) seja transferido diretamente ao governo.
Exemplo prático: em uma compra no valor de R$ 1.000 com carga tributária de 28%, o modelo tradicional permitiria que o vendedor recebesse integralmente os R$ 1.000, ficando responsável por separar posteriormente os R$ 280 destinados ao pagamento dos impostos. Com o Split Payment, essa lógica se inverte completamente. No momento da transação, os R$ 280 são automaticamente direcionados para uma conta específica do Fisco, enquanto os R$ 720 restantes são creditados diretamente ao vendedor.
Esta divisão imediata representa a essência do novo sistema, eliminando a possibilidade de que recursos tributários sejam utilizados como capital de giro pelas empresas. O mecanismo garante que os impostos sejam recolhidos na origem da operação, criando um ambiente de maior segurança jurídica e conformidade fiscal.
A implementação do Split Payment está intrinsecamente ligada à modernização do sistema tributário nacional, aproveitando a infraestrutura tecnológica já consolidada no país, como o sistema de documentos fiscais eletrônicos e a ampla utilização de meios de pagamento digitais, incluindo o PIX.
Como Funciona o Split Payment na Prática
O funcionamento do Split Payment baseia-se em um processo automatizado que integra sistemas de pagamento, documentação fiscal eletrônica e plataformas de arrecadação governamental. Esta integração tecnológica permite que a divisão dos valores ocorra de forma transparente e instantânea, sem interferir significativamente na experiência de compra do consumidor ou na operação comercial do vendedor.
O processo inicia-se no momento em que uma transação comercial é registrada no sistema fiscal eletrônico. Quando o documento fiscal é emitido, o sistema identifica automaticamente os tributos incidentes sobre a operação, calculando com precisão os valores de IBS e CBS que devem ser recolhidos. Estas informações são então transmitidas para o meio de pagamento utilizado na transação, seja PIX, cartão de débito, cartão de crédito ou boleto bancário.
As operadoras de pagamento desempenham papel central neste processo, atuando como intermediárias responsáveis pela execução da divisão automática. Quando o pagamento é processado, estas instituições utilizam códigos específicos previamente estabelecidos pelo sistema tributário para identificar e segregar os valores correspondentes aos impostos. Estes códigos funcionam como identificadores únicos que garantem o direcionamento correto dos recursos para as contas governamentais apropriadas.
A segregação dos pagamentos ocorre através de um mecanismo de conta de saldo zero operado pelo Comitê Gestor, garantindo que os valores arrecadados sejam repassados integralmente aos destinatários corretos. Este sistema assegura que não haja retenção indevida de recursos e que o processo seja transparente para todas as partes envolvidas.
Para operações realizadas com pagamento à vista, o processo é relativamente simples e direto. No momento da liquidação financeira, o sistema automaticamente separa o valor do produto ou serviço do montante tributário, direcionando cada parcela para seu destino apropriado. O vendedor recebe imediatamente o valor líquido da venda, enquanto os tributos são recolhidos simultaneamente.
As operações parceladas apresentam maior complexidade, mas o sistema foi desenvolvido para lidar com estas situações de forma proporcional. Quando uma venda é realizada em parcelas, o Split Payment é aplicado a cada pagamento individual, mantendo a proporcionalidade entre o valor da mercadoria e os tributos devidos. Esta abordagem evita que o comerciante enfrente um impacto desproporcional em seu fluxo de caixa logo no início da operação.
Cronograma de Implementação da Reforma Tributária
A implementação do Split Payment segue um cronograma cuidadosamente estruturado que visa garantir uma transição gradual e segura para o novo sistema tributário. Este planejamento temporal reflete a complexidade da mudança proposta e a necessidade de permitir que empresas, instituições financeiras e órgãos governamentais se adaptem adequadamente às novas regras.
O marco inicial desta transformação foi estabelecido pela Emenda Constitucional nº 132 de 2023, que criou o arcabouço constitucional para a Reforma Tributária sobre o consumo. Esta emenda constitucional estabeleceu os princípios fundamentais do novo sistema, incluindo a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
A regulamentação detalhada do Split Payment está sendo desenvolvida através do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Este projeto de lei complementar detalha os aspectos operacionais do sistema, estabelecendo as regras específicas para funcionamento, responsabilidades dos agentes envolvidos e procedimentos para implementação gradual do mecanismo.
2026: Início da fase de testes do novo sistema tributário. Durante este período, será implementado um projeto piloto da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) com alíquotas mínimas, permitindo que todos os agentes envolvidos testem e ajustem seus sistemas antes da implementação completa.
2027: O Split Payment começará a funcionar de forma efetiva, mas com características distintas dependendo do tipo de operação comercial. Para transações entre empresas (B2B), a adoção será inicialmente facultativa, permitindo que as organizações escolham se desejam utilizar o sistema. Para as vendas diretas ao consumidor final (B2C), especialmente no varejo, o Split Payment será obrigatório e funcionará automaticamente nos principais meios de pagamento eletrônicos.
2027-2033: Período de coexistência entre o sistema tributário atual e o novo modelo. Esta transição se estenderá até 2033, quando os novos tributos (IBS e CBS) substituirão completamente os impostos atuais como ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI.
Benefícios do Split Payment para o Sistema Tributário
O Split Payment representa um avanço significativo na modernização do sistema tributário brasileiro, oferecendo soluções inovadoras para problemas estruturais que há décadas afetam a arrecadação e a justiça fiscal no país.
Combate à sonegação fiscal: O principal objetivo do Split Payment é combater a sonegação fiscal, representando uma mudança paradigmática na forma como o Estado brasileiro enfrenta a evasão tributária. Ao garantir que os impostos sejam recolhidos automaticamente no momento da transação, o sistema elimina a principal oportunidade para práticas sonegadoras, uma vez que o valor tributário não transita pelo caixa da empresa vendedora.
Redução das fraudes fiscais: Particularmente aquelas envolvendo a emissão de notas fiscais falsas ou “notas frias”. Com o Split Payment, a arrecadação torna-se independente da idoneidade do emissor da nota fiscal, pois o tributo é recolhido diretamente na fonte da transação.
Eliminação da inadimplência tributária como estratégia de capital de giro: Tradicionalmente, muitas empresas utilizavam o atraso no pagamento de impostos como forma de financiar suas operações. O Split Payment interrompe definitivamente esta prática, forçando as empresas a buscar fontes legítimas de financiamento.
Eficiência arrecadatória: Com a garantia de recolhimento automático dos tributos, o governo obtém maior previsibilidade orçamentária, permitindo um planejamento fiscal mais preciso e estável.
Simplificação das obrigações tributárias: Com o recolhimento automático, reduz-se drasticamente a necessidade de cálculos complexos, apurações mensais e procedimentos burocráticos relacionados ao pagamento de impostos, especialmente para empresas de menor porte.
Principais Desafios para as Empresas
A implementação do Split Payment, embora represente um avanço significativo para o sistema tributário nacional, traz consigo uma série de desafios operacionais e financeiros que as empresas brasileiras precisarão enfrentar.
Impacto no Fluxo de Caixa
O impacto no fluxo de caixa representa o desafio mais imediato e significativo que as empresas enfrentarão com a implementação do Split Payment. A mudança fundamental na dinâmica de recebimento dos valores de venda alterará profundamente a gestão financeira empresarial, exigindo uma reestruturação completa dos modelos de planejamento de caixa tradicionalmente utilizados.
No modelo atual, as empresas recebem integralmente o valor das vendas e utilizam uma parcela destes recursos como capital de giro durante o período que antecede o pagamento dos impostos. Com o Split Payment, esta fonte de recursos desaparece completamente, forçando as empresas a buscar alternativas para suprir suas necessidades de capital de giro.
A redução imediata do valor recebido por transação pode criar pressões significativas sobre a liquidez empresarial, especialmente para negócios que operam com margens de lucro reduzidas.
Necessidade de Adaptação Tecnológica
A adaptação tecnológica representa outro desafio fundamental para a implementação bem-sucedida do Split Payment. As empresas precisarão investir significativamente em infraestrutura tecnológica para garantir a integração adequada com os sistemas de pagamento que realizarão a divisão automática dos valores tributários.
Os sistemas de gestão empresarial (ERP) atualmente utilizados pela maioria das empresas não foram desenvolvidos para operar com o modelo de Split Payment, exigindo atualizações substanciais ou mesmo substituição completa.
Desafios para Micro e Pequenas Empresas
As micro e pequenas empresas (MPEs) enfrentarão desafios proporcionalmente maiores na adaptação ao Split Payment devido às suas limitações estruturais e financeiras. O acesso limitado a linhas de crédito representa uma vulnerabilidade particular das MPEs diante da redução do capital de giro causada pelo Split Payment.
A capacitação técnica representa outro desafio significativo para as MPEs. Muitas destas empresas não possuem departamentos especializados em tecnologia ou finanças, dependendo de serviços terceirizados ou do conhecimento limitado de seus proprietários para gerenciar questões tributárias e tecnológicas.
Split Payment em Operações Parceladas
As operações parceladas representam uma das situações mais complexas na implementação do Split Payment, exigindo um tratamento diferenciado que equilibre a eficiência arrecadatória com a viabilidade operacional das empresas.
O funcionamento do Split Payment em vendas parceladas baseia-se no princípio da proporcionalidade, onde a retenção dos tributos ocorre de forma distribuída ao longo do período de recebimento das parcelas. Esta abordagem evita que o comerciante enfrente um impacto desproporcional em seu fluxo de caixa logo no momento inicial da venda.
Exemplo: Uma venda de R$ 1.000 com 28% de carga tributária parcelada em dez vezes resultará em cada parcela de R$ 100 sendo automaticamente dividida em R$ 72 para o vendedor e R$ 28 para o Fisco, mantendo a mesma proporção em todas as parcelas.
Esta metodologia proporcional protege especialmente setores que tradicionalmente operam com vendas parceladas, como o varejo de eletrodomésticos, móveis, veículos e outros bens duráveis.
Para operações com entrada inicial seguida de parcelas, o Split Payment aplica-se tanto ao valor da entrada quanto às parcelas subsequentes, mantendo sempre a proporcionalidade estabelecida.
Experiências Internacionais com Split Payment
A análise das experiências internacionais com Split Payment oferece perspectivas valiosas sobre os desafios e oportunidades que o Brasil pode enfrentar na implementação deste mecanismo.
Caso Italiano – Sucesso na Implementação
A Itália representa o caso de maior sucesso na implementação do Split Payment, tendo introduzido o mecanismo inicialmente para transações com o setor público em 2015 e posteriormente expandindo sua aplicação. O sistema italiano foi desenvolvido como resposta aos altos índices de evasão fiscal no país, particularmente no que se refere ao Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
Os resultados obtidos pela Itália demonstraram eficácia significativa no combate à evasão fiscal. O país registrou aumento substancial na arrecadação de IVA nas áreas onde o Split Payment foi implementado, com redução correspondente nos índices de sonegação.
Desafios em Outros Países
A experiência da Bulgária apresenta um contraste significativo com o sucesso italiano. O país implementou um sistema de Split Payment em 2019, mas enfrentou dificuldades técnicas e operacionais que comprometeram sua eficácia, incluindo falhas na integração entre sistemas de pagamento e plataformas fiscais.
A Romênia seguiu trajetória similar à Bulgária, implementando o Split Payment em 2018 mas abandonando o sistema posteriormente devido a complicações operacionais e resistência do setor privado.
Fatores Críticos de Sucesso
A análise das experiências internacionais revela que a infraestrutura tecnológica robusta emerge como elemento fundamental, sendo necessária não apenas para o funcionamento técnico do sistema, mas também para garantir confiabilidade e segurança nas operações.
O contexto brasileiro apresenta características que podem favorecer uma implementação bem-sucedida do Split Payment. O país possui uma infraestrutura tecnológica fiscal avançada, com sistemas consolidados de documentos fiscais eletrônicos que facilitam a integração necessária. A ampla utilização de meios de pagamento digitais, incluindo o PIX, cria condições favoráveis para a implementação da divisão automática de pagamentos.
Preparação Estratégica para Empresas
A implementação do Split Payment exige das empresas brasileiras uma preparação estratégica abrangente que vai muito além da simples adaptação tecnológica.
Planejamento Financeiro
O planejamento financeiro representa o pilar fundamental da preparação empresarial para o Split Payment, exigindo uma reavaliação completa das projeções de fluxo de caixa e estruturas de capital de giro. As empresas precisam desenvolver novos modelos de previsão financeira que considerem a redução imediata no valor recebido por transação.
A elaboração de cenários financeiros detalhados torna-se essencial para compreender o impacto real do Split Payment nas operações empresariais. A renegociação de prazos com fornecedores emerge como estratégia fundamental para compensar a redução no capital de giro disponível.
Investimentos Tecnológicos
Os investimentos tecnológicos representam um dos aspectos mais críticos da preparação para o Split Payment. A atualização dos sistemas de gestão empresarial (ERP) constitui prioridade fundamental, uma vez que estes sistemas precisarão processar informações mais complexas relacionadas à divisão automática de pagamentos.
A integração com plataformas de Split Payment requer desenvolvimento de interfaces específicas que permitam comunicação eficiente entre os sistemas empresariais e as operadoras de pagamento.
Capacitação de Equipes
A capacitação de equipes representa investimento fundamental para garantir que as organizações possam operar eficientemente no novo ambiente tributário. As áreas financeira e contábil requerem treinamento especializado sobre os novos procedimentos de conciliação, controle de fluxo de caixa e gestão de créditos tributários.
A preparação das equipes jurídicas e de compliance torna-se crucial para garantir conformidade com as novas regulamentações e identificar riscos potenciais.
Considerações Finais
O Split Payment representa uma transformação fundamental no sistema tributário brasileiro, com potencial para modernizar significativamente a arrecadação fiscal e promover maior justiça tributária. Embora apresente desafios importantes, especialmente relacionados ao impacto no fluxo de caixa empresarial e à necessidade de adaptação tecnológica, o sistema oferece benefícios substanciais para o ambiente de negócios brasileiro.
As empresas que iniciarem sua preparação desde agora, investindo em planejamento financeiro adequado e adaptação tecnológica, estarão melhor posicionadas para enfrentar a transição e aproveitar as oportunidades do novo sistema tributário.
Este artigo tem caráter meramente informativo e reflete a análise da equipe tributária da Barbieri Advogados sobre o Split Payment com base na legislação atual e projeto em tramitação. Para orientações específicas sobre implementação e adequação empresarial, recomenda-se consulta jurídica especializada.

Equipe de Redação da Barbieri Advogados é responsável pela produção e revisão de conteúdos técnicos, assegurando comunicação clara, precisa e alinhada aos valores institucionais. A Barbieri é inscrita na OAB/RS sob o nº 516.
