EC 103/2019 e Incorporação de Gratificações para Servidores Públicos

03 de novembro de 2025

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EC 103/2019 e Incorporação de Gratificações: Impactos no Serviço Público

EC 103/2019 e Incorporação de Gratificações: Direitos Adquiridos do Servidor Público


Introdução: A Linha Divisória de 13 de Novembro de 2019

Servidores públicos que completaram os requisitos para aposentadoria antes de 13 de novembro de 2019 mantêm o direito à incorporação de gratificações, funções comissionadas e vantagens temporárias, conforme garantido pelo artigo 13 da EC 103/2019. Esta proteção constitucional aplica-se a servidores federais, estaduais e municipais, independentemente de quando ocorreu a aposentadoria efetiva.

A Emenda Constitucional 103/2019 revolucionou a previdência dos servidores públicos brasileiros, estabelecendo o fim das incorporações de gratificações através do novo §9º do artigo 39 da Constituição Federal. Contudo, o legislador constituinte preservou expressamente os direitos já adquiridos, criando uma linha divisória clara: antes e depois de 13/11/2019.

Esta data tornou-se marco definitivo para aproximadamente 11 milhões de servidores públicos em todo o Brasil, determinando quem manteria o direito histórico de incorporar vantagens temporárias aos vencimentos e quem estaria submetido às novas regras, mais rígidas e sem possibilidade de acréscimos permanentes por exercício de funções especiais.

O Que Mudou com a EC 103/2019 na Incorporação de Vantagens

A Nova Redação do Artigo 39, §9º da Constituição

A EC 103/2019 inseriu o §9º no artigo 39 da Constituição Federal com redação categórica e sem margem para interpretações divergentes:

“É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo”

Esta vedação absoluta atinge todas as formas de acréscimos temporários que historicamente podiam ser agregados definitivamente aos vencimentos após determinado período de exercício. As principais vantagens afetadas pela nova regra constitucional incluem:

Funções Gratificadas (FG) – Tradicionalmente incorporáveis após 5 ou 10 anos de exercício, dependendo da legislação de cada ente federativo, essas gratificações representavam importante complemento remuneratório que acompanhava o servidor na aposentadoria.

Cargos de Direção e Assessoramento (DAS, CC, FCC) – No âmbito federal e em diversos estados e municípios, o exercício prolongado de cargos comissionados gerava direito à incorporação proporcional, conhecida como “quintos” ou “décimos”.

Gratificações de Desempenho e Produtividade – Vantagens vinculadas a metas ou regimes especiais de trabalho que, após período estabelecido em lei, integravam-se definitivamente à remuneração.

Regimes Especiais de Trabalho – Como jornadas ampliadas de 40 horas para categorias específicas (professores, profissionais de saúde) que geravam direito à incorporação proporcional.

O artigo 36 da própria EC 103/2019 determinou a aplicação imediata desta vedação para todos os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – uniformizando nacionalmente a proibição e impedindo que legislações locais criassem exceções. Segundo dados do Ministério da Economia à época da aprovação da reforma, esta medida específica geraria economia estimada em R$ 30 bilhões aos cofres públicos em uma década.

Artigo 13 da EC 103/2019: A Proteção ao Direito Adquirido

Análise do Texto Legal e Interpretação dos Tribunais

Consciente do impacto da vedação total às incorporações, o poder constituinte derivado estabeleceu regra de transição expressa e clara no artigo 13 da EC 103/2019:

“Não se aplica o disposto no § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão efetivada até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional”

A palavra-chave neste dispositivo é “efetivada”, que gerou inicialmente algumas controvérsias interpretativas. Administrações públicas mais restritivas tentaram argumentar que apenas incorporações já formalizadas administrativamente antes de 13/11/2019 estariam protegidas. Contudo, os tribunais superiores rapidamente pacificaram entendimento mais favorável aos servidores.

O Supremo Tribunal Federal, aplicando os princípios da segurança jurídica e do direito adquirido, consolidou que “efetivada” refere-se ao direito material implementado – ou seja, ao preenchimento dos requisitos legais para a incorporação – e não necessariamente ao ato administrativo formal de reconhecimento. Esta interpretação alinha-se com a jurisprudência histórica da Corte sobre direitos previdenciários e o princípio de que a Administração não pode beneficiar-se de sua própria demora em reconhecer direitos.

Assim, estabeleceram-se parâmetros claros: o servidor que, em 13 de novembro de 2019, já havia cumprido todos os requisitos previstos na legislação aplicável para incorporar determinada vantagem – tempo de exercício da função, idade mínima, tempo de contribuição – mantém integralmente esse direito, podendo exercê-lo a qualquer momento, mesmo que a aposentadoria ocorra anos depois da reforma.

Princípio Tempus Regit Actum: Fundamentação Jurídica

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

O princípio tempus regit actum – o tempo rege o ato – constitui fundamento basilar do direito previdenciário brasileiro e foi decisivo para a interpretação do artigo 13 da EC 103/2019. O Supremo Tribunal Federal consolidou este entendimento através de precedentes que se tornaram referência obrigatória para todos os tribunais do país.

No julgamento do RE 974195 AgR, de relatoria do Ministro Edson Fachin, a Primeira Turma do STF estabeleceu de forma cristalina:

“Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade”

Este precedente, julgado em 2016, antecipou a lógica que seria aplicada à EC 103/2019. O STF diferenciou com precisão dois conceitos fundamentais: não existe direito adquirido a regime jurídico (as regras podem mudar), mas existe proteção absoluta às condições já implementadas sob regras anteriores.

O leading case RE 563.708/MS aprofundou esta distinção ao estabelecer que o servidor público não pode alegar direito adquirido à manutenção de determinado regime jurídico, mas tem garantia constitucional de que, uma vez preenchidos os requisitos para determinado benefício, este direito incorpora-se definitivamente ao seu patrimônio jurídico.

Na prática, isso significa que o servidor que em novembro de 2019 já contava com 10 anos de exercício em cargo comissionado (quando a lei exigia este tempo para incorporação), mantém o direito mesmo que só venha a se aposentar em 2025 ou 2030. A data relevante não é a do requerimento ou da aposentadoria, mas sim a do cumprimento dos requisitos legais.

Quem Mantém e Quem Perdeu o Direito à Incorporação

Checklist Definitivo para Verificar seu Direito

A aplicação prática do artigo 13 da EC 103/2019 cria duas categorias distintas de servidores, com situações jurídicas diametralmente opostas:

✅ MANTÊM DIREITO INTEGRAL À INCORPORAÇÃO:

  • Servidores com tempo completo para aposentadoria antes de 13/11/2019 – Aqueles que já haviam cumprido todos os requisitos (idade + tempo de contribuição) mantêm direito à incorporação proporcional ao tempo de exercício da função.

  • Beneficiários de abono de permanência antes da EC – O recebimento de abono de permanência constitui prova inequívoca de que todos os requisitos para aposentadoria estavam preenchidos, garantindo o direito.

  • Servidores que exerceram função pelo tempo mínimo legal – Se a legislação local exigia 5 anos de exercício e o servidor já contava com este tempo em novembro de 2019, o direito está preservado, mesmo que continue trabalhando.

  • Incorporações já deferidas administrativamente – Obviamente, direitos já reconhecidos formalmente não podem ser revogados pela nova regra constitucional.

❌ NÃO POSSUEM DIREITO À INCORPORAÇÃO:

  • Servidores que completaram requisitos após 13/11/2019 – Mesmo que por apenas um dia, quem atingiu as condições para aposentadoria após a data limite está submetido à vedação total.

  • Ocupantes de função/cargo comissionado iniciado após a reforma – Qualquer designação posterior à EC 103/2019 já nasce sem possibilidade de incorporação futura.

  • Novos servidores públicos – Todos que ingressaram no serviço público após novembro de 2019 jamais terão direito a qualquer tipo de incorporação.

Como Requerer a Incorporação: Passo a Passo

Documentação e Procedimento Administrativo

Para servidores que mantiveram o direito, o caminho para efetivação da incorporação requer organização documental e fundamentação jurídica adequada:

1. Documentação Essencial:

  • Certidão de tempo de contribuição atualizada, demonstrando cumprimento dos requisitos antes de 13/11/2019

  • Todas as portarias/atos de designação para funções gratificadas ou cargos comissionados

  • Fichas financeiras comprovando o recebimento das vantagens

  • Decisão de concessão de abono de permanência, se aplicável

  • Legislação local que previa o direito à incorporação

2. Requerimento Administrativo: O pedido deve citar expressamente o artigo 13 da EC 103/2019, demonstrando que os requisitos foram cumpridos antes da reforma. É fundamental juntar toda documentação comprobatória e, preferencialmente, citar jurisprudência favorável do STF e tribunais locais.

3. Em Caso de Negativa: Se a Administração negar o pedido, cabe recurso administrativo e, esgotada esta via, ação judicial. O Judiciário tem sido uniforme em garantir o direito quando comprovado o preenchimento dos requisitos antes da EC 103/2019. Importante: existe prazo prescricional de 5 anos para cobrar valores retroativos.

Conclusão: Segurança Jurídica e Proteção Constitucional

A EC 103/2019 representa verdadeiro divisor de águas no regime previdenciário dos servidores públicos brasileiros. Ao vedar completamente as incorporações futuras através do artigo 39, §9º, a reforma encerrou prática histórica que onerava significativamente os cofres públicos. Simultaneamente, o artigo 13 demonstra respeito ao Estado de Direito ao preservar integralmente situações jurídicas já consolidadas.

O Supremo Tribunal Federal e os tribunais de todo o país aplicam uniformemente o princípio tempus regit actum, garantindo que reformas constitucionais, por mais profundas que sejam, não podem retroagir para prejudicar direitos adquiridos. Esta segurança jurídica é pilar fundamental do ordenamento constitucional brasileiro.

Para o servidor que preencheu os requisitos antes de novembro de 2019: seu direito está constitucionalmente protegido e não pode ser negado pela Administração. Documente adequadamente sua situação, formalize o requerimento com fundamentação jurídica sólida e, se necessário, busque a tutela judicial. A jurisprudência está consolidada a seu favor.

Para os demais, a nova realidade impõe planejamento previdenciário diferente, sem a possibilidade de incrementos futuros por exercício de funções especiais. A EC 103/2019 estabeleceu novo paradigma: transparente, uniforme, mas definitivamente menos vantajoso para o servidor público.


Perguntas Frequentes

1. Preciso ter me aposentado antes de 13/11/2019 para ter direito à incorporação? Não. Basta ter completado todos os requisitos para aposentadoria (tempo de serviço, idade, tempo na função) antes dessa data. A aposentadoria pode ocorrer anos depois.

2. O abono de permanência comprova meu direito? Sim. Se você recebia abono de permanência antes de 13/11/2019, isso prova que todos os requisitos estavam preenchidos, garantindo o direito à incorporação.

3. Quanto tempo de função é necessário para incorporar? Depende da legislação de cada ente federativo. Geralmente varia entre 5 e 10 anos. O importante é ter cumprido esse tempo antes da EC 103/2019.

4. Posso cobrar valores retroativos? Sim, respeitado o prazo prescricional de 5 anos. Se seu direito foi negado indevidamente, pode cobrar os valores não pagos dos últimos 5 anos.

5. A EC 103/2019 cancelou incorporações já concedidas? Não. Direitos já reconhecidos e incorporações já deferidas não podem ser revogadas. A vedação aplica-se apenas a situações futuras.