Dolo ou Erro? O Elemento Decisivo Entre Infração Administrativa e Crime Tributário

25 de outubro de 2025

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Introdução: Distinção Essencial entre Infração Administrativa e Crime Tributário

Por Caio Cesar da Silva Oliveira

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogado inscrito na OAB sob o nº 132.362. Advogado da Barbieri Advogados.

Tempo de leitura: 10 minutos

Análise do dolo como elemento distintivo entre irregularidade administrativa e crime tributário e estratégias de demonstração de boa-fé


Este artigo integra série sobre Crimes Tributários e Estratégias de Defesa Empresarial. Leia também:

  • Artigo 1: Possível Configuração de Crime Tributário Antes do Encerramento do Procedimento Fiscal: A Nova Interpretação do STJ

  • Artigo 2: Pagamento ou Parcelamento do Débito Tributário: Estratégias para Extinguir ou Suspender a Punibilidade Penal

  • Artigo 3: Prescrição Antecipada em Crimes Tributários: O Que o Empresário Precisa Saber Sobre o Prazo do Fisco

  • Artigo 4: Crimes Tributários em Operações de Alto Volume: Riscos e Estratégias para Varejo, E-commerce e Serviços

  • Artigo 5: Fiscalização Tributária e Investigação Criminal Simultâneas: Estratégias de Defesa Integrada


I. Introdução

A gestão empresarial no Brasil confronta uma complexidade regulatória crescente, onde a distinção entre falha administrativa e crime tributário pode ser tênue, gerando riscos diretos à liberdade e ao patrimônio do empresário. A proteção da empresa e de seus administradores exige uma compreensão aprofundada da responsabilização penal tributária.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o entendimento sobre crimes tributários, especialmente na emissão de notas fiscais, permitindo uma persecução penal mais rápida para certas condutas. Isso demanda que as empresas reavaliem suas estratégias de conformidade. Este artigo esclarece os riscos e as ferramentas jurídicas para prevenção e atuação diante desses desafios.

II. O Ambiente Jurídico: Entendendo a Base para a Responsabilização

A. Crimes Contra a Ordem Tributária: Visão Geral

A Lei nº 8.137, de 1990, tipifica crimes contra a ordem tributária, estabelecendo condutas que, quando praticadas com dolo específico de fraudar o Fisco, configuram ilícitos penais puníveis com reclusão.

B. Distinção Crucial: Inadimplemento Tributário vs. Sonegação Fiscal

O inadimplemento tributário é a declaração correta, mas sem o pagamento de tributos, sendo infração administrativa. Já a sonegação fiscal, por sua vez, envolve fraude ou artifício doloso para suprimir ou reduzir tributos, configurando crime pela Lei nº 8.137, de 1990. O dolo de fraudar é o elemento distintivo.

C. Elisão, Evasão e Elusão Fiscal: Delimitação Conceitual

A distinção entre essas modalidades é crucial para identificação do dolo:

  • Elisão Fiscal: Planejamento tributário lícito que reduz a carga fiscal sem violar a lei, utilizando-se de lacunas legais ou opções oferecidas pelo próprio legislador. Denota ausência total de dolo, caracterizando exercício legítimo de direito.

  • Evasão Fiscal: Atos ilícitos praticados com intenção clara de fraudar o Fisco, mediante omissão de informações, falsificação de documentos ou outras condutas fraudulentas. Configura crime tributário pela presença inequívoca de dolo.

  • Elusão Fiscal: Situação intermediária e controversa, envolvendo negócios jurídicos atípicos ou complexos para reduzir tributos, violando indiretamente o espírito da lei. A ausência de dolo específico de fraudar pode afastar a responsabilidade penal se houver interpretação jurídica razoável e plausível, ainda que eventualmente rechaçada pelo Fisco. A elusão situa-se na zona cinzenta entre o lícito e o ilícito, onde a demonstração de boa-fé e ausência de intuito fraudulento é decisiva.

D. A Aplicação da Súmula Vinculante nº 24 para a Maioria dos Crimes Tributários (Art. 1º, I-IV, Lei 8.137/90)

A Súmula Vinculante nº 24 do STF condicionava a persecução penal dos crimes do artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137, de 1990, ao lançamento definitivo do tributo. Essa regra processual permitia discutir a dívida administrativamente antes da acusação criminal.

E. Apropriação Indébita Previdenciária e Tributária

Além dos crimes do artigo 1º, a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal) e tributária (art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137, de 1990) consistem na falta de repasse de valores descontados de terceiros. A ausência de fraude inicial não impede a criminalização, pois a apropriação indevida já configura o delito.

III. A Virada Jurisprudencial: O Entendimento do STJ sobre o Artigo 1º, V, da Lei 8.137/90

A proteção processual contra crimes tributários mudou com a nova interpretação do STJ para uma conduta específica, criando um novo paradigma de risco.

A. O Artigo 1º, Inciso V: A Conduta Criminalizada

O artigo 1º, inciso V, da Lei nº 8.137, de 1990, criminaliza a “negação ou não fornecimento, quando obrigatório, de nota fiscal ou documento equivalente, ou seu fornecimento em desacordo com a legislação”, com pena de reclusão de dois a cinco anos. O foco é na obrigação formal de documentar as transações.

B. A Decisão da Sexta Turma do STJ: Natureza Formal do Delito

A Sexta Turma do STJ, no Recurso em Habeas Corpus n. 209.207/GO, classificou o delito do artigo 1º, inciso V, como crime formal. Isso significa que a simples omissão ou o fornecimento incorreto da nota fiscal já o configura, independentemente de resultado material. A apuração foca na falha documental, não na evasão fiscal.

Para o STJ, o artigo 1º, inciso V, protege a integridade da administração tributária e sua capacidade de fiscalização, não apenas a arrecadação. O dever de documentação fiscal é um interesse fundamental do sistema.

A nova interpretação reforça a independência entre as esferas penal e administrativa tributária. Uma investigação criminal pode ser iniciada e prosseguir independentemente do processo administrativo fiscal, exigindo defesa jurídica coordenada em ambas as frentes.

C. Consumação do Delito e Contagem do Prazo Prescricional

Como crime formal, o delito do artigo 1º, inciso V, consuma-se no momento da conduta (não emissão ou emissão incorreta da nota fiscal). O prazo prescricional inicia-se na data do fato delituoso, e não da constituição definitiva do crédito tributário, exigindo maior celeridade na detecção e resolução de problemas.

IV. Dolo vs. Erro: O Elemento Subjetivo como Barreira à Criminalização

Apesar da celeridade na persecução penal, o dolo é central para a configuração dos crimes tributários. A ausência de intenção fraudulenta pode ser a principal linha de defesa.

Nos crimes tributários, o animus fraudandi (intenção de fraudar) é essencial. A Lei nº 8.137, de 1990, visa punir a fraude para suprimir ou reduzir tributos, não o mero inadimplemento. Sem essa intenção, a conduta permanece na esfera administrativa.

Erro ou interpretação razoável da lei podem afastar o crime, pois o Direito Penal exige responsabilidade subjetiva (nullum crimen sine culpa). Inadimplemento fiscal sem fraude, elisão fiscal lícita ou elusão com argumentos jurídicos razoáveis, sem dolo de fraudar, não configuram crime.

Provar que uma falha documental não foi intencional é crucial para a defesa, especialmente com a antecipação da persecução penal. É preciso evidenciar boa-fé e diligência, distinguindo falhas técnicas ou interpretações legítimas de ações deliberadamente fraudulentas.

V. Estratégias de Proteção e Atuação para o Empresário no Novo Cenário

Frente ao novo panorama jurídico, o empresário deve adotar estratégias robustas. Prevenção e atuação jurídica especializada são essenciais.

A. Prevenção: Fortalecendo a Governança e o Compliance

A prevenção, via governança sólida e compliance eficaz, é a primeira linha de defesa:

  • Ecossistema Documental Robusto: Garantir emissão correta, completa e tempestiva de notas fiscais e documentos equivalentes descaracteriza a intenção de ocultar operações.

  • Revisão de Parametrizações Fiscais e Contábeis de Sistemas: Auditorias regulares em sistemas de emissão de notas fiscais e ERPs corrigem erros técnicos, demonstrando diligência.

  • Política de Emissão de Documentos Fiscais Clara e Auditada: Políticas internas transparentes, treinamentos e auditorias demonstram compromisso com a conformidade.

  • Rotinas de Reconciliação Sistemática: Comparação constante de dados operacionais e fiscais ajuda a identificar e corrigir divergências, comprovando boa-fé e transparência em fiscalizações.

B. Reação e Mitigação: Gestão Proativa de Passivos

Em caso de irregularidades, a reação rápida e a gestão proativa do passivo tributário mitigam riscos penais:

  • Diagnóstico Célere do Passivo Tributário: Avaliação urgente da dívida e opções de regularização é imperativa.

  • Pagamento Integral do Débito: Conforme o Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684, de 2003, o pagamento integral do tributo e acessórios pode extinguir a punibilidade dos crimes tributários.

  • Parcelamento: O Art. 9º, caput, da Lei nº 10.684, de 2003, permite que o parcelamento do débito suspenda a pretensão punitiva, oferecendo tempo para defesa, com extinção da punibilidade após cumprimento integral.

C. A Assessoria Jurídica Especializada

A assessoria jurídica especializada é uma necessidade estratégica. Profissionais com conhecimento em Direito Penal Tributário e Econômico são fundamentais para:

  • Análise Integrada de Riscos e Compliance Adaptado: Realizar análises de risco, identificar vulnerabilidades e implementar programas de compliance alinhados à legislação, jurisprudência e especificidades do negócio.

  • Orientação, Negociação e Defesa: Em fiscalizações e investigações, orientar, negociar e construir defesas robustas nas esferas administrativa e criminal, protegendo a empresa e seus administradores.

Conclusão

Esta série de artigos percorreu as múltiplas dimensões dos crimes tributários no Brasil contemporâneo, desde a configuração antecipada do delito formal até a gestão da simultaneidade entre esferas administrativa e penal. Este artigo final abordou o elemento que, em última análise, define a fronteira entre irregularidade administrativa e crime: o dolo.

A nova interpretação do STJ para o artigo 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/1990, ao antecipar a persecução penal para crimes formais de falha documental, acentuou a urgência de rigor na gestão fiscal. Contudo, mesmo diante dessa celeridade processual, o dolo permanece requisito inafastável para a configuração do crime. A distinção entre dolo e erro é central para a defesa contra a criminalização precoce de falhas documentais.

Para o empresário, isso exige estratégia dupla: prevenção rigorosa mediante governança sólida, compliance eficaz e sistemas robustos; e, simultaneamente, construção permanente de provas de boa-fé, diligência e ausência de intenção fraudulenta. A conformidade tributária não é apenas obrigação legal, mas barreira essencial contra riscos penais diretos e acelerados.

Investir em programas de compliance, documentar procedimentos, treinar equipes, buscar orientação técnica especializada e manter auditoria permanente não são meros custos operacionais, mas investimentos estratégicos em blindagem jurídica. Empresas diligentes não apenas evitam sanções administrativas e penais, mas também constroem reputação de integridade, atraindo investidores, clientes e talentos qualificados.

A assessoria jurídica especializada, com domínio técnico de direito penal tributário e experiência na demonstração de ausência de dolo, é parceira indispensável nessa jornada. A proteção eficaz da empresa e de seus administradores exige não apenas conhecimento jurídico profundo, mas também compreensão da realidade operacional do negócio e capacidade de traduzir diligência empresarial em prova de ausência de intenção criminosa.


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Categorias: Direito Penal Econômico | Direito Tributário
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