Doenças Graves e Superpreferência em Precatórios: Conheça seus Direitos

09 de junho de 2025

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Você sabia que portadores de doenças graves têm direito a receber seus precatórios com prioridade? Este benefício, conhecido como superpreferência, pode antecipar significativamente o recebimento de valores devidos pelo poder público. Neste artigo, explicamos detalhadamente quais doenças garantem esse direito e como você pode solicitá-lo.

O que são Precatórios e a Superpreferência

Precatórios são ordens de pagamento expedidas pelo Poder Judiciário para cobrar valores devidos por entes públicos (União, Estados, Municípios e suas autarquias) após condenação judicial definitiva. Normalmente, esses pagamentos seguem uma ordem cronológica rigorosa, o que pode resultar em esperas de anos ou até décadas.

No entanto, a Constituição Federal, em seu artigo 100, §2º, estabelece um mecanismo de prioridade conhecido como superpreferência. Este benefício permite que pessoas em situações específicas de vulnerabilidade recebam seus créditos de forma antecipada, independentemente da posição na fila de pagamentos.

A superpreferência é garantida a três grupos específicos:

·         Pessoas com 60 anos ou mais

·         Pessoas com deficiência

·         Portadores de doenças graves

Base Legal da Superpreferência por Doença Grave

O direito à superpreferência está fundamentado na Constituição Federal e é regulamentado pela Resolução CNJ nº 303/2019, atualizada pela Resolução CNJ nº 482/2022. Estas normas estabelecem os procedimentos para solicitação e concessão deste benefício.

De acordo com o artigo 11 da Resolução CNJ nº 303/2019, considera-se portador de doença grave o beneficiário acometido de moléstia indicada no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/1988, ou portador de doença considerada grave a partir de conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo.

Doenças Graves que Garantem a Superpreferência

A Lei nº 7.713/1988, em seu artigo 6º, inciso XIV, lista as seguintes doenças como graves para fins de prioridade:

1.      Tuberculose ativa

2.      Alienação mental

3.      Esclerose múltipla

4.      Neoplasia maligna (câncer)

5.      Cegueira

6.      Hanseníase

7.      Paralisia irreversível e incapacitante

8.      Cardiopatia grave

9.      Doença de Parkinson

10.  Espondiloartrose anquilosante

11.  Nefropatia grave

12.  Estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante)

13.  Contaminação por radiação

14.  Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)

15.  Hepatopatia grave

Além destas, a legislação abre espaço para “outras doenças consideradas graves com base em conclusão da medicina especializada”, o que tem permitido uma interpretação ampliada pelos tribunais.

Interpretação Ampliada pelos Tribunais

É importante destacar que os tribunais brasileiros têm adotado uma interpretação ampliativa do conceito de doença grave, reconhecendo condições que, embora não estejam expressamente listadas na lei, causam sofrimento significativo e comprometem a qualidade de vida do paciente.

Decisões judiciais recentes têm reconhecido como graves, para fins de superpreferência, doenças como:

·         Diabetes mellitus com complicações graves

·         Artrite reumatoide em estágio avançado

·         Lúpus eritematoso sistêmico

·         Fibromialgia severa

·         Alzheimer

·         Esclerose lateral amiotrófica (ELA)

·         Transtorno depressivo maior refratário a tratamento

·         Sequelas graves de AVC

·         Doenças degenerativas da coluna com comprometimento neurológico

·         Insuficiência renal crônica, mesmo que não em estágio terminal

Esta interpretação ampliada reflete o entendimento de que o objetivo da norma é proteger pessoas em situação de vulnerabilidade por razões de saúde, não se limitando a um rol taxativo de doenças.

Valor da Superpreferência

O valor que pode ser recebido por meio da superpreferência varia conforme o regime de pagamento do ente devedor:

·         Regime Comum: Até o triplo do valor definido como obrigação de pequeno valor (RPV)

·         Regime Especial: Até o quíntuplo do valor definido como obrigação de pequeno valor (RPV)

Por exemplo, se o limite de RPV do ente devedor for de 10 salários mínimos, no regime comum a superpreferência pode chegar a 30 salários mínimos, e no regime especial, a 50 salários mínimos.

Como Comprovar a Doença Grave

Para solicitar a superpreferência por doença grave, é necessário apresentar documentação médica que comprove a condição. Os documentos essenciais incluem:

1.      Laudo médico detalhado: Deve ser emitido por médico especialista na área relacionada à doença, contendo:

·         Diagnóstico preciso com CID (Classificação Internacional de Doenças)

·         Descrição da evolução da doença

·         Tratamentos realizados e em curso

·         Prognóstico

·         Impacto na qualidade de vida e capacidade laborativa

2.      Exames complementares: Que confirmem o diagnóstico (exames de imagem, laboratoriais, etc.)

3.      Histórico de internações: Se houver

4.      Receituários médicos: Demonstrando os medicamentos em uso

Os laudos médicos devem ser recentes, preferencialmente emitidos nos últimos 6 meses, para refletir o estado atual de saúde do beneficiário.

Procedimento para Solicitar a Superpreferência

O procedimento para solicitar a superpreferência varia conforme o estágio do precatório:

Para precatórios ainda não expedidos:

De acordo com o §1º do art. 9º da Resolução CNJ nº 482/2022, antes da expedição do precatório, o pedido de superpreferência deve ser apresentado ao juízo da execução, devidamente instruído com a prova da moléstia grave ou da deficiência, assegurando-se o contraditório.

Passos:

1.      Protocolar petição no processo de execução

2.      Anexar documentação médica comprobatória

3.      Aguardar manifestação da parte contrária (ente público)

4.      Decisão do juiz da execução

5.      Se deferido, o juiz informará a condição de superpreferencial ao expedir o precatório

Para precatórios já expedidos:

Conforme o §3º do art. 9º da Resolução CNJ nº 482/2022, para precatórios já expedidos, o pedido deve ser dirigido ao presidente do tribunal de origem do precatório, que decidirá conforme o regimento interno, assegurando-se o contraditório. É permitida a delegação, pelo tribunal, ao juízo do cumprimento de sentença.

Passos:

1.      Protocolar requerimento administrativo junto à presidência do tribunal

2.      Anexar documentação médica comprobatória

3.      Aguardar manifestação do ente público devedor

4.      Decisão do presidente do tribunal ou juiz delegado

5.      Se deferido, o precatório receberá a marcação de superpreferencial

Limitações Importantes

Existem algumas limitações importantes relacionadas à superpreferência que devem ser observadas:

1.      Vedação de novo pagamento: É proibido novo pagamento da parcela superpreferencial, ainda que por fundamento diverso, mesmo que surgido posteriormente (§6º do art. 9º da Resolução CNJ nº 303/2019).

2.      Reconhecimento único: O reconhecimento da superpreferência somente poderá ocorrer por um motivo, por cumprimento de sentença (§7º do art. 9º, conforme Resolução CNJ nº 482/2022).

3.      Manutenção na ordem cronológica: Os precatórios liquidados parcialmente em razão do pagamento de parcela superpreferencial manterão a posição original na ordem cronológica de pagamento (§5º do art. 9º, conforme Resolução CNJ nº 482/2022).

Dicas Práticas para Aumentar as Chances de Deferimento

Para aumentar as chances de ter seu pedido de superpreferência deferido, considere as seguintes dicas:

1.      Documentação médica completa: Certifique-se de que os laudos médicos sejam detalhados, atuais e emitidos por especialistas reconhecidos.

2.      Relatório médico específico: Solicite ao médico que elabore um relatório específico para fins de superpreferência, destacando a gravidade da doença e suas consequências.

3.      Fundamentação jurídica: Cite decisões recentes de tribunais que reconheceram a doença em questão como grave, especialmente se não estiver expressamente listada na lei.

4.      Acompanhamento regular: Mantenha seus exames e laudos atualizados, realizando consultas periódicas.

5.      Assistência jurídica especializada: Conte com advogados experientes em precatórios, que conheçam as particularidades deste tipo de pedido.

Perguntas Frequentes

É possível acumular a superpreferência por idade e doença grave?

Não. Conforme o §7º do art. 9º da Resolução CNJ nº 482/2022, o reconhecimento da superpreferência somente poderá ocorrer por um motivo, por cumprimento de sentença.

O que acontece se a doença for contraída após o início do processo?

A superpreferência é garantida mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo, conforme expressamente previsto no art. 11, inciso II, da Resolução CNJ nº 303/2019.

Como funciona a superpreferência em caso de falecimento do titular?

Em caso de falecimento do titular do precatório, os herdeiros podem herdar o crédito, mas não o direito à superpreferência, que é personalíssimo. No entanto, se algum dos herdeiros se enquadrar nas condições de superpreferência (idade, deficiência ou doença grave), poderá requerer o benefício em relação à sua cota-parte.

É possível transferir o direito à superpreferência para terceiros?

Não. O direito à superpreferência é personalíssimo e não pode ser transferido a terceiros, nem mesmo em caso de cessão de crédito.

Conclusão

A superpreferência por doença grave representa um importante mecanismo de proteção a pessoas em situação de vulnerabilidade, permitindo que recebam seus créditos de forma prioritária. Os tribunais têm adotado uma interpretação ampliativa do conceito de doença grave, reconhecendo condições que, embora não expressamente listadas na lei, causam sofrimento significativo e comprometem a qualidade de vida.

Para garantir esse direito, é fundamental reunir documentação médica adequada e seguir corretamente os procedimentos estabelecidos pela Resolução CNJ nº 303/2019, atualizada pela Resolução CNJ nº 482/2022.

Lembre-se que cada caso é único e merece análise individualizada por profissionais especializados, que poderão orientar sobre a melhor estratégia para obter o reconhecimento da superpreferência.