Como Ambipar foi de 800% de valorização acionária à beira da recuperação judicial

07 de outubro de 2025

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Introdução ao Caso Ambipar: Ascensão e Queda rumo à Recuperação Judicial

Como Ambipar foi de 800% de valorização acionária à beira da recuperação judicial

  • Crise é vista no mercado como perda de credibilidade, e começou com venda de ‘green bonds’ no exterior

  • Ex-CFO, que saiu dias antes de o problema se aprofundar, tem audiência na CVM nesta segunda-feira (6)

Alexa Salomão

São Paulo

O ano de 2024 foi dourado para a Ambipar. Abriu janeiro com sua oferta internacional de títulos verdes —”green bonds”, em inglês— fazendo sucesso. Inaugurou escritórios em Dubai e Abu Dhabi. Fez parceria com a chinesa BYD. O fundador e controlador Tércio Borlenghi Junior, integrando a comitiva do Lide, de João Doria, até almoçou com o presidente da França, Emmanuel Macron.

As ações da companhia não pararam de subir. Em dezembro, chegaram ao topo de R$ 26,85 na B3, a Bolsa brasileira —dando uma imagem de solidez à companhia que respaldou uma segunda emissões de bônus verdes em janeiro de 2025.

A imagem mostra a fachada de um edifício moderno da Ambipar Group, com grandes janelas espelhadas e uma parede lateral em tom amarelo. Há um jardim bem cuidado na frente, com gramado verde e algumas árvores. No fundo, é possível ver caminhões da empresa estacionados e um céu claro. Uma pessoa está caminhando em direção à entrada do edifício.

Vista de prédio da Ambipar onde são aplicadas tecnologias de energia fotovoltaica e o biodigestão; descarbonização e produção de energia limpa estão na lista de negócios da companhia, focada em gestão ambiental – Divulgação

Na semana que passou, a companhia viveu o reverso da moeda. Envolvida numa disputa judicial criada por ela mesma com os maiores bancos em atividade no país, a companhia viu a ação dar um mergulho abissal. Em cinco dias, preço foi de R$ 10,75 a R$ 1,40. Em relação ao topo, é uma queda de 95%, e o BR Partner foi contratado para evitar uma recuperação judicial em 90 dias.

Procurada pela Folha para responder sobre a situação, a assessoria de imprensa disse que a companhia não se manifestaria.

Criada em 1995, a Ambipar ganhou projeção partir de 2020, promovendo uma acelerada expansão com mais de 70 fusões e aquisições, especialmente de pequenas e médias empresas. O que se conta no setor é que a pressa era tanta que nem faziam avaliação prévia (em inglês due diligence) e, quando havia, o controlador não dava atenção. Pagava e via depois. A estratégia era atuar como consolidadora nesse segmento de negócio.

Em seu site, ela é definida como multinacional brasileira, líder global em soluções ambientais, presente em 40 países, com mais de 20 mil funcionários e faturamento (receita líquida consolidada) de R$ 6,4 bilhões em 2024. Opera com projetos de descarbonização, economia circular, transição energética e regeneração ambiental —a linha de frente dos negócios do século 21.

Homem de meia-idade com cabelo grisalho veste terno escuro, camisa azul clara e gravata vermelha, com os braços cruzados em ambiente interno desfocado.

Tercio Borlenghi Junior, CEO e sócio-fundador do Grupo Ambipar – Tercio Borlenghi/no Linkedin

A percepção é que a companhia encarnou o estilo de Tércio. Descrito como vaidoso, é visto como alguém que prefere as coisas do seu jeito, no lugar e na hora que ele disser. Um folclore desse perfil é que chegou a marcar reuniões simultâneas, com interlocutores de diferentes empresas, num mesmo restaurante, e ficou pulando de mesa em mesa.

Os analistas explicam que identificaram a crise da Ambipar vindo de fora, em setembro, quando o valor daqueles “green bonds” começaram a cair. Alguém estava vendendo com vontade. Analistas passaram a perguntar por que a companhia não entrava comprando, já que as demonstrações financeiras anunciaram que havia R$ 4,7 bilhões em caixa.

Essa relutância já incomodava quando, em dia 24 de setembro, apesar de ter sede em São Paulo, a Ambipar recorreu à 3ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, considerada mais aberta a pleitos corporativos. Nessa petição inicial, pediu medida cautelar para suspender o pagamento a credores por 30 dias, prorrogáveis por mais 30. Apesar de citar problema apenas com uma instituição, o Deutsche Bank, apontou que execuções antecipadas criavam risco de colapso de mais de R$ 10 bilhões.

No centro dessa divergência está a Ambipar Lux, de Luxemburgo, que tem com o Deutsche um empréstimo US$ 35 milhões e três contratos de swap (um tipo de instrumento financeiro usado para fazer proteção contra a variação cambial).

Segundo a Ambipar, o banco alemão havia feito um aditivo, atrelando o pedido de garantias ao desempenho dos “green bonds”. Com a queda no valor desses títulos, cobrava R$ 60 milhões em garantias adicionais. O não pagamento resultaria no vencimento antecipado de todas as dívidas relacionadas aos swaps, que somavam US$ 550 milhões.

A Ambipar questionava a legitimidade da cobrança, alegando o banco exigia garantias muito além dos termos contratuais e já havia drenando mais de R$ 200 milhões em caixa em dias recentes.

O movimento na Justiça do Rio vazou para a Faria Lima, apelido do centro financeiro concentrado nessa avenida em São Paulo —que ligou a luz vermelha, com sirene. O raciocínio é simples: quem tem R$ 4,7 bilhões em caixa não cria confusão por causa de R$ 60 milhões.

No dia seguinte, bem cedo, o juiz já tinha um aviso adicional da Ambipar. Relatava que o banco espanhol Santander havia acionado a execução de cláusulas de vencimento de suas dívidas, antecipando a cobrança e exigindo pagamentos até as 14h daquele mesmo dia.

O juiz, então, acatou o pedido antes das 9h —e uma bola de neve começou a rolar. De lá para cá, outros credores já se manifestaram, em conjunto e em separado, pedindo da suspensão da cautelar. A Folha tem acompanhado os autos. Há manifestações de Itaú, Bradesco, Banco ABC, Banco do Brasil, Sumitomo Mitsui e o já citado Santander que, juntos, teriam a receber cerca de R$ 2 bilhões da Ambipar. Até o Ministério Público Estadual entrou na discussão questionando a decisão do juiz.

Os analistas contam que sempre tiveram o pé atrás com a Ambipar —empresa que cresce depressa demais atrai desconfiança. Mas haviam dado um crédito à companhia por causa do time de executivos escolhido pelo controlador.

Pesou muito a presença de João Arruda, que assumiu como CFO, principal executivo de finanças, em julho do ano passado. Arruda havia trabalhado quase 15 anos no Bank of America. Fortaleceu a imagem da Ambipar até entre investidores estrangeiros.

Três dias antes de a Ambipar recorrer à Justiça, Arruda deixou a companhia. Nesta segunda-feira (6), ele e seus advogados têm audiência privada marcada na SRE da CVM (Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da Comissão de Valores Mobiliários). A assessoria de imprensa confirmou o encontro à Folha.

A leitura atual é que a Ambipar não tinha mesmo a sustentabilidade financeira expressa na valorização das ações, e que a fatura daquela alta artificial começa a ser cobrada.

Para quem não lembra ou não acompanhou: em meados de 2024, as ações da Ambipar embicaram uma valorização espantosa. Foram 863%, de 31 de maio a 19 de agosto. Na época, os analistas mais atentos desconfiaram que essa rápida subida não poderia ser natural.

A percepção foi, posteriormente, confirmada pela CVM. A área técnica emitiu parecer afirmando textualmente que encontrou “indícios claros de atuação em conjunto” entre Tercio, o banco Master, hoje com sérios problemas, e o empresário Nelson Tanure. Produziu um relatório esmiuçando como isso teria ocorrido (leia mais abaixo). Procurados, Master e Tanure não enviaram comentários até a publicação deste texto.

Quem gravita no entorno do mercado de capitais, porém, não esqueceu. “A área técnica da CVM descreveu muito detalhadamente como se deu a alta das ações da Ambipar”, diz José Andrés Lopes da Costa, sócio do DCLC Advogados e especialista em mercado de capitais.

Como ninguém conseguiu localizar em que contas estariam os R$ 4,7 bilhões do caixa da Ambipar, a memória desse caso agora ajudou a espalhar pela Faria Lima que o dinheiro estaria no Banco Master —o que negam pessoas que acompanham o caso pela Ambipar.

Relatório do banco suíço UBS indicou que o estado de ânimo dos investidores, refletido nas ações, tende a migrar da Bolsa para o dia a dia da companhia. Como credibilidade é um item importante também na decisão de negócios ambientais, o banco alertou para o risco de a crise financeira contaminar a operação —afugentando clientes e agravando a situação da companhia nas próximas semanas.

COMO A ÁREA TÉCNICA DA CVM DESCREVEU A ALTA DAS AÇÕES DA AMBIPAR EM 2024

Segundo detalha documento da CVM a que a Folha teve acesso, em março de 2024, foi criado o fundo Phoenix FIP, um veículo de investimento de Nelson Tanure. Esse fundo era gerido pela Trustee DTVM que, então, pertencia ao mesmo grupo econômico do Banco Master.

Em abril, por R$ 1,04 bilhão, esse fundo Phoenix arrematou a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), na primeira privatização do governo do estado de São Paulo sob o comando de Tarcísio de Freitas.

Para financiar a compra das ações da Emae, a Phoenix SA, controlada pelo fundo Phoenix, emitiu debêntures —um tipo título que capta recursos de investidores. As debêntures foram subscritas pelo Master Capital FIM, fundo exclusivo do Banco Master.

Como garantia dessas debêntures foram oferecidas ações da Ambipar –que criaram um emaranhado de cruzamentos.

As ações da Ambipar foram cedidas como garantia para o Master Capital, do banco Master —e não eram quaisquer ações. Eram especificamente as que pertenciam a Tércio, o controlador da companhia, e ao fundo Esna, gerido pela Trustee, ligada ao mesmo Banco Master. Tanure e Tércio também figuraram como fiadores das debêntures.

Pelo descrito nos documentos da CVM, de junho a agosto, o controlador da Ambipar e o Esna, em conjunto com dois outros fundos, Kyra FIA e Texas FIA, também da Trustee, do Master, iniciaram um processo de compra de ações, que turbinaram o valor do papel.

Em setembro, outro fundo entrou nesse novelo: o fundo Ilha de Patmos FIM, identificado como outro veículo de investimentos de Tanure, se tornou cotista do Esna, substituindo o Banco Master. Na sequência, a totalidade das cotas do Esna detidas pelo fundo Ilha de Patmos foi integralizada no fundo Phoenix —aquele fundo que tinha feito a aquisição da Emae.

A área técnica da CVM entendeu que o movimento levou à concentração e reduziu a liquidez no mercado (o chamado free float), que despencou de 30,60% no final de maio para 10,23%, no início de agosto. Como bateu no limite, que exige ao menos um terço de ações em circulação, havia prejuízo aos minoritários. A área técnica cobrava a exigência regulatória de realização de uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) por aumento de participação.

Os envolvidos negaram que atuavam em conjunto ou eram partes relacionadas e afirmavam que, por isso, a OPA não fazia sentido. Recorreram. A discussão no colegiado da CVM gerou controvérsias e reviravoltas. Dias depois de apoiar a área técnica, acatando a manipulação e votando a favor da OPA, o presidente da CVM renunciou. O interino mudou o voto de minerva. O recurso foi aceito pela maioria, e o caso, encerrado 29 de julho deste ano.

Neste domingo (5), um capitulo da história se encerrou. O não pagamento de juros da emissão das debêntures emitidas pela Phoenix levou à execução de garantias —quase 75% das ações ordinárias da Emae, que foram postas à venda e adquiridas pela Sabesp. As demais ordinárias estão com o controlador da Ambipar.