Certidão Negativa de Débito: Direitos, Jurisprudência e Inovações Tecnológicas

21 de agosto de 2025

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Por Barbieri Advogados

Introdução

A Certidão Negativa de Débito (CND) representa um dos instrumentos mais importantes na relação entre o contribuinte e a Fazenda Pública, sendo exigida em diversas situações que vão desde a participação em licitações públicas até a obtenção de benefícios fiscais. Compreender os aspectos jurídicos que envolvem sua emissão e os direitos do contribuinte é fundamental para uma atuação empresarial segura e em conformidade com a legislação tributária.

O que é a Certidão Negativa de Débito

A Certidão Negativa de Débito (CND) é um documento oficial emitido pelos órgãos fazendários que atesta a inexistência de débitos tributários em nome do contribuinte, sendo popularmente conhecida como “nada consta”. Sua função precípua é comprovar a regularidade fiscal da pessoa física ou jurídica perante determinado ente tributante, seja ele a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios.

Tipos de Certidões Negativas

Existem diferentes modalidades de certidões negativas, cada uma emitida por órgão específico:

1. CND da Receita Federal (Certidão Conjunta): Atesta a inexistência de débitos tributários federais e dívida ativa da União, incluindo contribuições previdenciárias.

2. CND do FGTS: Emitida pela Caixa Econômica Federal, confirma que a empresa está em dia com as contribuições ao FGTS.

3. CND Estadual: Emitida pela Secretaria da Fazenda estadual, confirma a inexistência de débitos relacionados a tributos estaduais.

4. CND Municipal: Fornecida pela prefeitura, verifica a inexistência de débitos de tributos municipais.

5. Certidão de Regularidade Trabalhista (CNDT): Emitida pelo Tribunal Superior do Trabalho, comprova que a empresa não possui débitos trabalhistas.

Modalidades da Certidão Federal

A Certidão de Regularidade Fiscal da Receita Federal pode ser emitida em três modalidades:

Certidão Negativa: Indica plena regularidade fiscal, atestando a inexistência completa de débitos tributários inscritos em dívida ativa.

Certidão Positiva com Efeitos de Negativa: Emitida quando existem débitos, mas estes estão com a exigibilidade suspensa (por exemplo, em razão de parcelamento, discussão judicial, etc.).

Certidão Positiva: Há pendências sem suspensão da exigibilidade, impedindo o uso da certidão para fins de comprovação de regularidade fiscal.

Requisitos Legais para Emissão da CND

O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 205, estabelece que a lei poderá exigir que o contribuinte comprove a quitação de determinado tributo para o exercício de atividade ou a prática de atos relacionados com sua atividade. Contudo, essa exigência deve observar princípios constitucionais e limitações legais específicas.

A legislação infraconstitucional, especialmente a Lei nº 8.212/91 e o Decreto nº 8.373/2014, regulamenta as hipóteses de emissão e os critérios para concessão das certidões negativas, estabelecendo que a recusa na emissão deve estar fundamentada em débitos efetivamente constituídos.

Nova Versão do Sistema da Receita Federal – Julho de 2025

Em julho de 2025, a Receita Federal lançou uma nova versão do seu serviço de emissão e consulta da Certidão Negativa de Débitos, representando um marco significativo na modernização dos serviços digitais fazendários. O serviço está disponível no portal Gov.br e apresenta melhorias substanciais para facilitar o acesso dos contribuintes.

Principais Inovações da Nova Plataforma

A nova versão trouxe aprimoramentos importantes:

Interface Modernizada: Sistema mais intuitivo e responsivo, adequado para diferentes dispositivos.

Processo Simplificado: Redução do número de etapas necessárias para emissão da certidão.

Integração Aprimorada: Melhor comunicação entre os sistemas da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Maior Confiabilidade: Sistema mais estável com menor incidência de indisponibilidades.

Como Emitir a CND pela Nova Plataforma

Para emitir a Certidão de Regularidade Fiscal pela nova plataforma da Receita Federal:

  1. Acesso: Entre no site oficial da Receita Federal ou no portal Gov.br
  2. Navegação: Vá até a seção específica de certidões
  3. Seleção: Escolha o tipo de contribuinte (Pessoa Física, Pessoa Jurídica, Imóvel Rural ou Obra de Construção Civil)
  4. Dados: Forneça as informações solicitadas (CPF, CNPJ, etc.)
  5. Emissão: Se estiver tudo em ordem, você poderá emitir e imprimir a certidão diretamente do site

Validade e Prorrogações

A Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela Receita Federal tem validade de 180 dias a partir da data de emissão. É importante destacar as prorrogações excepcionais concedidas:

Portaria Conjunta nº 555 (DOU 24/03/2020) e Portaria Conjunta nº 1.178 (DOU 14/07/2020) prorrogaram o prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos e Certidões Positivas com Efeitos de Negativa válidas na data de sua publicação, demonstrando a sensibilidade da administração tributária em períodos de excepcionalidade.

Finalidades e Importância da CND

A CND possui diversas finalidades essenciais na vida empresarial e pessoal:

Comprovação de Regularidade: Atestado oficial da situação fiscal regular perante a Fazenda Pública.

Participação em Licitações: Requisito obrigatório para habilitação em processos licitatórios.

Transações Empresariais: Essencial em operações de venda, fusão ou aquisição de empresas.

Acesso a Financiamentos: Especialmente exigida por instituições financeiras públicas e para obtenção de linhas de crédito oficial.

Concessão de Benefícios Fiscais: Pré-requisito para adesão a programas de incentivos tributários.

Prevenção de Riscos: Proteção contra surpresas relacionadas a juros, multas e restrições administrativas.

Análise Jurisprudencial: Tendências dos Tribunais Regionais Federais

A análise dos resultados da pesquisa jurisprudencial revela tendências consolidadas nos Tribunais Regionais Federais em relação à emissão de Certidão Negativa de Débito e sua exigibilidade em diversos contextos, especialmente no que tange à concessão de benefícios fiscais e à regularidade de empresas.

Entendimento do TRF4: Proteção aos Direitos do Contribuinte

A jurisprudência do TRF4 demonstra que a exigência de CND deve estar estritamente ligada à existência de um crédito tributário constituído contra o contribuinte. O descumprimento de obrigações acessórias, por si só, não é suficiente para impedir a emissão da CND, conforme se depreende das decisões TRF4 5013242-22.2020.4.04.7200 e TRF4 5001354-35.2020.4.04.7110.

Esta orientação reconhece que:

  1. Obrigações acessórias têm natureza distinta dos tributos propriamente ditos
  2. Multas por obrigações acessórias não constituídas definitivamente não podem obstar a emissão de certidões
  3. Devido processo legal deve ser respeitado antes da recusa na emissão

Entendimento do TRF1: Regularidade Fiscal e Proporcionalidade

A análise dos resultados da pesquisa no TRF1 revela um cenário multifacetado em relação à expedição de Certidões Negativas de Débito (CND) ou Certidões Positivas com Efeitos de Negativa (CPEN), especialmente no contexto de concessões e obrigações tributárias.

A jurisprudência majoritária do TRF1 demonstra que a expedição de CND/CPEN está intrinsecamente ligada à regularidade fiscal do contribuinte. Divergências entre GFIP e GPS são frequentemente apontadas como impedimentos para a emissão das certidões (TRF1 1003269-88.2016.4.01.3400TRF1 0001213-96.2007.4.01.3309TRF1 0031409-38.2005.4.01.3400). O entendimento é que os valores confessados na GFIP já constituem crédito tributário, conforme consolidado pelo STJ em sede de recurso repetitivo (REsp 1042585/RJ).

Nuances e Mitigações

Contudo, existem nuances importantes no entendimento do TRF1:

Exigibilidade Suspensa: A exigência de CND pode ser mitigada em situações específicas, como nos casos em que os débitos estão com a exigibilidade suspensa devido a parcelamentos (TRF1 1002360-21.2017.4.01.3300).

Sanção Política Desproporcional: A jurisprudência tem se mostrado sensível a situações em que a exigência da CND configura uma sanção política desproporcional, como na retirada de sócio minoritário de uma sociedade, especialmente quando a participação é ínfima e não representa risco à arrecadação tributária (TRF1 0007076-75.2012.4.01.3400).

Regime de Drawback: A exigência de nova CND no desembaraço aduaneiro é considerada ilícita se a comprovação da quitação de tributos federais já foi apresentada na concessão do benefício (TRF1 1014021-85.2017.4.01.3400).

Ações Cautelares: Podem ser utilizadas para garantir a expedição de CND/CPEN enquanto débitos previdenciários são discutidos judicialmente, desde que demonstrado o caráter instrumental da medida e o risco de prejuízo irreparável (TRF1 0000384-40.2011.4.01.3903).

Critérios para Recusa Justificada

A recusa no fornecimento da CND somente é justificada quando o crédito tributário estiver definitivamente constituído e sua exigibilidade não estiver suspensa.

Casos Específicos no TRF4

Empresas em Recuperação Judicial

Um ponto recorrente na jurisprudência é a situação de empresas em recuperação judicial. O TRF4 entende que a concessão da recuperação judicial não prejudica o curso da execução fiscal caso a empresa não possua CND (TRF4 5062557-90.2017.4.04.0000).

No entanto, há uma presunção de que a recuperação foi concedida de acordo com os requisitos legais, o que inclui a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários mediante a apresentação da CND. Esta orientação busca equilibrar:

  • A proteção do plano de recuperação judicial
  • Os direitos da Fazenda Pública na cobrança de seus créditos
  • A segurança jurídica do processo recuperacional

PROUNI e Questões de CNPJ

No contexto do Programa Universidade para Todos (PROUNI), a questão do CNPJ da matriz e filiais tem gerado discussões significativas. O TRF4 tem se posicionado no sentido de que, havendo entrave sistêmico no registro do CNPJ, a apresentação da CND da matriz, válida para as filiais, deve ser aceita para fins de adesão ao programa (TRF4 5008627-27.2022.4.04.7100).

Esta orientação reconhece que:

  • Problemas sistêmicos não podem prejudicar direitos do contribuinte
  • A unidade econômica entre matriz e filiais justifica a validade da certidão única
  • O interesse público na expansão do ensino superior deve ser preservado

Registro Imobiliário e CND

Em relação à averbação de empreendimentos no registro imobiliário, a exigência de CND é considerada legítima, conforme o artigo 47, II, da Lei nº 8.212/91 (TRF4 5010527-34.2024.4.04.0000).

Os notários e oficiais de registro têm o dever de fiscalizar o pagamento dos tributos devidos, sendo responsáveis pelo recolhimento das contribuições previdenciárias sobre obras caso não exijam a CND. Esta responsabilização visa:

  • Garantir a arrecadação previdenciária
  • Responsabilizar os agentes públicos delegados
  • Proteger o erário público

DCTF Retificadoras e “Malha Fina”

A inclusão de Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) retificadoras na “malha fina” não impede a emissão da CND, desde que não haja débito constituído e vencido em favor do fisco (TRF4 5003885-07.2023.4.04.7105 e TRF4 5000921-10.2020.4.04.7214).

Esta orientação é fundamental porque:

  • Diferencia entre análise fiscal e débito constituído
  • Preserva direitos do contribuinte durante análises administrativas
  • Evita paralisação de atividades empresariais por questões meramente formais

Direitos do Contribuinte

Direito à Emissão da CND

O contribuinte possui direito líquido e certo à obtenção da certidão negativa quando não possuir débitos constituídos ou quando estes estiverem com a exigibilidade suspensa. Este direito pode ser exercido através de:

Via Administrativa: Requerimento direto aos órgãos competentes, com apresentação da documentação necessária.

Via Judicial: Mandado de segurança quando houver recusa indevida por parte da administração tributária.

Proteção Contra Arbitrariedades

A jurisprudência tem sido firme em coibir arbitrariedades na recusa de emissão de certidões, especialmente quando:

  • A recusa se baseia em débitos não constituídos
  • Há exigência de cumprimento de obrigações acessórias sem amparo legal específico
  • A administração extrapola os limites legais na interpretação das normas

Estratégias Preventivas e Corretivas

Medidas Preventivas

Para evitar problemas relacionados à CND, recomenda-se:

  1. Acompanhamento periódico da situação fiscal junto a todos os entes tributantes
  2. Cumprimento pontual das obrigações principais e acessórias
  3. Monitoramento de prazos de parcelamentos e acordos
  4. Revisão regular da documentação fiscal da empresa
  5. Utilização da nova plataforma da Receita Federal para verificações constantes

Medidas Corretivas

Quando houver recusa indevida na emissão da CND:

  1. Análise técnica dos fundamentos da recusa
  2. Contestação administrativa quando cabível
  3. Ação judicial para garantir o direito à certidão
  4. Regularização dos eventuais débitos pendentes
  5. Aproveitamento das funcionalidades da nova plataforma para acompanhamento da situação

Conclusão

A Certidão Negativa de Débito representa um instrumento fundamental na relação tributária, cuja emissão deve observar rigorosamente os princípios constitucionais e as limitações legais. A análise jurisprudencial dos Tribunais Regionais Federais tem contribuído significativamente para consolidar entendimentos que equilibram os interesses fazendários com os direitos dos contribuintes.

A expedição de CND e CPEN é um tema complexo, permeado por diversas nuances e entendimentos jurisprudenciais. A regularidade fiscal é o principal requisito, mas a proporcionalidade e a razoabilidade na exigência são cada vez mais consideradas pelos tribunais.

TRF4 tende a favorecer a emissão da CND quando não há um crédito tributário constituído e exigível, enfatizando a proteção dos direitos do contribuinte em situações como recuperação judicial, facilitação do acesso ao PROUNI, responsabilização adequada no registro imobiliário e diferenciação entre revisão administrativa e débito constituído.

TRF1 demonstra maior rigor na análise da regularidade fiscal, mas reconhece nuances importantes como mitigação da exigência quando há exigibilidade suspensa, vedação à sanção política desproporcional, proteção em casos de drawback já autorizado e possibilidade de medidas cautelares em discussões judiciais.

Ambos os tribunais convergem no sentido de que a expedição de CND deve ser fundamentada em débitos efetivamente constituídos, respeitando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, mas com diferentes graus de proteção aos direitos do contribuinte.

A modernização do sistema da Receita Federal em julho de 2025 representa um avanço significativo na relação entre contribuinte e Fisco, facilitando o acesso às certidões e promovendo maior transparência nos processos administrativos.

Para empresas e profissionais que atuam em ambiente regulado, o acompanhamento especializado da situação fiscal e o conhecimento dos direitos do contribuinte são essenciais para evitar prejuízos decorrentes de interpretações equivocadas da legislação tributária.

A Barbieri Advogados, com seus trinta anos de experiência em direito tributário e atuação consolidada em contencioso judicial, oferece assessoria especializada para questões relacionadas à regularidade fiscal e defesa dos direitos do contribuinte, sempre pautada pelos princípios da integridade, respeito, trabalho em equipe e profissionalismo que norteiam nossa atuação.