Certidão Negativa de Débito: Direitos, Jurisprudência e Inovações Tecnológicas
Por Barbieri Advogados
Introdução
A Certidão Negativa de Débito (CND) representa um dos instrumentos mais importantes na relação entre o contribuinte e a Fazenda Pública, sendo exigida em diversas situações que vão desde a participação em licitações públicas até a obtenção de benefícios fiscais. Compreender os aspectos jurídicos que envolvem sua emissão e os direitos do contribuinte é fundamental para uma atuação empresarial segura e em conformidade com a legislação tributária.
O que é a Certidão Negativa de Débito
A Certidão Negativa de Débito (CND) é um documento oficial emitido pelos órgãos fazendários que atesta a inexistência de débitos tributários em nome do contribuinte, sendo popularmente conhecida como “nada consta”. Sua função precípua é comprovar a regularidade fiscal da pessoa física ou jurídica perante determinado ente tributante, seja ele a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios.
Tipos de Certidões Negativas
Existem diferentes modalidades de certidões negativas, cada uma emitida por órgão específico:
1. CND da Receita Federal (Certidão Conjunta): Atesta a inexistência de débitos tributários federais e dívida ativa da União, incluindo contribuições previdenciárias.
2. CND do FGTS: Emitida pela Caixa Econômica Federal, confirma que a empresa está em dia com as contribuições ao FGTS.
3. CND Estadual: Emitida pela Secretaria da Fazenda estadual, confirma a inexistência de débitos relacionados a tributos estaduais.
4. CND Municipal: Fornecida pela prefeitura, verifica a inexistência de débitos de tributos municipais.
5. Certidão de Regularidade Trabalhista (CNDT): Emitida pelo Tribunal Superior do Trabalho, comprova que a empresa não possui débitos trabalhistas.
Modalidades da Certidão Federal
A Certidão de Regularidade Fiscal da Receita Federal pode ser emitida em três modalidades:
Certidão Negativa: Indica plena regularidade fiscal, atestando a inexistência completa de débitos tributários inscritos em dívida ativa.
Certidão Positiva com Efeitos de Negativa: Emitida quando existem débitos, mas estes estão com a exigibilidade suspensa (por exemplo, em razão de parcelamento, discussão judicial, etc.).
Certidão Positiva: Há pendências sem suspensão da exigibilidade, impedindo o uso da certidão para fins de comprovação de regularidade fiscal.
Requisitos Legais para Emissão da CND
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 205, estabelece que a lei poderá exigir que o contribuinte comprove a quitação de determinado tributo para o exercício de atividade ou a prática de atos relacionados com sua atividade. Contudo, essa exigência deve observar princípios constitucionais e limitações legais específicas.
A legislação infraconstitucional, especialmente a Lei nº 8.212/91 e o Decreto nº 8.373/2014, regulamenta as hipóteses de emissão e os critérios para concessão das certidões negativas, estabelecendo que a recusa na emissão deve estar fundamentada em débitos efetivamente constituídos.
Nova Versão do Sistema da Receita Federal – Julho de 2025
Em julho de 2025, a Receita Federal lançou uma nova versão do seu serviço de emissão e consulta da Certidão Negativa de Débitos, representando um marco significativo na modernização dos serviços digitais fazendários. O serviço está disponível no portal Gov.br e apresenta melhorias substanciais para facilitar o acesso dos contribuintes.
Principais Inovações da Nova Plataforma
A nova versão trouxe aprimoramentos importantes:
Interface Modernizada: Sistema mais intuitivo e responsivo, adequado para diferentes dispositivos.
Processo Simplificado: Redução do número de etapas necessárias para emissão da certidão.
Integração Aprimorada: Melhor comunicação entre os sistemas da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Maior Confiabilidade: Sistema mais estável com menor incidência de indisponibilidades.
Como Emitir a CND pela Nova Plataforma
Para emitir a Certidão de Regularidade Fiscal pela nova plataforma da Receita Federal:
- Acesso: Entre no site oficial da Receita Federal ou no portal Gov.br
- Navegação: Vá até a seção específica de certidões
- Seleção: Escolha o tipo de contribuinte (Pessoa Física, Pessoa Jurídica, Imóvel Rural ou Obra de Construção Civil)
- Dados: Forneça as informações solicitadas (CPF, CNPJ, etc.)
- Emissão: Se estiver tudo em ordem, você poderá emitir e imprimir a certidão diretamente do site
Validade e Prorrogações
A Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela Receita Federal tem validade de 180 dias a partir da data de emissão. É importante destacar as prorrogações excepcionais concedidas:
Portaria Conjunta nº 555 (DOU 24/03/2020) e Portaria Conjunta nº 1.178 (DOU 14/07/2020) prorrogaram o prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos e Certidões Positivas com Efeitos de Negativa válidas na data de sua publicação, demonstrando a sensibilidade da administração tributária em períodos de excepcionalidade.
Finalidades e Importância da CND
A CND possui diversas finalidades essenciais na vida empresarial e pessoal:
Comprovação de Regularidade: Atestado oficial da situação fiscal regular perante a Fazenda Pública.
Participação em Licitações: Requisito obrigatório para habilitação em processos licitatórios.
Transações Empresariais: Essencial em operações de venda, fusão ou aquisição de empresas.
Acesso a Financiamentos: Especialmente exigida por instituições financeiras públicas e para obtenção de linhas de crédito oficial.
Concessão de Benefícios Fiscais: Pré-requisito para adesão a programas de incentivos tributários.
Prevenção de Riscos: Proteção contra surpresas relacionadas a juros, multas e restrições administrativas.
Análise Jurisprudencial: Tendências dos Tribunais Regionais Federais
A análise dos resultados da pesquisa jurisprudencial revela tendências consolidadas nos Tribunais Regionais Federais em relação à emissão de Certidão Negativa de Débito e sua exigibilidade em diversos contextos, especialmente no que tange à concessão de benefícios fiscais e à regularidade de empresas.
Entendimento do TRF4: Proteção aos Direitos do Contribuinte
A jurisprudência do TRF4 demonstra que a exigência de CND deve estar estritamente ligada à existência de um crédito tributário constituído contra o contribuinte. O descumprimento de obrigações acessórias, por si só, não é suficiente para impedir a emissão da CND, conforme se depreende das decisões TRF4 5013242-22.2020.4.04.7200 e TRF4 5001354-35.2020.4.04.7110.
Esta orientação reconhece que:
- Obrigações acessórias têm natureza distinta dos tributos propriamente ditos
- Multas por obrigações acessórias não constituídas definitivamente não podem obstar a emissão de certidões
- Devido processo legal deve ser respeitado antes da recusa na emissão
Entendimento do TRF1: Regularidade Fiscal e Proporcionalidade
A análise dos resultados da pesquisa no TRF1 revela um cenário multifacetado em relação à expedição de Certidões Negativas de Débito (CND) ou Certidões Positivas com Efeitos de Negativa (CPEN), especialmente no contexto de concessões e obrigações tributárias.
A jurisprudência majoritária do TRF1 demonstra que a expedição de CND/CPEN está intrinsecamente ligada à regularidade fiscal do contribuinte. Divergências entre GFIP e GPS são frequentemente apontadas como impedimentos para a emissão das certidões (TRF1 1003269-88.2016.4.01.3400, TRF1 0001213-96.2007.4.01.3309, TRF1 0031409-38.2005.4.01.3400). O entendimento é que os valores confessados na GFIP já constituem crédito tributário, conforme consolidado pelo STJ em sede de recurso repetitivo (REsp 1042585/RJ).
Nuances e Mitigações
Contudo, existem nuances importantes no entendimento do TRF1:
Exigibilidade Suspensa: A exigência de CND pode ser mitigada em situações específicas, como nos casos em que os débitos estão com a exigibilidade suspensa devido a parcelamentos (TRF1 1002360-21.2017.4.01.3300).
Sanção Política Desproporcional: A jurisprudência tem se mostrado sensível a situações em que a exigência da CND configura uma sanção política desproporcional, como na retirada de sócio minoritário de uma sociedade, especialmente quando a participação é ínfima e não representa risco à arrecadação tributária (TRF1 0007076-75.2012.4.01.3400).
Regime de Drawback: A exigência de nova CND no desembaraço aduaneiro é considerada ilícita se a comprovação da quitação de tributos federais já foi apresentada na concessão do benefício (TRF1 1014021-85.2017.4.01.3400).
Ações Cautelares: Podem ser utilizadas para garantir a expedição de CND/CPEN enquanto débitos previdenciários são discutidos judicialmente, desde que demonstrado o caráter instrumental da medida e o risco de prejuízo irreparável (TRF1 0000384-40.2011.4.01.3903).
Critérios para Recusa Justificada
A recusa no fornecimento da CND somente é justificada quando o crédito tributário estiver definitivamente constituído e sua exigibilidade não estiver suspensa.
Casos Específicos no TRF4
Empresas em Recuperação Judicial
Um ponto recorrente na jurisprudência é a situação de empresas em recuperação judicial. O TRF4 entende que a concessão da recuperação judicial não prejudica o curso da execução fiscal caso a empresa não possua CND (TRF4 5062557-90.2017.4.04.0000).
No entanto, há uma presunção de que a recuperação foi concedida de acordo com os requisitos legais, o que inclui a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários mediante a apresentação da CND. Esta orientação busca equilibrar:
- A proteção do plano de recuperação judicial
- Os direitos da Fazenda Pública na cobrança de seus créditos
- A segurança jurídica do processo recuperacional
PROUNI e Questões de CNPJ
No contexto do Programa Universidade para Todos (PROUNI), a questão do CNPJ da matriz e filiais tem gerado discussões significativas. O TRF4 tem se posicionado no sentido de que, havendo entrave sistêmico no registro do CNPJ, a apresentação da CND da matriz, válida para as filiais, deve ser aceita para fins de adesão ao programa (TRF4 5008627-27.2022.4.04.7100).
Esta orientação reconhece que:
- Problemas sistêmicos não podem prejudicar direitos do contribuinte
- A unidade econômica entre matriz e filiais justifica a validade da certidão única
- O interesse público na expansão do ensino superior deve ser preservado
Registro Imobiliário e CND
Em relação à averbação de empreendimentos no registro imobiliário, a exigência de CND é considerada legítima, conforme o artigo 47, II, da Lei nº 8.212/91 (TRF4 5010527-34.2024.4.04.0000).
Os notários e oficiais de registro têm o dever de fiscalizar o pagamento dos tributos devidos, sendo responsáveis pelo recolhimento das contribuições previdenciárias sobre obras caso não exijam a CND. Esta responsabilização visa:
- Garantir a arrecadação previdenciária
- Responsabilizar os agentes públicos delegados
- Proteger o erário público
DCTF Retificadoras e “Malha Fina”
A inclusão de Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) retificadoras na “malha fina” não impede a emissão da CND, desde que não haja débito constituído e vencido em favor do fisco (TRF4 5003885-07.2023.4.04.7105 e TRF4 5000921-10.2020.4.04.7214).
Esta orientação é fundamental porque:
- Diferencia entre análise fiscal e débito constituído
- Preserva direitos do contribuinte durante análises administrativas
- Evita paralisação de atividades empresariais por questões meramente formais
Direitos do Contribuinte
Direito à Emissão da CND
O contribuinte possui direito líquido e certo à obtenção da certidão negativa quando não possuir débitos constituídos ou quando estes estiverem com a exigibilidade suspensa. Este direito pode ser exercido através de:
Via Administrativa: Requerimento direto aos órgãos competentes, com apresentação da documentação necessária.
Via Judicial: Mandado de segurança quando houver recusa indevida por parte da administração tributária.
Proteção Contra Arbitrariedades
A jurisprudência tem sido firme em coibir arbitrariedades na recusa de emissão de certidões, especialmente quando:
- A recusa se baseia em débitos não constituídos
- Há exigência de cumprimento de obrigações acessórias sem amparo legal específico
- A administração extrapola os limites legais na interpretação das normas
Estratégias Preventivas e Corretivas
Medidas Preventivas
Para evitar problemas relacionados à CND, recomenda-se:
- Acompanhamento periódico da situação fiscal junto a todos os entes tributantes
- Cumprimento pontual das obrigações principais e acessórias
- Monitoramento de prazos de parcelamentos e acordos
- Revisão regular da documentação fiscal da empresa
- Utilização da nova plataforma da Receita Federal para verificações constantes
Medidas Corretivas
Quando houver recusa indevida na emissão da CND:
- Análise técnica dos fundamentos da recusa
- Contestação administrativa quando cabível
- Ação judicial para garantir o direito à certidão
- Regularização dos eventuais débitos pendentes
- Aproveitamento das funcionalidades da nova plataforma para acompanhamento da situação
Conclusão
A Certidão Negativa de Débito representa um instrumento fundamental na relação tributária, cuja emissão deve observar rigorosamente os princípios constitucionais e as limitações legais. A análise jurisprudencial dos Tribunais Regionais Federais tem contribuído significativamente para consolidar entendimentos que equilibram os interesses fazendários com os direitos dos contribuintes.
A expedição de CND e CPEN é um tema complexo, permeado por diversas nuances e entendimentos jurisprudenciais. A regularidade fiscal é o principal requisito, mas a proporcionalidade e a razoabilidade na exigência são cada vez mais consideradas pelos tribunais.
O TRF4 tende a favorecer a emissão da CND quando não há um crédito tributário constituído e exigível, enfatizando a proteção dos direitos do contribuinte em situações como recuperação judicial, facilitação do acesso ao PROUNI, responsabilização adequada no registro imobiliário e diferenciação entre revisão administrativa e débito constituído.
O TRF1 demonstra maior rigor na análise da regularidade fiscal, mas reconhece nuances importantes como mitigação da exigência quando há exigibilidade suspensa, vedação à sanção política desproporcional, proteção em casos de drawback já autorizado e possibilidade de medidas cautelares em discussões judiciais.
Ambos os tribunais convergem no sentido de que a expedição de CND deve ser fundamentada em débitos efetivamente constituídos, respeitando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, mas com diferentes graus de proteção aos direitos do contribuinte.
A modernização do sistema da Receita Federal em julho de 2025 representa um avanço significativo na relação entre contribuinte e Fisco, facilitando o acesso às certidões e promovendo maior transparência nos processos administrativos.
Para empresas e profissionais que atuam em ambiente regulado, o acompanhamento especializado da situação fiscal e o conhecimento dos direitos do contribuinte são essenciais para evitar prejuízos decorrentes de interpretações equivocadas da legislação tributária.
A Barbieri Advogados, com seus trinta anos de experiência em direito tributário e atuação consolidada em contencioso judicial, oferece assessoria especializada para questões relacionadas à regularidade fiscal e defesa dos direitos do contribuinte, sempre pautada pelos princípios da integridade, respeito, trabalho em equipe e profissionalismo que norteiam nossa atuação.
