Burnout no Trabalho: Seus Direitos a Benefícios, Estabilidade e Indenização

23 de outubro de 2025

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Introdução ao Burnout no Trabalho: Entenda a Importância do Tema

Você acorda cansado, mesmo após dormir. A ansiedade aperta o peito antes de entrar no trabalho. Aquela energia que você tinha simplesmente desapareceu, e tudo parece sem sentido. Quando o médico diz “você está com burnout”, o alívio de ter um diagnóstico vem acompanhado de preocupações urgentes: posso me afastar? Vou perder meu emprego? Como vou pagar as contas? Tenho direito a algum benefício?

Essas dúvidas afligem milhares de brasileiros. O Brasil é o segundo país com mais casos de síndrome de burnout no mundo, e as ações trabalhistas sobre o tema cresceram 14,5% em 2025. Muitos trabalhadores perdem direitos fundamentais por desconhecimento ou orientação inadequada no momento de maior vulnerabilidade.

Este artigo esclarece, de forma técnica e acessível, todos os direitos previdenciários e trabalhistas de quem enfrenta burnout ocupacional: como funciona o auxílio-doença acidentário, a estabilidade no emprego, as indenizações cabíveis e, principalmente, como comprovar que sua condição está relacionada ao trabalho.


1. Burnout Como Doença Ocupacional

Desde janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde reconhece oficialmente o burnout na CID-11 sob o código QD85 – Síndrome do Esgotamento Profissional. Essa inclusão transformou o burnout em doença ocupacional com implicações jurídicas concretas para trabalhadores e empregadores.

O Que Caracteriza o Burnout?

A síndrome manifesta-se por três dimensões interdependentes:

Exaustão emocional: Esgotamento persistente que não melhora com descanso, fadiga crônica e incapacidade de recuperação mesmo após férias.

Despersonalização: Atitudes negativas, distantes e cínicas em relação ao trabalho, colegas e clientes, com perda do sentido do trabalho realizado.

Redução da realização profissional: Sentimento de incompetência e baixa autoestima profissional, mesmo quando o desempenho é objetivamente adequado.

A OMS especifica que o burnout “refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional”, estabelecendo o nexo causal entre a síndrome e o ambiente de trabalho.

 

 

Diferença Entre Estresse e Burnout

O estresse é resposta adaptativa a demandas pontuais, caracterizado por hiperativação (“preciso fazer tudo agora”). O burnout representa o estágio final de deterioração psicológica causada por estresse crônico não gerenciado, manifestando-se por desengajamento (“não consigo mais, nada faz sentido”).

Equiparação a Acidente de Trabalho

A Lei nº 8.213/1991 equipara doenças ocupacionais a acidentes de trabalho. Essa equiparação produz consequências jurídicas fundamentais:

  • Direito ao auxílio-doença acidentário (B-91) em vez do comum (B-31)

  • Estabilidade de 12 meses após retorno ao trabalho

  • Manutenção do FGTS durante o afastamento

  • Contagem integral do tempo para aposentadoria

  • Possibilidade de responsabilização civil do empregador

Fatores de Risco Ocupacionais

Pesquisas identificaram condições organizacionais que aumentam significativamente o risco de burnout:

  • Sobrecarga com metas inatingíveis e prazos irrealistas

  • Falta de controle e autonomia sobre o próprio trabalho

  • Recompensa insuficiente (financeira e de reconhecimento)

  • Conflitos interpessoais e competição destrutiva

  • Ausência de justiça organizacional (favoritismo, arbitrariedade)

  • Assédio moral sistemático

  • Insegurança no emprego com ameaças constantes

Setores como saúde, educação, tecnologia, advocacia, atendimento ao cliente e serviços financeiros apresentam prevalência significativamente maior.


2. Auxílio-Doença Acidentário (B-91)

auxílio-doença acidentário é o benefício devido ao trabalhador temporariamente incapacitado por burnout ocupacional.

Requisitos para Concessão

  • Qualidade de segurado do RGPS

  • Incapacidade temporária para o trabalho superior a 15 dias

  • Nexo causal entre o burnout e o trabalho

  • Dispensa de carência mínima (diferencial crucial)

Valor e Duração

Valor: 91% do salário de benefício (média de 100% dos salários de contribuição desde julho/1994).

Duração: Enquanto persistir a incapacidade temporária, com perícias periódicas de prorrogação.

Diferenças Entre B-91 e B-31

A distinção entre auxílio-doença acidentário (B-91) e comum (B-31) produz impactos profundos:

Aspecto

B-91 (Acidentário)

B-31 (Comum)

Carência

Dispensada

12 contribuições

Estabilidade

12 meses após retorno

Não há

FGTS

Mantido

Suspenso

Tempo de contribuição

Conta integralmente

Não conta

Auxílio-acidente

Possível

Não aplicável

 

Como Converter B-31 em B-91

Quando o INSS concede equivocadamente B-31 em casos de burnout ocupacional:

Via administrativa:

  • Recurso ao CRPS no prazo de 30 dias

  • Pedido de revisão com documentação complementar

  • Apresentação de CAT emitida posteriormente

 

Via judicial:

  • Ação na Justiça Federal com nova perícia

  • Efeitos retroativos à data do afastamento

  • Depósito retroativo do FGTS


3. Aposentadoria e Auxílio-Acidente

Aposentadoria por Incapacidade Permanente

Quando o burnout evolui para incapacidade permanente e irreversível:

Requisitos:

  • Incapacidade total e permanente comprovada por perícia

  • Impossibilidade de reabilitação para outra atividade

  • Dispensa de carência quando de natureza acidentária

Valor:

  • Aposentadoria acidentária: 100% da média dos salários de contribuição

  • Aposentadoria comum: 60% + 2% por ano excedente (20 anos homens/15 anos mulheres)

Auxílio-Acidente

Benefício indenizatório devido quando há sequelas permanentes que reduzem a capacidade laborativa sem impedir totalmente o trabalho.

Características:

  • Valor: 50% do salário de benefício

  • Vitalício até a aposentadoria

  • Acumulável com salários e aposentadorias

  • Devido apenas em casos de origem acidentária

No burnout, aplica-se quando há comprometimento cognitivo residual (memória, concentração), vulnerabilidade aumentada ao estresse ou outras sequelas permanentes.


 

4. Estabilidade no Emprego

O artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 assegura que o trabalhador não pode ser dispensado sem justa causa pelo prazo de 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário.

Quando Surge a Estabilidade

  • Afastamento superior a 15 dias

  • Concessão de auxílio-doença acidentário (B-91)

  • Retorno ao trabalho

  • Manutenção do vínculo empregatício

Natureza: Direito indisponível que não pode ser objeto de renúncia.

Demissão Durante o Afastamento

A demissão durante o afastamento por auxílio-doença acidentário é nula de pleno direito, pois o contrato está suspenso. Gera direito a:

  • Reintegração ao emprego ou indenização substitutiva

  • Pagamento de todos os salários do período de afastamento irregular

  • Salários dos 12 meses de estabilidade

  • Manutenção de todos os benefícios

  • Indenização por danos morais

Demissão Após o Retorno

A demissão durante os 12 meses de estabilidade é irregular, gerando direito à reintegração ou indenização correspondente aos salários do período estabilitário restante, além das verbas rescisórias.

Situações Especiais

Diagnóstico posterior à demissão: Mesmo quando o diagnóstico ocorre após a demissão, o trabalhador pode ter direitos reconhecidos se comprovar que a doença foi desenvolvida durante o vínculo e que já apresentava sintomas no momento da dispensa.

Concessão de B-31 quando deveria ser B-91: A natureza da doença prevalece sobre a classificação do benefício. Se o trabalhador comprova que o afastamento decorreu de doença ocupacional, tem direito à estabilidade mesmo que o INSS tenha concedido B-31.


5. Rescisão Indireta

O artigo 483 da CLT permite que o trabalhador rompa o contrato por culpa do empregador, com direito a todas as verbas rescisórias, quando há:

  • Exigência de serviços superiores às forças do empregado

  • Tratamento com rigor excessivo (assédio moral)

  • Perigo manifesto de mal considerável

  • Descumprimento de obrigações contratuais

  • Atos lesivos à honra

No contexto do burnout, a manutenção de condições de trabalho tóxicas, a recusa em promover adaptações necessárias ou o assédio moral justificam a rescisão indireta.

Procedimento

O trabalhador deve ingressar com ação judicial trabalhista pleiteando o reconhecimento da falta grave do empregador. Durante o trâmite, pode optar por continuar trabalhando ou afastar-se (com riscos se a rescisão indireta não for reconhecida).

Direitos Assegurados

Reconhecida a rescisão indireta:

  • Saldo de salários e aviso prévio indenizado

  • 13º salário e férias proporcionais

  • Saque do FGTS com multa de 40%

  • Indenização pela estabilidade (se aplicável)

  • Seguro-desemprego

  • Indenizações por danos morais e materiais


6. Indenizações por Danos Morais e Materiais

Fundamento Legal

A Constituição Federal (art. 7º, XXVIII) assegura indenização quando o empregador incorrer em dolo ou culpa. O Código Civil (arts. 186 e 927) estabelece a obrigação de reparar danos causados por ato ilícito.

Danos Morais

A Reforma Trabalhista estabeleceu parâmetros orientadores no artigo 223-G da CLT, classificando ofensas em leve, média, grave e gravíssima.

Valores praticados em casos de burnout:

  • Casos leves a moderados: R$ 5.000 a R$ 20.000

  • Casos graves: R$ 20.000 a R$ 50.000

  • Casos gravíssimos: R$ 50.000 a R$ 150.000 ou mais

Os valores variam conforme:

  • Gravidade da conduta do empregador

  • Porte econômico da empresa

  • Existência de assédio moral sistemático

  • Sequelas permanentes

  • Reincidência da empresa

Danos Materiais

Despesas médicas e terapêuticas:

  • Consultas psiquiátricas e psicológicas

  • Medicamentos (antidepressivos, ansiolíticos)

  • Psicoterapia

  • Internações hospitalares

  • Tratamentos complementares

Lucros cessantes:

  • Salários não recebidos durante afastamentos

  • Perda de oportunidades profissionais (promoções, bonificações)

  • Redução da capacidade de ganho futura

Pensão mensal vitalícia: Quando há redução permanente da capacidade de ganho, pode ser arbitrada pensão correspondente à diferença entre o que o trabalhador ganhava e o que pode ganhar após as sequelas.


7. Como Comprovar o Burnout Ocupacional

Documentação Médica Essencial

Atestados com CID correto:

  • Mencionar expressamente o código QD85 (Burnout)

  • Incluir período de afastamento necessário

  • Preferencialmente indicar relação com o trabalho

Laudos médicos especializados: Documentos elaborados por psiquiatra ou médico do trabalho contendo:

  • Histórico clínico detalhado

  • Anamnese ocupacional (descrição das condições de trabalho)

  • Exame do estado mental

  • Diagnóstico fundamentado

  • Análise do nexo causal

  • Avaliação da capacidade laborativa

  • Prognóstico

Prontuários e receitas:

  • Registros de todos os atendimentos

  • Receitas de medicamentos

  • Comprovantes de aquisição

  • Relatórios de acompanhamento psicoterápico

CAT: Comunicação de Acidente de Trabalho

A CAT é o documento oficial que registra a doença ocupacional e estabelece o nexo causal.

Obrigação de emitir: O empregador deve emitir a CAT até o primeiro dia útil seguinte ao diagnóstico. O descumprimento sujeita a empresa a multa administrativa.

Emissão pelo trabalhador: Quando o empregador se omite, o próprio trabalhador pode emitir a CAT pelo portal Meu INSS, apresentando documentação médica.

Conteúdo essencial: A descrição das condições de trabalho deve ser detalhada: jornadas excessivas, metas inatingíveis, assédio moral, sobrecarga, falta de suporte.

NTEP: Nexo Técnico Epidemiológico

O NTEP estabelece presunção legal de nexo causal quando há correlação estatística entre o CID da doença e o CNAE da empresa.

Efeito prático: Inversão do ônus da prova. Cabe ao INSS ou ao empregador comprovar que a doença não possui relação com o trabalho.

Provas das Condições de Trabalho

E-mails e mensagens:

  • Cobranças excessivas e pressão desproporcional

  • Demandas fora do horário de expediente

  • Episódios de assédio moral

  • Sobrecarga documentada

Testemunhas: Colegas que presenciaram as condições inadequadas, episódios de assédio ou mudanças comportamentais do trabalhador.

Registros de jornada: Comprovação de horas extras habituais, trabalho em finais de semana e jornadas excessivas.

Preparação para Perícia do INSS

Documentação a levar:

  • Documento de identidade e CPF

  • Carteira de trabalho

  • Toda a documentação médica organizada cronologicamente

  • CAT (se houver)

  • Documentos que comprovem condições de trabalho

Orientações para a entrevista:

  • Ser claro e objetivo sobre os sintomas

  • Focar nos impactos funcionais (como o burnout impede o trabalho)

  • Mencionar tratamentos realizados e sua eficácia

  • Não minimizar sintomas

  • Explicar tentativas de retorno que resultaram em agravamento


8. Direitos Durante o Afastamento

Manutenção do FGTS

Durante o afastamento por auxílio-doença acidentário, o empregador é obrigado a continuar depositando o FGTS (8% da remuneração) na conta vinculada do trabalhador.

Convênio Médico e Outros Benefícios

A manutenção de plano de saúde, vale-alimentação e outros benefícios durante o afastamento depende de previsão em convenção coletiva ou regulamento interno da empresa.

Verificação: Consultar a convenção coletiva da categoria profissional (disponível no sindicato ou no site do Ministério do Trabalho) para identificar quais benefícios devem ser mantidos.

Contagem de Tempo para Aposentadoria

O período de afastamento por auxílio-doença acidentário é integralmente computado como tempo de contribuição para aposentadoria. O período de afastamento por auxílio-doença comum não conta como tempo de contribuição.


9. Passo a Passo Após o Diagnóstico

1. Buscar Atendimento Médico Especializado

Consultar psiquiatra para diagnóstico formal, prescrição de medicamentos e emissão de atestados e laudos. Iniciar acompanhamento com psicólogo para psicoterapia. Considerar avaliação por médico do trabalho para estabelecimento formal do nexo causal.

2. Solicitar Emissão da CAT

Comunicar ao empregador o diagnóstico e solicitar formalmente (por escrito) a emissão da CAT. Se o empregador se recusar ou não responder, emitir a CAT pelo portal Meu INSS.

3. Requerer Benefício Previdenciário

Quando houver indicação médica de afastamento superior a 15 dias, requerer auxílio-doença pelo Meu INSS, anexando toda a documentação médica e a CAT.

4. Documentar Condições de Trabalho

Preservar e-mails, mensagens, registros de jornada e outros documentos que comprovem sobrecarga, assédio moral ou condições inadequadas. Identificar potenciais testemunhas.

5. Consultar Advogado Especializado

Buscar orientação jurídica especializada, especialmente em casos de:

  • Negativa de benefício pelo INSS

  • Concessão de B-31 quando deveria ser B-91

  • Demissão durante ou após o afastamento

  • Assédio moral ou violações graves de direitos


10. Quando Buscar Assessoria Jurídica

Negativa de Benefício pelo INSS

A negativa de benefício exige análise técnica do laudo pericial, elaboração de recurso administrativo fundamentado ou propositura de ação judicial com nova perícia.

Demissão Irregular

A demissão durante o afastamento ou durante a estabilidade exige ação judicial imediata para reintegração ou indenização, incluindo pedido de tutela de urgência.

Conversão de B-31 para B-91

A conversão do benefício comum em acidentário é tecnicamente complexa, exigindo fundamentação jurídica sólida e prova pericial do nexo causal.

Ações de Indenização

Ações de indenização por burnout exigem prova robusta do nexo causal, da culpa do empregador e dos danos sofridos, além de perícia técnica e preparação de testemunhas.

 

11. Perguntas Frequentes

Burnout sempre dá direito ao auxílio-doença? Não automaticamente. É necessário que haja incapacidade para o trabalho superior a 15 dias, reconhecida por perícia do INSS.

Posso ser demitido durante o tratamento? Não, se estiver afastado por auxílio-doença acidentário ou durante os 12 meses de estabilidade após o retorno.

Como provar que o burnout foi causado pelo trabalho? Por meio de CAT, laudos médicos que estabeleçam o nexo causal, NTEP, provas das condições de trabalho (e-mails, testemunhas) e perícia judicial.

Quanto tempo demora para receber o benefício? Via administrativa: 30 a 60 dias. Via judicial (em caso de negativa): 6 meses a 2 anos, mas pode haver concessão liminar em casos urgentes.

É possível receber indenização após a demissão? Sim, desde que a ação seja proposta no prazo de 2 anos da rescisão e comprovado que o burnout foi desenvolvido durante o vínculo empregatício.


Conclusão

O burnout ocupacional representa desafio crescente na sociedade contemporânea, afetando milhares de trabalhadores brasileiros. Contudo, o ordenamento jurídico oferece proteção abrangente: auxílio-doença acidentário, estabilidade de 12 meses, manutenção do FGTS, indenizações por danos morais e materiais, e outros direitos que, quando adequadamente conhecidos e exercidos, permitem ao trabalhador enfrentar esse momento difícil com dignidade e segurança.

O diagnóstico de burnout não é o fim da carreira profissional. Com tratamento adequado, reconhecimento de direitos e suporte especializado, é possível recuperar a saúde e retomar a vida profissional de forma mais saudável e sustentável.