Burnout no Trabalho: Seus Direitos a Benefícios, Estabilidade e Indenização
Você acorda cansado, mesmo após dormir. A ansiedade aperta o peito antes de entrar no trabalho. Aquela energia que você tinha simplesmente desapareceu, e tudo parece sem sentido. Quando o médico diz “você está com burnout”, o alívio de ter um diagnóstico vem acompanhado de preocupações urgentes: posso me afastar? Vou perder meu emprego? Como vou pagar as contas? Tenho direito a algum benefício?
Essas dúvidas afligem milhares de brasileiros. O Brasil é o segundo país com mais casos de síndrome de burnout no mundo, e as ações trabalhistas sobre o tema cresceram 14,5% em 2025. Muitos trabalhadores perdem direitos fundamentais por desconhecimento ou orientação inadequada no momento de maior vulnerabilidade.
Este artigo esclarece, de forma técnica e acessível, todos os direitos previdenciários e trabalhistas de quem enfrenta burnout ocupacional: como funciona o auxílio-doença acidentário, a estabilidade no emprego, as indenizações cabíveis e, principalmente, como comprovar que sua condição está relacionada ao trabalho.
1. Burnout Como Doença Ocupacional
Desde janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde reconhece oficialmente o burnout na CID-11 sob o código QD85 – Síndrome do Esgotamento Profissional. Essa inclusão transformou o burnout em doença ocupacional com implicações jurídicas concretas para trabalhadores e empregadores.
O Que Caracteriza o Burnout?
A síndrome manifesta-se por três dimensões interdependentes:
Exaustão emocional: Esgotamento persistente que não melhora com descanso, fadiga crônica e incapacidade de recuperação mesmo após férias.
Despersonalização: Atitudes negativas, distantes e cínicas em relação ao trabalho, colegas e clientes, com perda do sentido do trabalho realizado.
Redução da realização profissional: Sentimento de incompetência e baixa autoestima profissional, mesmo quando o desempenho é objetivamente adequado.
A OMS especifica que o burnout “refere-se especificamente a fenômenos no contexto ocupacional”, estabelecendo o nexo causal entre a síndrome e o ambiente de trabalho.
Diferença Entre Estresse e Burnout
O estresse é resposta adaptativa a demandas pontuais, caracterizado por hiperativação (“preciso fazer tudo agora”). O burnout representa o estágio final de deterioração psicológica causada por estresse crônico não gerenciado, manifestando-se por desengajamento (“não consigo mais, nada faz sentido”).
Equiparação a Acidente de Trabalho
A Lei nº 8.213/1991 equipara doenças ocupacionais a acidentes de trabalho. Essa equiparação produz consequências jurídicas fundamentais:
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Direito ao auxílio-doença acidentário (B-91) em vez do comum (B-31)
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Estabilidade de 12 meses após retorno ao trabalho
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Manutenção do FGTS durante o afastamento
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Contagem integral do tempo para aposentadoria
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Possibilidade de responsabilização civil do empregador
Fatores de Risco Ocupacionais
Pesquisas identificaram condições organizacionais que aumentam significativamente o risco de burnout:
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Sobrecarga com metas inatingíveis e prazos irrealistas
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Falta de controle e autonomia sobre o próprio trabalho
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Recompensa insuficiente (financeira e de reconhecimento)
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Conflitos interpessoais e competição destrutiva
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Ausência de justiça organizacional (favoritismo, arbitrariedade)
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Assédio moral sistemático
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Insegurança no emprego com ameaças constantes
Setores como saúde, educação, tecnologia, advocacia, atendimento ao cliente e serviços financeiros apresentam prevalência significativamente maior.
2. Auxílio-Doença Acidentário (B-91)
O auxílio-doença acidentário é o benefício devido ao trabalhador temporariamente incapacitado por burnout ocupacional.
Requisitos para Concessão
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Qualidade de segurado do RGPS
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Incapacidade temporária para o trabalho superior a 15 dias
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Nexo causal entre o burnout e o trabalho
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Dispensa de carência mínima (diferencial crucial)
Valor e Duração
Valor: 91% do salário de benefício (média de 100% dos salários de contribuição desde julho/1994).
Duração: Enquanto persistir a incapacidade temporária, com perícias periódicas de prorrogação.
Diferenças Entre B-91 e B-31
A distinção entre auxílio-doença acidentário (B-91) e comum (B-31) produz impactos profundos:
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Aspecto |
B-91 (Acidentário) |
B-31 (Comum) |
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Carência |
Dispensada |
12 contribuições |
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Estabilidade |
12 meses após retorno |
Não há |
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FGTS |
Mantido |
Suspenso |
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Tempo de contribuição |
Conta integralmente |
Não conta |
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Auxílio-acidente |
Possível |
Não aplicável |
Como Converter B-31 em B-91
Quando o INSS concede equivocadamente B-31 em casos de burnout ocupacional:
Via administrativa:
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Recurso ao CRPS no prazo de 30 dias
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Pedido de revisão com documentação complementar
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Apresentação de CAT emitida posteriormente
Via judicial:
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Ação na Justiça Federal com nova perícia
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Efeitos retroativos à data do afastamento
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Depósito retroativo do FGTS
3. Aposentadoria e Auxílio-Acidente
Aposentadoria por Incapacidade Permanente
Quando o burnout evolui para incapacidade permanente e irreversível:
Requisitos:
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Incapacidade total e permanente comprovada por perícia
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Impossibilidade de reabilitação para outra atividade
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Dispensa de carência quando de natureza acidentária
Valor:
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Aposentadoria acidentária: 100% da média dos salários de contribuição
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Aposentadoria comum: 60% + 2% por ano excedente (20 anos homens/15 anos mulheres)
Auxílio-Acidente
Benefício indenizatório devido quando há sequelas permanentes que reduzem a capacidade laborativa sem impedir totalmente o trabalho.
Características:
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Valor: 50% do salário de benefício
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Vitalício até a aposentadoria
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Acumulável com salários e aposentadorias
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Devido apenas em casos de origem acidentária
No burnout, aplica-se quando há comprometimento cognitivo residual (memória, concentração), vulnerabilidade aumentada ao estresse ou outras sequelas permanentes.
4. Estabilidade no Emprego
O artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 assegura que o trabalhador não pode ser dispensado sem justa causa pelo prazo de 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário.
Quando Surge a Estabilidade
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Afastamento superior a 15 dias
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Concessão de auxílio-doença acidentário (B-91)
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Retorno ao trabalho
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Manutenção do vínculo empregatício
Natureza: Direito indisponível que não pode ser objeto de renúncia.
Demissão Durante o Afastamento
A demissão durante o afastamento por auxílio-doença acidentário é nula de pleno direito, pois o contrato está suspenso. Gera direito a:
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Reintegração ao emprego ou indenização substitutiva
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Pagamento de todos os salários do período de afastamento irregular
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Salários dos 12 meses de estabilidade
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Manutenção de todos os benefícios
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Indenização por danos morais
Demissão Após o Retorno
A demissão durante os 12 meses de estabilidade é irregular, gerando direito à reintegração ou indenização correspondente aos salários do período estabilitário restante, além das verbas rescisórias.
Situações Especiais
Diagnóstico posterior à demissão: Mesmo quando o diagnóstico ocorre após a demissão, o trabalhador pode ter direitos reconhecidos se comprovar que a doença foi desenvolvida durante o vínculo e que já apresentava sintomas no momento da dispensa.
Concessão de B-31 quando deveria ser B-91: A natureza da doença prevalece sobre a classificação do benefício. Se o trabalhador comprova que o afastamento decorreu de doença ocupacional, tem direito à estabilidade mesmo que o INSS tenha concedido B-31.
5. Rescisão Indireta
O artigo 483 da CLT permite que o trabalhador rompa o contrato por culpa do empregador, com direito a todas as verbas rescisórias, quando há:
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Exigência de serviços superiores às forças do empregado
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Tratamento com rigor excessivo (assédio moral)
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Perigo manifesto de mal considerável
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Descumprimento de obrigações contratuais
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Atos lesivos à honra
No contexto do burnout, a manutenção de condições de trabalho tóxicas, a recusa em promover adaptações necessárias ou o assédio moral justificam a rescisão indireta.
Procedimento
O trabalhador deve ingressar com ação judicial trabalhista pleiteando o reconhecimento da falta grave do empregador. Durante o trâmite, pode optar por continuar trabalhando ou afastar-se (com riscos se a rescisão indireta não for reconhecida).
Direitos Assegurados
Reconhecida a rescisão indireta:
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Saldo de salários e aviso prévio indenizado
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13º salário e férias proporcionais
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Saque do FGTS com multa de 40%
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Indenização pela estabilidade (se aplicável)
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Seguro-desemprego
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Indenizações por danos morais e materiais
6. Indenizações por Danos Morais e Materiais
Fundamento Legal
A Constituição Federal (art. 7º, XXVIII) assegura indenização quando o empregador incorrer em dolo ou culpa. O Código Civil (arts. 186 e 927) estabelece a obrigação de reparar danos causados por ato ilícito.
Danos Morais
A Reforma Trabalhista estabeleceu parâmetros orientadores no artigo 223-G da CLT, classificando ofensas em leve, média, grave e gravíssima.
Valores praticados em casos de burnout:
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Casos leves a moderados: R$ 5.000 a R$ 20.000
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Casos graves: R$ 20.000 a R$ 50.000
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Casos gravíssimos: R$ 50.000 a R$ 150.000 ou mais
Os valores variam conforme:
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Gravidade da conduta do empregador
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Porte econômico da empresa
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Existência de assédio moral sistemático
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Sequelas permanentes
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Reincidência da empresa
Danos Materiais
Despesas médicas e terapêuticas:
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Consultas psiquiátricas e psicológicas
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Medicamentos (antidepressivos, ansiolíticos)
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Psicoterapia
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Internações hospitalares
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Tratamentos complementares
Lucros cessantes:
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Salários não recebidos durante afastamentos
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Perda de oportunidades profissionais (promoções, bonificações)
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Redução da capacidade de ganho futura
Pensão mensal vitalícia: Quando há redução permanente da capacidade de ganho, pode ser arbitrada pensão correspondente à diferença entre o que o trabalhador ganhava e o que pode ganhar após as sequelas.
7. Como Comprovar o Burnout Ocupacional
Documentação Médica Essencial
Atestados com CID correto:
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Mencionar expressamente o código QD85 (Burnout)
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Incluir período de afastamento necessário
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Preferencialmente indicar relação com o trabalho
Laudos médicos especializados: Documentos elaborados por psiquiatra ou médico do trabalho contendo:
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Histórico clínico detalhado
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Anamnese ocupacional (descrição das condições de trabalho)
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Exame do estado mental
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Diagnóstico fundamentado
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Análise do nexo causal
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Avaliação da capacidade laborativa
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Prognóstico
Prontuários e receitas:
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Registros de todos os atendimentos
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Receitas de medicamentos
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Comprovantes de aquisição
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Relatórios de acompanhamento psicoterápico
CAT: Comunicação de Acidente de Trabalho
A CAT é o documento oficial que registra a doença ocupacional e estabelece o nexo causal.
Obrigação de emitir: O empregador deve emitir a CAT até o primeiro dia útil seguinte ao diagnóstico. O descumprimento sujeita a empresa a multa administrativa.
Emissão pelo trabalhador: Quando o empregador se omite, o próprio trabalhador pode emitir a CAT pelo portal Meu INSS, apresentando documentação médica.
Conteúdo essencial: A descrição das condições de trabalho deve ser detalhada: jornadas excessivas, metas inatingíveis, assédio moral, sobrecarga, falta de suporte.
NTEP: Nexo Técnico Epidemiológico
O NTEP estabelece presunção legal de nexo causal quando há correlação estatística entre o CID da doença e o CNAE da empresa.
Efeito prático: Inversão do ônus da prova. Cabe ao INSS ou ao empregador comprovar que a doença não possui relação com o trabalho.
Provas das Condições de Trabalho
E-mails e mensagens:
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Cobranças excessivas e pressão desproporcional
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Demandas fora do horário de expediente
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Episódios de assédio moral
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Sobrecarga documentada
Testemunhas: Colegas que presenciaram as condições inadequadas, episódios de assédio ou mudanças comportamentais do trabalhador.
Registros de jornada: Comprovação de horas extras habituais, trabalho em finais de semana e jornadas excessivas.
Preparação para Perícia do INSS
Documentação a levar:
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Documento de identidade e CPF
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Carteira de trabalho
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Toda a documentação médica organizada cronologicamente
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CAT (se houver)
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Documentos que comprovem condições de trabalho
Orientações para a entrevista:
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Ser claro e objetivo sobre os sintomas
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Focar nos impactos funcionais (como o burnout impede o trabalho)
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Mencionar tratamentos realizados e sua eficácia
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Não minimizar sintomas
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Explicar tentativas de retorno que resultaram em agravamento
8. Direitos Durante o Afastamento
Manutenção do FGTS
Durante o afastamento por auxílio-doença acidentário, o empregador é obrigado a continuar depositando o FGTS (8% da remuneração) na conta vinculada do trabalhador.
Convênio Médico e Outros Benefícios
A manutenção de plano de saúde, vale-alimentação e outros benefícios durante o afastamento depende de previsão em convenção coletiva ou regulamento interno da empresa.
Verificação: Consultar a convenção coletiva da categoria profissional (disponível no sindicato ou no site do Ministério do Trabalho) para identificar quais benefícios devem ser mantidos.
Contagem de Tempo para Aposentadoria
O período de afastamento por auxílio-doença acidentário é integralmente computado como tempo de contribuição para aposentadoria. O período de afastamento por auxílio-doença comum não conta como tempo de contribuição.
9. Passo a Passo Após o Diagnóstico
1. Buscar Atendimento Médico Especializado
Consultar psiquiatra para diagnóstico formal, prescrição de medicamentos e emissão de atestados e laudos. Iniciar acompanhamento com psicólogo para psicoterapia. Considerar avaliação por médico do trabalho para estabelecimento formal do nexo causal.
2. Solicitar Emissão da CAT
Comunicar ao empregador o diagnóstico e solicitar formalmente (por escrito) a emissão da CAT. Se o empregador se recusar ou não responder, emitir a CAT pelo portal Meu INSS.
3. Requerer Benefício Previdenciário
Quando houver indicação médica de afastamento superior a 15 dias, requerer auxílio-doença pelo Meu INSS, anexando toda a documentação médica e a CAT.
4. Documentar Condições de Trabalho
Preservar e-mails, mensagens, registros de jornada e outros documentos que comprovem sobrecarga, assédio moral ou condições inadequadas. Identificar potenciais testemunhas.
5. Consultar Advogado Especializado
Buscar orientação jurídica especializada, especialmente em casos de:
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Negativa de benefício pelo INSS
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Concessão de B-31 quando deveria ser B-91
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Demissão durante ou após o afastamento
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Assédio moral ou violações graves de direitos
10. Quando Buscar Assessoria Jurídica
Negativa de Benefício pelo INSS
A negativa de benefício exige análise técnica do laudo pericial, elaboração de recurso administrativo fundamentado ou propositura de ação judicial com nova perícia.
Demissão Irregular
A demissão durante o afastamento ou durante a estabilidade exige ação judicial imediata para reintegração ou indenização, incluindo pedido de tutela de urgência.
Conversão de B-31 para B-91
A conversão do benefício comum em acidentário é tecnicamente complexa, exigindo fundamentação jurídica sólida e prova pericial do nexo causal.
Ações de Indenização
Ações de indenização por burnout exigem prova robusta do nexo causal, da culpa do empregador e dos danos sofridos, além de perícia técnica e preparação de testemunhas.
11. Perguntas Frequentes
Burnout sempre dá direito ao auxílio-doença? Não automaticamente. É necessário que haja incapacidade para o trabalho superior a 15 dias, reconhecida por perícia do INSS.
Posso ser demitido durante o tratamento? Não, se estiver afastado por auxílio-doença acidentário ou durante os 12 meses de estabilidade após o retorno.
Como provar que o burnout foi causado pelo trabalho? Por meio de CAT, laudos médicos que estabeleçam o nexo causal, NTEP, provas das condições de trabalho (e-mails, testemunhas) e perícia judicial.
Quanto tempo demora para receber o benefício? Via administrativa: 30 a 60 dias. Via judicial (em caso de negativa): 6 meses a 2 anos, mas pode haver concessão liminar em casos urgentes.
É possível receber indenização após a demissão? Sim, desde que a ação seja proposta no prazo de 2 anos da rescisão e comprovado que o burnout foi desenvolvido durante o vínculo empregatício.
Conclusão
O burnout ocupacional representa desafio crescente na sociedade contemporânea, afetando milhares de trabalhadores brasileiros. Contudo, o ordenamento jurídico oferece proteção abrangente: auxílio-doença acidentário, estabilidade de 12 meses, manutenção do FGTS, indenizações por danos morais e materiais, e outros direitos que, quando adequadamente conhecidos e exercidos, permitem ao trabalhador enfrentar esse momento difícil com dignidade e segurança.
O diagnóstico de burnout não é o fim da carreira profissional. Com tratamento adequado, reconhecimento de direitos e suporte especializado, é possível recuperar a saúde e retomar a vida profissional de forma mais saudável e sustentável.

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