Alienação Fiduciária de Imóveis: Marco Legal das Garantias e Transformações Sistêmicas

22 de julho de 2025

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Introdução

A aprovação da Lei 14.711/2023, denominada Marco Legal das Garantias, representa transformação estrutural no ordenamento jurídico brasileiro de garantias reais, constituindo verdadeiro divisor de águas na evolução do sistema nacional de crédito garantido. Diferentemente das modificações legislativas pontuais que historicamente caracterizaram este campo normativo, o novo diploma estabelece arquitetura jurídica integrada e sistemática, harmonizando procedimentos executivos e criando instrumentos contratuais sofisticados destinados a atender às complexas demandas do mercado financeiro contemporâneo.

O Marco Legal transcende a dimensão meramente reformadora, configurando-se como resposta legislativa abrangente aos desafios sistémicos identificados na operacionalização das garantias reais no contexto da economia moderna. A legislação precedente, embora funcional em seus aspectos centrais, apresentava lacunas procedimentais significativas, assimetrias entre institutos congêneres e rigidez instrumental que comprometiam a eficiência sistémica do mercado de crédito garantido, gerando custos de transação elevados e limitando as possibilidades de inovação financeira.

A nova arquitetura normativa fundamenta-se em três pilares estruturantes que redefinem o panorama das garantias reais no direito brasileiro. O primeiro pilar consiste na convergência procedimental entre alienação fiduciária e hipoteca, materializada especialmente através da introdução da execução extrajudicial hipotecária, eliminando disparidades históricas que criavam distorções na precificação do risco creditício. O segundo pilar envolve a sofisticação dos mecanismos de gestão de garantias mediante a tipificação legal do agente de garantias, oferecendo instrumental contratual adequado para operações estruturadas, financiamentos sindicalizados e arranjos creditícios complexos. O terceiro pilar estabelece a regulamentação sistemática do concurso de credores na execução extrajudicial, criando procedimentos claros e eficientes para situações de multiplicidade creditória que anteriormente demandavam necessariamente intervenção judicial.

A perspectiva sistémica do Marco Legal manifesta-se na criação de verdadeiro ecossistema normativo integrado, no qual os diversos institutos de garantia real dialogam harmonicamente, complementando-se funcionalmente sem sobreposições desnecessárias ou lacunas prejudiciais. Esta abordagem representa evolução conceitual significativa em relação ao modelo anterior, caracterizado pela coexistência relativamente independente de regimes normativos específicos para cada modalidade de garantia.

A harmonização procedimental constitui aspecto central desta nova arquitetura. A tradicional disparidade entre a agilidade executiva da alienação fiduciária e a morosidade característica da execução hipotecária judicial criava distorções substanciais na estruturação de operações creditícias, forçando escolhas subótimas baseadas primariamente na velocidade de recuperação do crédito inadimplido, em detrimento de considerações técnicas mais refinadas sobre adequação instrumental. A equalização substantiva destes procedimentos permite decisões fundamentadas em critérios técnicos específicos, ampliando as possibilidades de otimização da estrutura de garantias conforme as particularidades de cada operação.

O novo regime da alienação fiduciária superveniente exemplifica a sofisticação instrumental promovida pelo Marco Legal. A possibilidade de constituição de garantias fiduciárias sucessivas sobre o mesmo imóvel, com regras precisas de prioridade, sub-rogação e consolidação, amplia significativamente as possibilidades de estruturação creditícia escalonada sem comprometer a segurança jurídica característica deste instituto. Esta inovação atende particularmente às necessidades contemporâneas de financiamentos faseados, operações de refinanciamento e estruturas creditícias dinâmicas, frequentes no mercado imobiliário atual.

A incorporação do agente de garantias no Código Civil constitui reconhecimento legislativo expresso de práticas contratuais já consolidadas no mercado financeiro brasileiro, conferindo segurança jurídica e previsibilidade normativa a arranjos que anteriormente dependiam de construções doutrinárias e jurisprudenciais. A formalização desta figura, com definição clara de deveres fiduciários, regime específico de segregação patrimonial e procedimentos de substituição, oferece instrumental adequado para operações que demandam gestão especializada e profissional de garantias.

O tratamento diferenciado conferido aos financiamentos habitacionais demonstra a sensibilidade do legislador às especificidades sociais do crédito imobiliário residencial. O Marco Legal preserva e aprimora as proteções específicas ao mutuário residencial, mantendo equilíbrio delicado entre eficiência creditícia e tutela do devedor em situação de vulnerabilidade económica. As regras especiais de consolidação da propriedade e realização de leilões para esta modalidade evidenciam compreensão legislativa das dimensões sociais envolvidas no financiamento habitacional.

A regulamentação pormenorizada do concurso de credores na execução extrajudicial representa avanço procedimental de grande relevância prática. A atribuição de competências específicas ao oficial de registro de imóveis para elaboração do quadro de credores, estabelecimento de prioridades e coordenação do procedimento executivo confere celeridade e eficiência técnica a situações tradicionalmente complexas, reduzindo substancialmente a necessidade de judicialização.

As inovações registrárias introduzidas pelo Marco Legal refletem modernização procedimental alinhada às demandas contemporâneas de eficiência operacional. A flexibilização criteriosa de determinadas formalidades, a otimização dos procedimentos de intimação e a incorporação de tecnologias digitais nos processos executivos demonstram preocupação legislativa com a redução de custos de transação e a agilização dos procedimentos.

A dimensão tributária do Marco Legal apresenta relevância prática considerável, especialmente através das clarificações sobre incidência do ITBI em operações de consolidação de propriedade fiduciária e execução hipotecária. Estas definições eliminam incertezas interpretativas que anteriormente geravam contenciosos administrativos e judiciais significativos, contribuindo para maior previsibilidade nos custos operacionais e facilitando o planejamento financeiro das operações.

O Marco Legal das Garantias consolida, dessa forma, evolução natural e necessária do sistema jurídico brasileiro em direção à sofisticação instrumental compatível com as demandas de um mercado de crédito moderno, dinâmico e internacionalmente competitivo. As inovações introduzidas preservam conquistas históricas da legislação precedente, especialmente em matéria de proteção do devedor e segurança jurídica, enquanto ampliam exponencialmente as possibilidades de estruturação creditícia, gestão profissional de garantias e otimização de custos operacionais.

Esta transformação legislativa posiciona o sistema brasileiro de garantias reais entre os mais avançados e completos do cenário internacional, oferecendo instrumental jurídico adequado tanto para operações creditícias tradicionais quanto para estruturas financeiras inovadoras e complexas, preservando o equilíbrio fundamental entre eficiência económica e proteção dos direitos e interesses legítimos de todos os participantes do mercado de crédito.

Conceito e Natureza Jurídica

A alienação fiduciária de imóveis é um negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel de um bem imóvel como garantia do cumprimento de uma obrigação. Trata-se de uma propriedade resolúvel porque, uma vez quitada a dívida, a propriedade do imóvel retorna automaticamente ao devedor.

Na dinâmica da alienação fiduciária, o devedor fiduciante, sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor-fiduciário a título de garantia. A propriedade adquirida tem caráter resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida. Verificado o pagamento, opera-se a automática extinção da propriedade do credor, com a consequente reversão da propriedade plena ao devedor fiduciante. Por outro lado, ocorrendo o inadimplemento contratual, opera-se a consolidação da propriedade plena no patrimônio do credor-fiduciário.

A propriedade fiduciária constitui um direito real de garantia com características peculiares. Diferentemente da hipoteca, na qual o bem permanece no patrimônio do devedor, na alienação fiduciária ocorre a efetiva transferência da propriedade, ainda que resolúvel, para o credor.

Constituição da Garantia Fiduciária

A alienação fiduciária de imóvel constitui-se mediante registro no competente Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título. Este contrato deve conter:

  • O valor principal da dívida, prazo e condições de reposição do empréstimo, taxa de juros e encargos incidentes
  • Cláusula de constituição da propriedade fiduciária
  • Descrição detalhada do imóvel
  • Indicação do valor do imóvel para efeito de venda em público leilão
  • Cláusula dispondo sobre os procedimentos de intimação em caso de inadimplemento

Com o Marco Legal das Garantias (Lei 14.711/2023), ampliaram-se as possibilidades de utilização da alienação fiduciária. O instrumento pode agora garantir qualquer tipo de obrigação, não se limitando apenas a créditos imobiliários. Além disso, tornou-se expressamente admitida a alienação fiduciária compartilhada, permitindo que um mesmo imóvel garanta diferentes operações de crédito simultaneamente, e a alienação fiduciária de imóveis em construção.

Harmonização Sistêmica: A Convergência Procedimental entre Alienação Fiduciária e Hipoteca

O Marco Legal das Garantias promove transformação estrutural fundamental na relação entre os dois principais institutos de garantia real imobiliária no direito brasileiro, estabelecendo convergência procedimental que elimina disparidades históricas e cria sistema verdadeiramente integrado de execução extrajudicial. Esta harmonização representa mudança paradigmática que transcende ajustes normativos pontuais, configurando redesenho completo da arquitetura procedimental das garantias reais.

A Disparidade Histórica e Suas Consequências

Durante décadas, o ordenamento jurídico brasileiro conviveu com assimetria procedimental significativa entre alienação fiduciária e hipoteca que gerava distorções substanciais no mercado de crédito. Enquanto a alienação fiduciária oferecia procedimento executivo extrajudicial ágil e eficiente, regulamentado pela Lei 9.514/1997, a hipoteca permanecia vinculada exclusivamente à execução judicial, caracterizada pela morosidade inerente aos procedimentos judiciais e pelos custos elevados do litígio.

Esta disparidade criava incentivos artificiais para a escolha da alienação fiduciária em detrimento da hipoteca, independentemente das características específicas de cada operação creditícia. A diferença temporal entre os procedimentos executivos chegava a representar anos de distinção, impactando diretamente a precificação do risco creditício e limitando as opções de estruturação das garantias conforme critérios técnicos adequados.

A consequência prática desta assimetria manifestava-se na virtual obsolescência da hipoteca como instrumento de garantia em operações comerciais, reservando-se sua utilização para situações específicas onde sua configuração jurídica apresentava vantagens intrínsecas, como a manutenção da propriedade na esfera patrimonial do devedor ou a possibilidade de constituição de garantias de graus sucessivos com maior facilidade.

A Revolução da Execução Hipotecária Extrajudicial

A introdução da execução extrajudicial para créditos garantidos por hipoteca, disciplinada no artigo 9º da Lei 14.711/2023, representa revolução procedimental que equaliza substancialmente os dois institutos. O novo procedimento espelha a sistemática consagrada para a alienação fiduciária, adaptando-se às especificidades jurídicas da hipoteca e preservando suas características distintivas.

O procedimento hipotecário extrajudicial desenvolve-se através de fases claramente estruturadas que replicam a eficiência da execução fiduciária. Inicia-se com a intimação pessoal do devedor e do terceiro hipotecante para purgação da mora no prazo de quinze dias, seguindo-se a averbação do início do procedimento executivo na matrícula do imóvel. A realização de leilões públicos observa cronograma específico, com primeiro leilão em sessenta dias da averbação e segundo leilão em quinze dias subsequentes, caso necessário.

A definição de valores mínimos para os leilões segue sistemática refinada que protege adequadamente os interesses do devedor. O primeiro leilão adota como referência o maior valor entre aquele estabelecido contratualmente para execução e o utilizado pelo órgão competente para cálculo do imposto de transmissão intervivos. O segundo leilão permite aceitação de lances correspondentes ao valor integral da dívida acrescida de despesas, com possibilidade de aceitação de valor correspondente a pelo menos metade do valor de avaliação do bem.

Convergência Procedimental e Manutenção das Especificidades

A harmonização promovida pelo Marco Legal preserva cuidadosamente as especificidades jurídicas distintivas de cada instituto, evitando uniformização excessiva que poderia comprometer suas vantagens comparativas. A hipoteca mantém características fundamentais como a preservação da propriedade na esfera patrimonial do devedor durante a vigência da garantia e a possibilidade de constituição sucessiva de garantias de graus diversos sobre o mesmo imóvel.

A alienação fiduciária conserva suas vantagens estruturais, especialmente a transferência imediata da propriedade resolúvel para o credor e a consequente proteção contra credores supervenientes do devedor. O regime especial de recuperação judicial, que exclui os créditos garantidos por alienação fiduciária dos efeitos do processo recuperacional, permanece inalterado, preservando vantagem competitiva significativa deste instituto.

A convergência manifesta-se primordialmente na esfera procedimental, criando condições equitativas de execução que permitem escolhas fundamentadas em critérios técnicos específicos. A possibilidade de execução extrajudicial para ambos os institutos elimina o fator temporal como elemento distorcivo na seleção da garantia adequada, permitindo análises baseadas nas características substantivas de cada operação.

Inovações Comuns e Benefícios Sistêmicos

O Marco Legal introduz inovações procedimentais que beneficiam ambos os institutos, demonstrando abordagem sistêmica integrada. A regulamentação do concurso de credores na execução extrajudicial, disciplinada no artigo 10 da Lei 14.711/2023, aplica-se uniformemente às duas modalidades de garantia, criando procedimento eficiente para situações de multiplicidade creditória.

A harmonização dos prazos processuais, a modernização dos procedimentos de intimação e a incorporação de tecnologias digitais nos leilões representam avanços que beneficiam todo o sistema de garantias reais. A possibilidade de realização de leilões eletrônicos e a flexibilização de determinadas formalidades documentais refletem modernização procedimental alinhada às demandas contemporâneas de eficiência operacional.

O tratamento tributário harmonizado, especialmente em relação à incidência do imposto de transmissão intervivos, elimina disparidades que anteriormente geravam custos diferenciados entre os institutos. A clarificação destas questões tributárias contribui significativamente para a previsibilidade dos custos operacionais e facilita o planejamento financeiro das operações.

Impactos no Mercado de Crédito

A convergência procedimental promovida pelo Marco Legal gera impactos transformadores no mercado de crédito brasileiro. A equalização dos procedimentos executivos permite maior sofisticação na estruturação de garantias, possibilitando escolhas otimizadas conforme as características específicas de cada operação, perfil de risco e preferências das partes envolvidas.

A hipoteca experimenta renovação de interesse como instrumento de garantia, especialmente em operações onde suas características jurídicas específicas oferecem vantagens comparativas. A manutenção da propriedade na esfera patrimonial do devedor pode ser preferível em determinadas estruturas creditícias, especialmente quando há necessidade de preservar flexibilidade para operações subsequentes ou quando existem considerações fiscais específicas.

A convergência também facilita a criação de estruturas híbridas ou combinadas, onde diferentes modalidades de garantia podem ser utilizadas estrategicamente na mesma operação ou em operações relacionadas, maximizando a eficiência da proteção creditícia e otimizando os custos de transação.

Desafios de Implementação e Adaptação Prática

A implementação efetiva da harmonização sistêmica apresenta desafios práticos significativos que demandam adaptação por parte de todos os operadores do sistema. Os cartórios de registro de imóveis necessitam desenvolvimento de competências técnicas específicas para condução adequada dos novos procedimentos executivos hipotecários, especialmente em relação à gestão do concurso de credores e à coordenação dos leilões extrajudiciais.

Os profissionais do direito devem adaptar-se às novas possibilidades estratégicas criadas pela convergência procedimental, desenvolvendo expertise na seleção otimizada de garantias conforme critérios técnicos refinados. A capacitação adequada em relação aos novos procedimentos e suas nuances específicas constitui requisito fundamental para aproveitamento pleno das oportunidades criadas pelo Marco Legal.

As instituições financeiras enfrentam necessidade de revisão de políticas internas de estruturação de garantias, sistemas operacionais e procedimentos de gestão de risco, adaptando-se às novas possibilidades instrumentais e aos procedimentos executivos harmonizados.

A harmonização sistêmica promovida pelo Marco Legal das Garantias representa, assim, evolução fundamental que reposiciona o sistema brasileiro de garantias reais entre os mais avançados e eficientes internacionalmente, criando condições para desenvolvimento de mercado de crédito mais sofisticado, competitivo e adequado às demandas da economia contemporânea.

O Agente de Garantias: Inovação Instrumental e Implicações Práticas

A tipificação legal do agente de garantias através do artigo 853-A do Código Civil, introduzido pelo artigo 3º da Lei 14.711/2023, representa uma das inovações mais significativas e transformadoras do Marco Legal das Garantias, introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro figura contratual sofisticada destinada a atender às demandas crescentes de profissionalização na gestão de garantias em operações creditícias complexas. Esta inovação legislativa transcende o mero reconhecimento de práticas de mercado preexistentes, estabelecendo marco regulatório abrangente que confere segurança jurídica e previsibilidade normativa a arranjos contratuais que anteriormente dependiam de construções doutrinárias e interpretações jurisprudenciais.

Natureza Jurídica e Fundamentos Conceituais

O agente de garantias configura-se como figura fiduciária especializada, atuando em nome próprio mas em benefício dos credores garantidos, característica que o distingue fundamentalmente dos modelos tradicionais de representação e mandato. Esta particularidade estrutural deriva da necessidade prática de conferir ao agente legitimidade procedimental ampla para constituição, gestão e execução de garantias, sem as limitações inerentes aos instrumentos representativos convencionais.

A natureza fiduciária da relação estabelece-se através da combinação de elementos característicos que incluem a transferência temporária de direitos patrimoniais, a vinculação destes direitos a finalidade específica, a imposição de deveres fiduciários rigorosos e a segregação patrimonial dos ativos administrados. O agente adquire titularidade jurídica formal sobre os direitos relacionados às garantias, mas permanece substancialmente vinculado aos interesses dos credores beneficiários, configurando dissociação entre titularidade jurídica e interesse econômico típica dos negócios fiduciários.

A atuação em nome próprio constitui elemento fundamental que diferencia o agente de garantias dos mandatários tradicionais. Esta característica confere-lhe autonomia procedimental necessária para prática eficiente de atos relacionados à gestão das garantias, eliminando complexidades burocráticas que poderiam comprometer a agilidade operacional. Simultaneamente, a lei estabelece deveres fiduciários específicos que asseguram alinhamento de interesses entre o agente e os credores beneficiários.

Atividades e Competências do Agente

O espectro de atividades atribuíveis ao agente de garantias abrange toda a cadeia de valor da gestão de garantias, desde a constituição inicial até a execução final em caso de inadimplemento. A lei contempla expressamente a constituição, o registro, a gestão e a execução de qualquer modalidade de garantia, conferindo flexibilidade instrumental adequada para operações de complexidade variada.

Na fase de constituição, o agente pode coordenar todos os procedimentos necessários à formalização das garantias, incluindo a elaboração de documentação, a obtenção de avaliações técnicas, a verificação de requisitos legais e a coordenação com cartórios e órgãos registrários. Esta centralização procedimental reduz significativamente os custos de transação e acelera os processos de estruturação das operações creditícias.

Durante a fase de gestão, o agente assume responsabilidades de monitoramento contínuo das garantias, verificação do cumprimento de obrigações acessórias, gestão de seguros, acompanhamento de alterações registrárias e manutenção da documentação atualizada. Estas atividades demandam expertise técnica especializada e estrutura operacional adequada, justificando a profissionalização desta função através de agentes especializados.

A execução das garantias constitui fase crítica onde a atuação do agente apresenta maior relevância prática. A lei expressamente autoriza a utilização de procedimentos extrajudiciais quando disponíveis na legislação especial, conferindo ao agente legitimidade para condução de procedimentos executivos complexos sem necessidade de intervenção judicial prévia.

Regime de Responsabilidades e Deveres Fiduciários

O Marco Legal estabelece regime rigoroso de responsabilidades para o agente de garantias, refletindo a natureza fiduciária da relação e a necessidade de proteção adequada dos interesses dos credores. O parágrafo segundo do artigo 853-A do Código Civil estabelece expressamente que “o agente de garantia terá dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida e responderá perante os credores por todos os seus atos”, complementado por responsabilização expressa por todos os atos praticados no exercício da função.

Os deveres fiduciários abrangem obrigações de lealdade, cuidado, transparência e prestação de contas que se manifestam em todas as fases da gestão das garantias. O dever de lealdade exige atuação exclusiva no interesse dos credores beneficiários, vedando aproveitamento de oportunidades ou informações em benefício próprio ou de terceiros. O dever de cuidado demanda atuação diligente e tecnicamente competente, observando padrões profissionais adequados na gestão dos ativos fiduciados.

A transparência materializa-se através de obrigações de informação contínua aos credores sobre o estado das garantias, procedimentos adotados e eventos relevantes que possam afetar a segurança ou o valor das garantias. A prestação de contas periódica constitui mecanismo fundamental de supervisão e controle da atuação do agente.

Segregação Patrimonial e Proteção dos Credores

A segregação patrimonial dos ativos relacionados às garantias constitui elemento essencial do regime jurídico do agente de garantias, conferindo proteção fundamental aos credores contra riscos relacionados à situação patrimonial do agente. O parágrafo quinto do artigo 853-A do Código Civil estabelece que “o produto da realização da garantia, enquanto não transferido para os credores garantidos, constitui patrimônio separado daquele do agente de garantia e não poderá responder por suas obrigações pelo período de até 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de recebimento do produto da garantia”.

Esta segregação temporal, embora limitada, oferece proteção importante durante a fase crítica de distribuição dos recursos aos credores. O prazo de cento e oitenta dias deve ser interpretado como período máximo para liquidação e distribuição, não como prazo de carência para proteção patrimonial. A lei complementa esta proteção estabelecendo no parágrafo sexto do mesmo artigo que “após receber o valor do produto da realização da garantia, o agente de garantia disporá do prazo de 10 (dez) dias úteis para efetuar o pagamento aos credores”.

A segregação patrimonial adequada demanda implementação de procedimentos operacionais rigorosos por parte do agente, incluindo manutenção de contas bancárias segregadas, contabilização separada dos ativos fiduciados e sistemas de controle que assegurem rastreabilidade completa dos recursos. Estas medidas são fundamentais para efetividade prática da proteção legal.

Aspectos Registrários e Publicidade

A atuação do agente de garantias em nome próprio gera complexidades significativas no âmbito registrário, especialmente em relação às garantias reais imobiliárias que dependem de inscrição registrária para constituição e oponibilidade. A constituição de garantias em nome do agente, mas para proteção de créditos de terceiros, demanda adaptações procedimentais e interpretativas no sistema registrário.

A questão da continuidade registrária apresenta desafios particulares quando o agente constitui garantias em nome próprio para posteriormente transferir os direitos aos credores efetivos. Esta situação pode gerar necessidade de múltiplas transferências registrárias, aumentando custos e complexidade procedimental. A lei não oferece solução expressa para esta questão, demandando desenvolvimento jurisprudencial e normativo complementar.

A publicidade da relação fiduciária constitui elemento fundamental para oponibilidade perante terceiros e proteção adequada dos interesses envolvidos. O registro ou averbação da qualidade fiduciária do agente nas matrículas dos imóveis objeto das garantias apresenta-se como medida necessária para adequada publicidade da situação jurídica.

Substituição e Cessação da Função

O regime de substituição do agente de garantias reflete preocupação legislativa com a continuidade e estabilidade da gestão das garantias. O parágrafo terceiro do artigo 853-A do Código Civil estabelece que “o agente de garantia poderá ser substituído, a qualquer tempo, por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos, reunidos em assembleia, mas a substituição do agente de garantia somente será eficaz após ter sido tomada pública pela mesma forma por meio da qual tenha sido dada publicidade à garantia”.

A exigência de publicidade pela mesma forma utilizada para dar publicidade à garantia assegura que terceiros interessados sejam adequadamente informados sobre mudanças na gestão. Esta exigência é particularmente relevante para devedores, terceiros prestadores de garantia e demais credores que possam ser afetados pela alteração.

O parágrafo quarto do mesmo artigo determina que “os requisitos de convocação e de instalação das assembleias dos titulares dos créditos garantidos estarão previstos em ato de designação ou de contratação do agente de garantia”, conferindo flexibilidade para adaptação às especificidades de cada operação. Esta flexibilidade é fundamental em operações sindicalizadas complexas onde a coordenação entre múltiplos credores demanda procedimentos específicos.

Implicações Práticas e Operacionais

A introdução legal do agente de garantias gera transformações significativas na estruturação e gestão de operações creditícias complexas, especialmente em financiamentos sindicalizados, project finance e operações estruturadas. A centralização da gestão de garantias em agente especializado reduz custos de coordenação, acelera processos decisórios e melhora a eficiência operacional global.

Para instituições financeiras, a disponibilidade de agentes de garantias profissionais facilita a estruturação de operações complexas que anteriormente demandavam arranjos contratuais sofisticados e custosos. A padronização legal dos deveres e responsabilidades reduz riscos jurídicos e facilita a precificação adequada dos serviços.

Devedores e terceiros prestadores de garantia beneficiam-se da profissionalização da gestão através de maior transparência, procedimentos padronizados e redução de custos operacionais. A atuação de agente especializado pode resultar em maior eficiência na execução de garantias, potencialmente reduzindo perdas em caso de inadimplemento.

A tipificação legal do agente de garantias representa, assim, evolução fundamental na sofisticação do sistema brasileiro de garantias reais, oferecendo instrumental adequado para atender às demandas crescentes de profissionalização e eficiência na gestão de operações creditícias complexas, contribuindo para desenvolvimento de mercado de crédito mais robusto e competitivo.

O Procedimento em Caso de Inadimplemento

Um dos aspectos mais relevantes da alienação fiduciária é seu procedimento extrajudicial em caso de inadimplemento, regulamentado pelos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997, com as modificações introduzidas pelo Marco Legal das Garantias, que envolve as seguintes etapas:

Constituição em Mora do Devedor

Conforme estabelece o caput do artigo 26 da Lei 9.514/1997, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, a propriedade fiduciária será consolidada no patrimônio do fiduciário. O procedimento inicia-se com a intimação regulamentada no parágrafo 1º do artigo 26, pela qual o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante são intimados pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, por Oficial de Títulos e Documentos ou por correio com aviso de recebimento, para purgar a mora no prazo de 15 dias.

A Lei 13.465/2017 trouxe importantes inovações procedimentais, introduzindo os parágrafos 4º-A, 4º-B e 4º-C ao artigo 26, permitindo a intimação por edital quando o devedor encontra-se em lugar ignorado, incerto ou inacessível, com regras específicas para tentativa prévia de contato eletrônico e definição de lugares inacessíveis.

Consolidação da Propriedade

Não ocorrendo o pagamento no prazo estabelecido no parágrafo 1º do artigo 26, a propriedade consolida-se em nome do credor fiduciário mediante averbação no registro de imóveis, conforme previsto no parágrafo 7º do mesmo artigo. O fiduciário deve recolher o imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e, se for o caso, o laudêmio.

Para os casos de financiamento habitacional, o artigo 26-A da Lei 9.514/1997 estabelece procedimento especial, com prazo adicional de 30 dias após a expiração do prazo para purgação da mora antes da averbação da consolidação da propriedade.

Leilões Públicos

Uma vez consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este deverá promover leilão público para venda do imóvel, conforme disciplina o artigo 27 da Lei 9.514/1997. O primeiro leilão deve ser realizado no prazo de 60 dias contados da data do registro da consolidação (caput do artigo 27, alterado pelo Marco Legal), com lance mínimo igual ao valor do imóvel estipulado no contrato.

Se o primeiro leilão for negativo, realiza-se o segundo leilão nos 15 dias seguintes, conforme parágrafo 1º do artigo 27. O parágrafo 2º do mesmo artigo, com nova redação do Marco Legal, estabelece que no segundo leilão será aceito o maior lance oferecido desde que igual ou superior ao valor integral da dívida mais despesas, podendo o credor aceitar lance correspondente a pelo menos metade do valor de avaliação do bem.

O parágrafo 2º-A do artigo 27 determina que as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor e ao terceiro fiduciante mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato.

Resultados Possíveis dos Leilões

Os resultados possíveis dos leilões, conforme disciplinado no artigo 27 da Lei 9.514/1997, são:

Arrematação por valor superior à dívida: O credor entrega ao devedor, no prazo de cinco dias, o valor que sobejar, nos termos do parágrafo 4º do artigo 27.

Arrematação por valor correspondente ao mínimo do segundo leilão: A execução da garantia atende aos parâmetros legais, sendo o produto distribuído conforme a legislação.

Ausência de lances no segundo leilão: Conforme parágrafo 5º do artigo 27, o fiduciário fica investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação de entrega de valores ao devedor.

A Lei 13.465/2017 introduziu o direito de preferência do devedor fiduciante através do parágrafo 2º-B do artigo 27. Após a consolidação e até o segundo leilão, o devedor tem preferência para adquirir o imóvel pelo valor da dívida mais encargos e despesas.

Modificações Trazidas pelo Marco Legal das Garantias

A Lei 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias) trouxe importantes inovações para a alienação fiduciária de imóveis, modernizando o instituto e ampliando suas possibilidades através de alterações específicas na Lei 9.514/1997:

Alienação Fiduciária Superveniente

Uma das principais inovações introduzidas pelos parágrafos 3º a 10 do artigo 22 da Lei 9.514/1997 é a alienação fiduciária superveniente, que permite a constituição de garantias fiduciárias sucessivas sobre o mesmo imóvel. O parágrafo 3º estabelece que “a alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no registro de imóveis desde a data de sua celebração, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída”.

O parágrafo 4º define regras claras de prioridade: “havendo alienações fiduciárias sucessivas da propriedade superveniente, as anteriores terão prioridade em relação às posteriores na excussão da garantia”. O parágrafo 5º disciplina a sub-rogação, estabelecendo que “o credor fiduciário que pagar a dívida do devedor fiduciante comum ficará sub-rogado no crédito e na propriedade fiduciária em garantia”.

Ampliação do Escopo da Garantia

O Marco Legal modificou o caput do artigo 22 da Lei 9.514/1997 para estabelecer expressamente que a alienação fiduciária pode garantir “obrigação própria ou de terceiro”, não se limitando apenas a financiamentos imobiliários. Esta alteração facilita o uso da alienação fiduciária em operações empresariais e estruturadas, inclusive emissões de títulos de dívida.

O parágrafo 6º do artigo 22 introduz a possibilidade de vencimento antecipado cruzado, determinando que “o inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel”.

Inovações Procedimentais

O Marco Legal aperfeiçoou diversos aspectos procedimentais. O artigo 27 teve seu caput alterado para aumentar o prazo de realização do primeiro leilão de 30 para 60 dias contados da consolidação da propriedade. O parágrafo 2º do mesmo artigo ganhou nova redação estabelecendo critérios mais claros para aceitação de lances no segundo leilão.

Os parágrafos 11 e 12 do artigo 27 introduziram regras específicas sobre a prioridade da propriedade fiduciária sobre direitos reais de garantia ou constrições constituídos posteriormente, estabelecendo que tais direitos “não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e a venda do imóvel para realização da garantia”.

Financiamentos Habitacionais

O artigo 26-A da Lei 9.514/1997 foi modificado para aprimorar a proteção aos financiamentos habitacionais. O caput passou a especificar que se aplica aos “procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida”.

Harmonização com a Execução Hipotecária

O Marco Legal criou convergência procedimental através da introdução da execução extrajudicial hipotecária no artigo 9º da Lei 14.711/2023, que replica muitos dos procedimentos da alienação fiduciária, incluindo prazos similares, critérios de leilão harmonizados e proteções equivalentes ao devedor.

Questões Controvertidas e Desafios Emergentes do Marco Legal das Garantias

A implementação do Marco Legal das Garantias introduz complexidades interpretativas e questões controvertidas que demandam análise cuidadosa tanto por parte dos operadores do direito quanto pelos tribunais. Estas controvérsias abrangem desde questões clássicas que persistem sob o novo regime até problemáticas inéditas decorrentes das inovações legislativas, criando cenário de incerteza jurídica que requer desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial específico.

Aplicação Temporal e Direito Intertemporal

A questão mais imediata e relevante para a prática jurídica refere-se à aplicação do novo regime aos contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei 14.711/2023. O Marco Legal não contém disposições expressas sobre direito intertemporal, gerando incerteza sobre quais inovações aplicam-se aos contratos preexistentes e em que medida os novos procedimentos podem ser utilizados para execução de garantias constituídas sob o regime anterior.

A aplicação da alienação fiduciária superveniente a contratos celebrados antes da vigência da lei apresenta complexidade particular. Embora a possibilidade de constituição sucessiva de garantias fiduciárias tenha fundamento doutrinário anterior ao Marco Legal, a sistematização legal específica e as regras de prioridade introduzidas pela nova legislação suscitam questionamentos sobre sua aplicabilidade a situações já consolidadas. A questão torna-se especialmente relevante considerando que muitos contratos de alienação fiduciária possuem prazos longos de amortização, permanecendo vigentes por anos após a entrada em vigor da nova legislação.

A execução extrajudicial hipotecária apresenta desafio interpretativo significativo em relação aos contratos de hipoteca celebrados anteriormente à lei. O parágrafo décimo quinto do artigo nono da Lei 14.711/2023 estabelece como requisito de validade da hipoteca a previsão expressa do procedimento extrajudicial no título constitutivo. Esta exigência suscita questionamentos sobre a possibilidade de aplicação do novo procedimento a hipotecas constituídas sem tal previsão, gerando potencial disparidade entre contratos celebrados em momentos distintos.

A interpretação mais restritiva sustenta que a execução extrajudicial hipotecária aplica-se exclusivamente aos contratos celebrados após a vigência da lei e que contenham previsão expressa do procedimento. Esta interpretação fundamenta-se na natureza contratual da escolha procedimental e na necessidade de anuência expressa do devedor para submissão ao procedimento extrajudicial. A interpretação mais flexível argumenta que a disponibilidade do procedimento extrajudicial constitui faculdade do credor que independe de previsão contratual específica, desde que observados todos os requisitos procedimentais e garantidos os direitos do devedor.

Extensão da Alienação Fiduciária e Questões Conexas

A disciplina da extensão da alienação fiduciária introduzida pelos artigos 9º-A a 9º-D da Lei 13.476/2017, com as alterações do Marco Legal, gera controvérsias interpretativas sobre sua relação com o instituto da alienação fiduciária superveniente regulamentado na Lei 9.514/1997. Embora ambos os institutos permitam a ampliação da garantia fiduciária para novos créditos, apresentam requisitos e procedimentos distintos que podem gerar conflitos de aplicação.

A extensão da alienação fiduciária limita-se ao âmbito do Sistema Financeiro Nacional e às operações com Empresas Simples de Crédito, exigindo contratação com o mesmo credor da garantia original. A alienação fiduciária superveniente apresenta aplicação mais ampla, permitindo contratação com credores diversos e não se limitando a instituições financeiras específicas. Esta diferenciação pode gerar incertezas sobre qual regime aplicar em situações limítrofes ou quando há sobreposição de requisitos.

A questão da transferibilidade das operações garantidas por extensão de alienação fiduciária suscita controvérsia adicional. O parágrafo segundo do artigo 9º-A da Lei 13.476/2017 estabelece que as operações podem ser transferidas apenas conjuntamente, preservada a unicidade do credor. Esta restrição pode gerar conflitos com princípios gerais da cessão de crédito e limitar a liquidez destes ativos no mercado secundário.

Agente de Garantias e Complexidades Operacionais

A tipificação do agente de garantias introduz questões controvertidas sobre os limites de sua atuação e as implicações da atuação em nome próprio para a constituição e execução de garantias reais. A segregação patrimonial temporalmente limitada estabelecida no parágrafo quinto do artigo 853-A do Código Civil suscita questionamentos sobre a adequação da proteção oferecida aos credores e as consequências do término do prazo de segregação.

A atuação do agente em nome próprio para constituição de garantias reais imobiliárias gera complexidades registrárias significativas que podem comprometer a eficiência operacional pretendida pela lei. A necessidade de múltiplas transferências registrárias para adequada transmissão dos direitos aos credores efetivos pode resultar em custos e complexidades superiores aos arranjos contratuais tradicionais, questionando a vantagem prática da inovação legislativa.

A responsabilidade do agente de garantias perante terceiros de boa-fé que contratam sem conhecimento da relação fiduciária subjacente constitui questão controvertida que demanda desenvolvimento jurisprudencial. A proteção de terceiros de boa-fé é princípio fundamental do sistema registrário imobiliário, mas pode entrar em conflito com os interesses dos credores beneficiários da gestão fiduciária.

Concurso de Credores e Questões Procedimentais

A regulamentação do concurso de credores na execução extrajudicial apresenta questões controvertidas sobre a competência do oficial de registro de imóveis para decisões que tradicionalmente pertenciam ao Poder Judiciário. A elaboração do quadro de credores e o estabelecimento de prioridades demandam interpretação de normas de direito material complexas que podem exceder a competência técnica tradicional dos cartórios.

A distribuição dos recursos obtidos na execução pelo credor exequente, conforme estabelecido no parágrafo segundo do artigo décimo da Lei 14.711/2023, suscita questionamentos sobre os mecanismos de controle e supervisão desta atividade. A concentração de responsabilidades no credor exequente pode gerar conflitos de interesse e demanda desenvolvimento de procedimentos de controle adequados.

A interação entre o procedimento extrajudicial de concurso de credores e eventuais processos judiciais em curso apresenta complexidade adicional. A possibilidade de decisões contraditórias entre o oficial de registro de imóveis e o Poder Judiciário sobre questões de prioridade creditória demanda harmonização procedimental que a lei não contempla expressamente.

Financiamentos Habitacionais e Proteção do Devedor

As modificações no regime especial dos financiamentos habitacionais introduzem controvérsias sobre o alcance da proteção oferecida ao devedor e os critérios de qualificação das operações elegíveis. A distinção entre financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial e outras modalidades creditícias pode gerar discussões sobre situações limítrofes, especialmente em operações mistas ou refinanciamentos.

A manutenção da exoneração do saldo devedor remanescente para financiamentos habitacionais, enquanto se introduz responsabilidade pessoal para as demais operações, cria regime dual que pode gerar incentivos para caracterização inadequada de operações como habitacionais. Esta diferenciação demanda critérios objetivos e controláveis para evitar abuso e assegurar aplicação adequada da proteção legal.

Aspectos Tributários e Registrários

As clarificações sobre incidência do ITBI em operações de consolidação de propriedade fiduciária e execução hipotecária, embora bem-vindas, podem gerar controvérsias sobre sua aplicação a situações específicas e sua harmonização com legislações tributárias locais. A diversidade de interpretações pelos órgãos tributários municipais pode comprometer a uniformidade de aplicação pretendida pela lei federal.

A dispensa de reconhecimento de firma em determinadas situações, prevista no parágrafo terceiro do artigo 9º-B da Lei 13.476/2017, pode gerar resistência por parte de cartórios e questionamentos sobre a segurança jurídica dos atos praticados sem esta formalidade tradicional. A harmonização entre eficiência procedimental e segurança documental demanda desenvolvimento de práticas equilibradas.

Questões Internacionais e Comparativas

A crescente internacionalização do mercado de crédito brasileiro suscita questionamentos sobre a aplicação do Marco Legal das Garantias a operações transfronteiriças e sua compatibilidade com sistemas jurídicos estrangeiros. A atuação de agentes de garantias em operações internacionais pode gerar conflitos de competência e questões de direito internacional privado que demandam análise específica.

A harmonização do sistema brasileiro com padrões internacionais de garantias reais, embora represente avanço significativo, pode gerar tensões com práticas consolidadas em outros ordenamentos jurídicos. Esta questão é particularmente relevante para operações sindicalizadas internacionais e estruturas de project finance com participação de credores estrangeiros.

O desenvolvimento adequado de soluções para estas controvérsias demandará esforço coordenado entre doutrina, jurisprudência e órgãos regulamentares, assegurando que as inovações do Marco Legal das Garantias alcancem seus objetivos de eficiência e segurança jurídica sem comprometer direitos fundamentais ou gerar incertezas prejudiciais ao desenvolvimento do mercado de crédito brasileiro.

Questões Clássicas Persistentes

Além das novas controvérsias introduzidas pelo Marco Legal, algumas questões clássicas da alienação fiduciária permanecem relevantes e demandam análise atualizada sob o novo regime normativo.

Adimplemento Substancial

Uma questão relevante é a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial à alienação fiduciária. Esta teoria sustenta que, quando o devedor já cumpriu parte substancial da obrigação, não seria razoável a resolução do contrato ou a execução da garantia.

No caso da alienação fiduciária, há um debate sobre se o credor fiduciário poderia promover a consolidação da propriedade e o leilão do imóvel quando já houve o adimplemento substancial pelo devedor fiduciante.

A jurisprudência tem oscilado neste tema. Originalmente, havia uma tendência a não aplicar a teoria do adimplemento substancial à alienação fiduciária, entendendo que o procedimento da Lei 9.514/97 seria específico e não admitiria tal limitação. Contudo, decisões mais recentes têm considerado a possibilidade de aplicação da teoria, especialmente em casos onde o inadimplemento é mínimo em relação ao total da dívida.

Aplicação do Artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor

Outra controvérsia diz respeito à aplicabilidade do artigo 53 do CDC, que veda a perda total das parcelas pagas pelo consumidor em contratos de compra e venda de imóvel a prazo ou com alienação fiduciária em garantia.

Há correntes que defendem a inaplicabilidade do art. 53 do CDC, argumentando que a Lei 9.514/97 é posterior e específica. Outros argumentam que, sendo norma de ordem pública e proteção ao consumidor, o CDC deve prevalecer sobre a lei especial.

Uma posição intermediária distingue situações em que o credor fiduciário é o próprio vendedor do imóvel daquelas em que o credor é uma instituição financeira. No primeiro caso, haveria maior razão para aplicação do CDC, pois se trata efetivamente de uma relação de compra e venda a prazo. No segundo, predominaria o regramento da Lei 9.514/97.

Valor do Imóvel para Efeito de Leilão

A Lei 13.465/17 trouxe novidade importante ao estabelecer que caso o valor do imóvel convencionado pelas partes seja inferior ao utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para o imposto de transmissão inter vivos, este último será o valor mínimo para efeito de venda do imóvel no primeiro leilão.

Esta regra busca evitar que o imóvel seja alienado por valor muito abaixo do mercado, prejudicando o devedor fiduciante. No entanto, persiste o debate sobre a adequação dos valores utilizados no segundo leilão, onde o lance mínimo corresponde apenas ao valor da dívida mais despesas.

Indenização e Retenção por Benfeitorias

Questão ainda controversa diz respeito ao direito do fiduciante à indenização por benfeitorias realizadas no imóvel. A Lei 9.514/97 estabelece que, nos cinco dias seguintes à venda no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, “considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias”.

Há interpretações divergentes sobre esse dispositivo. Alguns entendem que o fiduciante não tem direito à retenção do imóvel por benfeitorias, mas apenas a receber eventual saldo após a venda no leilão. Outros argumentam que, em nome do princípio que veda o enriquecimento sem causa, deveria haver mecanismos para valoração específica das benfeitorias.

Prescrição e a Execução Extrajudicial

Uma questão prática importante é a prescrição na alienação fiduciária. Para contratos particulares assinados por duas testemunhas, o prazo para ajuizamento da execução extrajudicial será de 5 anos, e de 3 anos para cédula de crédito bancário, contados a partir do vencimento da dívida.

Transcorrido o prazo prescricional, o credor fiduciário não poderá realizar a cobrança de seu crédito nem pela via extrajudicial e nem mesmo pela judicial. Os tribunais têm reconhecido que a prescrição da pretensão executiva se aplica também à execução extrajudicial imobiliária.

Conclusão

A alienação fiduciária de imóveis consolidou-se como instrumento fundamental para o mercado imobiliário brasileiro, oferecendo segurança jurídica aos credores e condições mais favoráveis de financiamento aos devedores. As recentes alterações legislativas, especialmente o Marco Legal das Garantias, ampliaram suas possibilidades de utilização e aperfeiçoaram seu procedimento de execução.

O Marco Legal das Garantias representa evolução sistêmica que transcende ajustes pontuais, estabelecendo verdadeiro ecossistema integrado de garantias reais. A harmonização procedimental entre alienação fiduciária e hipoteca, a tipificação do agente de garantias e a regulamentação do concurso de credores na execução extrajudicial configuram avanços que posicionam o sistema brasileiro entre os mais sofisticados internacionalmente.

No entanto, persistem questões controvertidas que demandam atenção dos operadores do direito, como a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial, a interação com o Código de Defesa do Consumidor e os limites da execução extrajudicial. As novas controvérsias emergentes do Marco Legal, especialmente quanto à aplicação temporal das inovações e às complexidades operacionais do agente de garantias, requerem desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial específico.

A compreensão adequada desse instituto, tanto em seus aspectos teóricos quanto práticos, é essencial para sua correta aplicação, garantindo a segurança jurídica das operações imobiliárias e o equilíbrio nas relações entre credores e devedores. O desenvolvimento harmonioso destas questões contribuirá para consolidação definitiva do sistema brasileiro de garantias reais como referência de eficiência e segurança jurídica.

Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta a um advogado para análise do caso concreto.


Maurício Lindenmeyer Barbieri
Sócio-gerente da Barbieri Advogados
Mestre em Direito pela UFRGS
Inscrito na Ordem dos Advogados da Alemanha (RAK Stuttgart), Portugal (OAB Lisboa), e Brasil (OAB/RS, DF, SC, PR, SP)