Além da Nota Fiscal: Crimes Tributários e a Importância da Prevenção na Atividade Empresarial

26 de outubro de 2025

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Introdução aos Crimes Tributários e sua Relevância no Contexto Empresarial

Por Caio Cesar da Silva Oliveira

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogado inscrito na OAB sob o nº 132.362. Advogado da Barbieri Advogados.

Visão panorâmica dos crimes contra a ordem tributária e a importância estratégica do compliance preventivo


Este artigo integra série sobre Crimes Tributários e Estratégias de Defesa Empresarial. Leia também:

  • Artigo 1: Possível Configuração de Crime Tributário Antes do Encerramento do Procedimento Fiscal: A Nova Interpretação do STJ

  • Artigo 2: Pagamento ou Parcelamento do Débito Tributário: Estratégias para Extinguir ou Suspender a Punibilidade Penal

  • Artigo 3: Prescrição Antecipada em Crimes Tributários: O Que o Empresário Precisa Saber Sobre o Prazo do Fisco

  • Artigo 4: Crimes Tributários em Operações de Alto Volume: Riscos e Estratégias para Varejo, E-commerce e Serviços

  • Artigo 5: Fiscalização Tributária e Investigação Criminal Simultâneas: Estratégias de Defesa Integrada

  • Artigo 6: Dolo ou Erro? O Elemento Decisivo Entre Infração Administrativa e Crime Tributário


I. Introdução: Desafios e Riscos no Cenário Tributário

A gestão empresarial no Brasil exige atenção às complexas normas tributárias. A conformidade fiscal é um pilar estratégico cuja negligência pode resultar em sanções administrativas, fiscais e severas repercussões criminais, afetando a empresa, o patrimônio e a liberdade dos gestores. O sistema jurídico-econômico demanda vigilância contínua, onde a livre iniciativa deve harmonizar-se com a legislação para evitar vulnerabilidades que levem a autuações, multas e processos penais.

Neste contexto, o Direito Penal Tributário ganha relevância na gestão de riscos corporativos. Condutas antes apenas administrativas podem agora configurar ilícitos penais, com graves consequências, conforme a Lei nº 8.137/1990 e outras normativas que criminalizam ações e omissões contra a ordem tributária. Compreender essas leis é crucial para a blindagem empresarial e a segurança jurídica.

Este artigo aborda os crimes contra a ordem tributária, focando nos crimes materiais do Art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, a apropriação indébita previdenciária e tributária, e a recente mudança jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre crimes formais, especialmente a não emissão de nota fiscal. O objetivo é reforçar a importância da prevenção, do compliance e da assessoria jurídica especializada na mitigação de riscos.

II. Ordem Econômica e a Proteção Penal

A Ordem Econômica Constitucional estabelece os fundamentos e limites da atuação empresarial, harmonizando a livre iniciativa com interesses coletivos e garantindo um ambiente de negócios seguro. Ela serve de base para a proteção penal de bens jurídicos, onde o Direito Penal criminaliza condutas que afetam a integridade do sistema tributário, essencial para a economia. Atos que desrespeitam esses bens coletivos podem resultar em sanções criminais graves.

III. Crimes Contra a Ordem Tributária: Condutas e Consequências

A Lei nº 8.137/1990 tipifica diversas condutas como crimes tributários. É fundamental distinguir:

A. Inadimplemento vs. Sonegação Fiscal

  • Inadimplemento: Ocorre quando o tributo declarado não é recolhido no prazo. É uma infração administrativa, sujeita a multas, sem intenção de fraude, permanecendo na esfera cível-administrativa.

  • Sonegação Fiscal: Caracteriza-se pela intenção de fraude (omissão, declaração falsa) para suprimir ou reduzir tributos, configurando um crime material contra a ordem tributária.

B. Elisão, Elusão e Evasão Fiscal

  • Elisão Fiscal: É a economia lícita de tributos por meios legais, sem violação da lei, sendo um planejamento tributário legítimo sem risco criminal.

  • Elusão Fiscal: Envolve negócios jurídicos atípicos para evitar tributação. Embora em uma área de incerteza, a ausência de intenção fraudulenta geralmente impede a criminalização.

  • Evasão Fiscal: Consiste na prática de atos ilícitos que violam a lei para suprimir ou reduzir tributos, sendo uma conduta fraudulenta que sujeita o empresário a sanções penais.

C. Crimes Materiais (Art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/1990)

Dependentes da efetiva supressão do tributo. Incluem:

  • Omissão de informação ou prestação de declaração falsa.

  • Fraude à fiscalização tributária.

  • Falsificação ou alteração de documentos fiscais.

  • Elaboração, distribuição, fornecimento ou utilização de documento inidôneo.

D. Apropriação Indébita Previdenciária e Tributária

Apropriação Indébita Previdenciária (Art. 168-A do CP) e Tributária (Art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990): Diferente da fraude, configura-se pela retenção indevida de valores, onde o empresário declara, mas não repassa os tributos descontados de terceiros. A criminalização justifica-se pela proteção da disponibilidade desses recursos para o Estado.

IV. Nova Realidade: A Decisão do STJ sobre Crimes Formais

A Súmula Vinculante nº 24 do STF historicamente determinava que, para crimes materiais, a ação penal só iniciava após a constituição definitiva do crédito tributário. Contudo, o STJ, no Recurso em Habeas Corpus n. 209.207/GO, estabeleceu um novo paradigma.

A decisão reafirmou que a falta ou emissão incorreta de nota fiscal (Art. 1º, V, da Lei nº 8.137/1990) pode gerar responsabilização criminal imediata. Este crime é considerado formal, ou seja, se configura pela simples conduta de não emitir ou emitir incorretamente o documento, sem depender da supressão do tributo.

Essa mudança exige que o empresário revise urgentemente seus processos de emissão de documentos fiscais, pois falhas documentais se tornaram um gatilho direto para a persecução penal, acelerando riscos.

Conclusão: Prevenção como Imperativo Estratégico

A crescente complexidade do sistema tributário brasileiro, somada ao endurecimento da fiscalização e da persecução penal, transforma a gestão de riscos tributários em imperativo estratégico para a sustentabilidade empresarial. A linha que separa irregularidades administrativas de crimes tributários, embora teoricamente clara, torna-se tênue na prática operacional, especialmente em ambientes de alto volume transacional e constantes mudanças legislativas.

A recente evolução jurisprudencial, que antecipou a persecução penal para crimes formais de falha documental, intensificou a urgência de programas de compliance tributário robustos e efetivos. A prevenção deixou de ser opção para constituir necessidade existencial: empresas diligentes não apenas evitam sanções administrativas e penais, mas também constroem vantagem competitiva baseada em reputação de integridade e confiabilidade.

O investimento em governança tributária, controles internos rigorosos, capacitação permanente de equipes e assessoria jurídica especializada não constitui custo, mas sim investimento estratégico em blindagem jurídica e perenidade do negócio. Em mercado crescentemente regulado e competitivo, a excelência na conformidade fiscal diferencia empresas sólidas de operações vulneráveis.

Para o empresário que busca compreensão aprofundada dos riscos penais tributários e estratégias específicas de proteção, esta visão panorâmica serve como síntese dos temas abordados ao longo desta série. Os artigos anteriores ofereceram análises técnicas detalhadas sobre aspectos específicos: configuração do crime, estratégias de regularização, prescrição, operações de alto volume, simultaneidade de processos e elemento subjetivo. Juntos, constituem guia completo para navegação segura no complexo cenário do Direito Penal Tributário brasileiro.

A segurança jurídica da empresa e a proteção da liberdade de seus gestores dependem de postura proativa, vigilante e estrategicamente orientada. A assessoria jurídica especializada, com profundo conhecimento técnico e visão sistêmica dos riscos, é parceira indispensável nessa jornada de proteção e crescimento sustentável.


Nota: Este artigo encerra a série “Crimes Tributários e Estratégias de Defesa Empresarial”, oferecendo visão panorâmica e síntese dos conceitos desenvolvidos ao longo dos sete artigos, com ênfase na importância estratégica da prevenção e do compliance tributário para a proteção empresarial.