Adjudicação Compulsória com Promessa de Compra e Venda Sem Registro: É Possível?
Adjudicação Compulsória com Promessa de Compra e Venda Sem Registro: É Possível?
A Súmula 239 do STJ Garante Seus Direitos
Você pagou integralmente seu imóvel, possui contrato de promessa de compra e venda, mas nunca registrou o documento no cartório. Agora o vendedor se recusa a assinar a escritura definitiva ou simplesmente desapareceu. Você perdeu seu investimento? A resposta é não. A Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça estabelece claramente: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”
Esta decisão representa verdadeiro divisor de águas no direito imobiliário brasileiro, protegendo milhares de compradores que, por diversos motivos, não formalizaram o registro de suas promessas de compra e venda. Este artigo analisa detalhadamente como exercer seu direito à propriedade mesmo sem o registro, os requisitos necessários, os riscos envolvidos e as estratégias jurídicas disponíveis para regularizar sua situação em 2025.
A Súmula 239 do STJ e Seus Fundamentos Legais
O Contexto Normativo
O Código Civil brasileiro estabelece dupla proteção ao promitente comprador. Primeiramente, através dos artigos 462 e 463, define o contrato preliminar e garante o direito de exigir a celebração do contrato definitivo quando inexistir cláusula de arrependimento. O artigo 463 é cristalino ao estabelecer que “qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.”
Especificamente sobre a promessa de compra e venda imobiliária, os artigos 1.417 e 1.418 criam sistemática própria. O artigo 1.417 determina que “mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.” Já o artigo 1.418 complementa: “O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
A Interpretação Evolutiva do STJ
A leitura literal do artigo 1.417 poderia sugerir que apenas promessas registradas gerariam direito à adjudicação compulsória. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a realidade social brasileira e a necessidade de proteger o adquirente de boa-fé, consolidou entendimento diverso através da Súmula 239.
Esta interpretação fundamenta-se no princípio da função social do contrato e na vedação ao enriquecimento sem causa. Seria manifestamente injusto permitir que o vendedor, após receber integralmente o preço, pudesse frustrar a transferência da propriedade simplesmente porque o comprador não providenciou o registro da promessa. A súmula reconhece que o registro confere direito real oponível a terceiros, mas sua ausência não elimina o direito pessoal do comprador contra o vendedor.
Direito Real versus Direito Pessoal: Implicações Práticas
A distinção é fundamental para compreender os riscos. Com registro, o promitente comprador possui direito real que o protege contra terceiros, credores do vendedor e eventuais alienações fraudulentas. Sem registro, possui direito pessoal exercível contra o vendedor e seus sucessores, mas vulnerável a determinadas situações.
O direito real registrado cria privilégio na cadeia dominial, enquanto o direito pessoal coloca o comprador em posição de credor comum. Todavia, para fins de adjudicação compulsória, ambas as situações permitem a regularização da propriedade, diferindo principalmente quanto aos riscos durante a tramitação do processo e a necessidade de medidas cautelares protetivas.
Requisitos Essenciais para Adjudicação sem Registro
Os Cinco Pilares Fundamentais
A jurisprudência consolidou cinco requisitos essenciais para a adjudicação compulsória de promessa não registrada, todos de observância obrigatória:
1. Promessa de compra e venda válida: O contrato deve conter todos os elementos essenciais do negócio jurídico – partes capazes, objeto lícito e determinado, preço certo, e forma prescrita ou não defesa em lei. Contratos particulares são aceitos, não sendo imprescindível instrumento público.
2. Inexistência de cláusula de arrependimento: Este requisito é absoluto. Qualquer previsão de arrependimento, ainda que já superado o prazo para seu exercício, inviabiliza a adjudicação compulsória, restando apenas ação de obrigação de fazer.
3. Quitação integral do preço: O pagamento deve estar integralmente comprovado. Aceita-se prova documental diversa – recibos, depósitos bancários, transferências eletrônicas, escrituração contábil do vendedor, ou mesmo prova testemunhal subsidiária quando houver princípio de prova escrita.
4. Recusa do vendedor em outorgar a escritura: Deve-se comprovar a mora do vendedor através de notificação extrajudicial, preferencialmente via cartório de títulos e documentos. A recusa pode ser expressa ou tácita, configurada pelo silêncio após regular notificação.
5. Prova documental mínima da transação: Embora a Súmula 239 dispense o registro, exige-se comprovação documental mínima da existência e dos termos do negócio. Mensagens eletrônicas, correspondências, documentos bancários e outros elementos podem corroborar o contrato principal.
Documentação Estratégica
A preparação documental adequada é crucial para o sucesso da ação. Recomenda-se organizar:
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Contrato de promessa de compra e venda, ainda que particular
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Comprovantes de todos os pagamentos realizados
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Notificação extrajudicial com prova de recebimento
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Certidão atualizada da matrícula do imóvel
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Documentos que demonstrem a posse, se exercida
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Correspondências trocadas entre as partes
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Comprovantes de pagamento de tributos e taxas condominiais
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Fotografias e outros elementos que comprovem a relação com o imóvel
Em casos de documentação incompleta, a jurisprudência tem admitido flexibilização probatória, especialmente em contratos antigos, desde que o conjunto probatório demonstre inequivocamente a existência e os termos essenciais do negócio.
Riscos da Promessa Não Registrada e Proteção Jurídica
Vulnerabilidades Durante a Vigência do Contrato
A ausência de registro expõe o promitente comprador a riscos significativos que devem ser conhecidos e gerenciados:
Alienação a terceiros de boa-fé: Sem o registro, terceiros que adquiram o imóvel do vendedor, verificando a matrícula limpa e desconhecendo a promessa anterior, podem alegar boa-fé. Embora a jurisprudência tenda a proteger o primeiro comprador, o litígio torna-se complexo.
Constrições judiciais: O imóvel permanece penhorável por dívidas do vendedor. Credores podem executar o bem, cabendo ao promitente comprador intervir no processo executivo através de embargos de terceiro, demonstrando sua posse e direitos.
Falência ou insolvência do vendedor: Nestes casos, o comprador precisará habilitar seu crédito e requerer a adjudicação, enfrentando possível concurso com outros credores, embora a jurisprudência reconheça certa preferência ao promitente comprador com posse.
Medidas Protetivas Urgentes
Identificados os riscos, recomenda-se adoção imediata de medidas protetivas:
1. Registro tardio da promessa: Mesmo após anos, o registro permanece possível e recomendável, transformando direito pessoal em real. Necessita-se apenas da via contratual e documentos básicos das partes.
2. Averbação da ação de adjudicação: Ao propor a ação, requerer imediatamente a averbação na matrícula do imóvel, alertando terceiros sobre a litigiosidade do bem.
3. Posse direta do imóvel: Se possível, exercer posse direta, que fortalece significativamente a posição jurídica do comprador e facilita eventual defesa possessória.
4. Pagamento de tributos e despesas: Manter tributos e despesas condominiais em dia, demonstrando exercício de prerrogativas dominiais.
Procedimento Prático: Estratégias Judicial e Extrajudicial
Via Judicial: O Caminho Principal
Para promessas não registradas, a via judicial geralmente é a única opção viável. O procedimento segue rito comum, com peculiaridades importantes:
Petição inicial estratégica: Deve demonstrar claramente o preenchimento dos requisitos, juntar farta documentação, e requerer tutela de evidência para acelerar o procedimento. Em casos de risco de alienação a terceiros, cabível tutela de urgência para bloquear a matrícula.
Valor da causa: Corresponde ao valor atual do imóvel, impactando custas e honorários. Possível discussão sobre utilização do valor histórico do contrato corrigido.
Citação e defesa: O vendedor poderá contestar alegando vícios no negócio, pagamento incompleto, ou exercício de cláusula resolutiva. A robustez documental inicial é crucial para superar eventuais defesas.
Produção probatória: Além da prova documental, admite-se prova testemunhal sobre o negócio e pagamentos, perícia contábil em casos complexos, e inspeção judicial quando relevante.
Sentença e registro: Procedente a ação, a sentença substitui a declaração de vontade do vendedor, servindo como título para registro da propriedade. O trânsito em julgado é necessário, salvo se deferida tutela antecipada.
Via Extrajudicial: Limitações Severas
O Provimento CNJ nº 93/2020, que regulamenta a adjudicação extrajudicial, exige expressamente promessa registrada ou com força de escritura pública. Contratos particulares não registrados não atendem aos requisitos do procedimento extrajudicial.
Excepcionalmente, se o contrato particular contiver assinaturas de duas testemunhas e reconhecimento de firmas, alguns cartórios têm aceitado o procedimento, mas não há uniformidade nacional. Recomenda-se consulta prévia ao cartório local antes de protocolar o pedido.
A inaplicabilidade da via extrajudicial à maioria dos casos sem registro torna a via judicial o caminho principal para regularização. Por isso, a preparação adequada da documentação e a estratégia processual bem definida são fundamentais para o êxito da demanda.
Cessão de Direitos e Situações Especiais
Cessão de Promessa Não Registrada
O promitente comprador pode ceder seus direitos mesmo sem registro da promessa original. A cessão transfere a posição contratual, incluindo o direito à adjudicação compulsória. Dispensa-se anuência do vendedor se o preço está quitado, mas recomenda-se notificá-lo da cessão.
O cessionário sub-roga-se em todos os direitos, podendo requerer a adjudicação compulsória diretamente em seu nome, juntando o contrato original e o instrumento de cessão. A cadeia negocial deve estar clara e documentada.
Adjudicação Contra Herdeiros
Falecido o vendedor, a ação dirige-se contra o espólio ou herdeiros. Não é necessário aguardar a conclusão do inventário, podendo-se requerer a adjudicação paralelamente. A sentença determinará a expedição de formal de partilha específico para transferência do imóvel.
Conclusão: Seus Direitos Estão Garantidos
A Súmula 239 do STJ representa garantia fundamental aos compradores de imóveis, assegurando que o pagamento integral do preço não será frustrado pela ausência de registro da promessa. Todavia, a situação exige atuação técnica especializada para superar os desafios procedimentais e documentais.
A assessoria jurídica qualificada é indispensável para avaliar a documentação disponível, identificar a melhor estratégia processual, e conduzir o procedimento com segurança. A Barbieri Advogados, com três décadas de experiência em direito imobiliário, oferece expertise necessária para regularizar sua propriedade e proteger seu patrimônio.
Não permaneça na insegurança jurídica. Procure orientação especializada e regularize definitivamente sua situação imobiliária.
Artigo elaborado pela equipe de Direito Imobiliário da Barbieri Advogados, com base na expertise de Daiane Rebelato de Mamam (OAB/RS 81.250) e na tradição de 30 anos do escritório em contencioso e consultoria imobiliária.

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