A perícia no Processo do Trabalho

22 de outubro de 2025

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1 A PERÍCIA NO PROCESSO DO TRABALHO

Introdução à Perícia Trabalhista: Esclarecendo sua Importância no Processo do Trabalho

A PERÍCIA NO PROCESSO DO TRABALHO

Análise dos Pressupostos, Procedimentos e Jurisprudência Atualizada

Por Maurício Lindenmeyer Barbieri Sócio da Barbieri Advogados

Nota do Autor: Este artigo integra a pesquisa para a nova edição atualizada da obra “Curso de Direito Processual Trabalhista” (Editora LTr, 1ª ed. 2009), contemplando as significativas alterações legislativas e jurisprudenciais ocorridas nos últimos 16 anos, especialmente o CPC/2015, as Leis n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a decisão do STF na ADI 5766/2021 e a evolução jurisprudencial até 2025, incluindo o Tema 140 do TST sobre prova pericial emprestada.

“A garantia constitucional de acesso à justiça pressupõe não apenas o direito de petição, mas a possibilidade real e efetiva de produzir provas necessárias à demonstração do direito alegado.” (Min. Alexandre de Moraes, ADI 5766)

1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Existem fatos que somente podem ser percebidos por pessoas que possuam determinado conhecimento técnico ou científico. A perícia, portanto, representa o meio através do qual, no processo, pessoas com conhecimentos técnicos verificam fatos de interesse à causa e transmitem ao juiz o respectivo parecer. O perito constitui-se em terceiro tecnicamente idôneo chamado a dar sua opinião acerca da comprovação de fatos cujo esclarecimento requer conhecimentos científicos ou técnicos sobre determinada atividade.

A perícia judicial no processo do trabalho possui dimensão constitucional, conforme reconhecido pelo STF na ADI 5766. A produção da prova técnica vincula-se diretamente aos direitos fundamentais de acesso à justiça (art. 5º, XXXV), assistência jurídica integral (art. 5º, LXXIV), devido processo legal (art. 5º, LIV) e ao princípio da isonomia material, não podendo ser obstaculizada por barreiras econômicas ao trabalhador hipossuficiente.

Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz é assistido por perito, conforme estabelece o artigo 156 do Código de Processo Civil. Este profissional deve ser escolhido entre profissionais de nível universitário inscritos nos órgãos de classe, nos termos do parágrafo primeiro do mesmo dispositivo legal, devendo comprovar sua especialidade na matéria sobre a qual deverá opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiver inscrito, conforme exigência do artigo 156, parágrafo segundo, inciso II, do CPC.

1.1. Evolução Histórica no Processo do Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho originalmente previa a produção da prova pericial em seu artigo 826, que facultava a cada uma das partes apresentar um perito ou técnico. Este dispositivo foi revogado tacitamente pelo artigo 3º e seu parágrafo único da Lei n. 5.584/70, que estabeleceu que os exames periciais serão realizados por perito único designado pelo juiz, que fixará o prazo para entrega do laudo, permitindo-se a cada parte a indicação de um assistente técnico³.

Esta evolução legislativa demonstra a transição de um sistema de perícia dual para o modelo de perito único, alinhando o processo do trabalho com a sistemática processual civil e garantindo maior imparcialidade na produção da prova técnica. Dados apresentados pela ANAMATRA como amicus curiae na ADI 5766 demonstraram o efeito inibitório da reforma trabalhista: redução de 36% no ajuizamento de reclamatórias trabalhistas e abandono de 45% dos pedidos envolvendo insalubridade ou periculosidade após a vigência da Lei 13.467/2017⁷.

O perito tem o dever de cumprir o ofício no prazo que lhe assina a lei, empregando toda sua diligência, sendo-lhe facultado escusar-se do encargo alegando motivo legítimo, nos termos do artigo 157 do Código de Processo Civil.

2. CADASTRO NACIONAL DE PERITOS

2.1. Sistema de Cadastramento

O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao estabelecer um sistema de cadastro de peritos mantido pelos tribunais. O artigo 156, parágrafo primeiro, do CPC determina que os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.

Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na internet ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, conselhos de classe, Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil, conforme determina o artigo 156, parágrafo segundo, do CPC. Esta sistemática visa democratizar o acesso aos encargos periciais e garantir maior transparência na escolha dos experts judiciais.

Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, atualização do conhecimento e experiência dos peritos interessados, nos termos do artigo 156, parágrafo terceiro, do CPC. Tal procedimento assegura a qualidade técnica dos profissionais habilitados e a constante atualização do corpo pericial disponível ao Poder Judiciário.

Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia, conforme estabelece o artigo 156, parágrafo quinto, do CPC.

2.2. Especialização do Perito

O artigo 156, parágrafo primeiro, do CPC estabelece que os peritos devem ser profissionais legalmente habilitados, devendo comprovar especialização na matéria sobre a qual deverão opinar, conforme exigência do artigo 465, parágrafo segundo, inciso II, do mesmo diploma legal.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que não há exigência legal de que a perícia seja conduzida por médico especialista na área específica da doença debatida nos autos, sendo suficiente que o perito seja profissional habilitado com formação técnica adequada. Em decisão paradigmática, o TST estabeleceu que não há previsão legal que exija que a perícia seja conduzida por médico especialista na área específica da doença debatida nos autos, razão pela qual a ausência de especialização do perito na área de neurologia não tem o efeito de invalidar o laudo pericial produzido (TST, Ag-AIRR 0010611-26.2023.5.03.0057, 5ª Turma, Rel. Min. Morgana de Almeida Richa, julgado em 26/02/2025, publicado no DEJT em 11/03/2025).

Importante ressalvar que é nula a perícia realizada por expert sem formação específica para a matéria analisada, mesmo que tal formação seja concluída em momento posterior. A falta de habilitação específica do perito para a matéria objeto da perícia constitui vício insanável, conforme decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RO 0100846-40.2017.5.01.0078, 10ª Turma, Rel. Des. Alba Valeria Guedes Fernandes da Silva, julgado em 23/11/2022, publicado no DEJT em 26/11/2022).

2.3. Regulamentação Específica para Peritos Contadores

Os peritos contadores possuem regulamentação específica através das NBCs PP 01 e 02 do Conselho Federal de Contabilidade⁵. Desde 2018, podem obter certificação adicional através do Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC), mediante aprovação em Exame de Qualificação Técnica (EQT) com exigência mínima de 60% de acertos em provas objetivas e dissertativas. Embora o CNPC represente qualificação diferenciada, não constitui requisito obrigatório para nomeação judicial, permanecendo a autonomia dos tribunais na escolha de peritos, especialmente em comarcas com escassez de profissionais certificados.

3. TIPOS DE PERÍCIA E MEIOS CORRELATOS DE PROVA

3.1. Modalidades Periciais Tradicionais

A perícia é realizada por peritos escolhidos pelo Juízo, podendo as partes indicar assistentes técnicos. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação, conforme estabelece o artigo 464 do Código de Processo Civil.

No processo do trabalho, as perícias mais frequentes vinculam-se à apuração de condições insalubres e perigosas no decorrer do contrato de trabalho, perícia contábil para apuração de eventuais diferenças de horas extras e diferenças salariais, perícia grafodocumentoscópica para apuração de falsidade de documento, e perícia médico-legal para apuração de perda auditiva ou outras sequelas em decorrência da atividade laboral.

3.2. Inspeção Judicial

A inspeção judicial, embora não constitua tecnicamente uma perícia, representa importante meio de prova que pode complementar ou até mesmo substituir a prova pericial em determinadas circunstâncias. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode inspecionar pessoas ou coisas, a fim de esclarecer fato que interesse à decisão da causa, conforme autoriza o artigo 481 do CPC.

Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa, podendo o auto ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia, nos termos do artigo 484 do CPC.

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido a validade da inspeção judicial como meio de prova, especialmente em casos envolvendo condições de trabalho e horas in itinere. O Tribunal Superior do Trabalho já decidiu que a inspeção judicial realizada pelo juízo, quando não impugnada pela parte contrária, constitui prova válida para demonstrar a inexistência de transporte público e fundamentar a condenação em horas in itinere (TST-AIRR 792/2007-126-08-40, 8ª T., Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 1º-10-2008, DJ 3-10-2008).

Importante destacar que a realização de inspeção judicial configura faculdade conferida ao juiz quando se torna necessário o esclarecimento de fato que interesse à decisão da causa, não configurando cerceamento de defesa seu indeferimento quando desnecessária ao deslinde da controvérsia (TST-RR 587/2005-132-05-01, 4ª T., Rel. Min. Barros Levenhagen, j. 23-4-2008, DJ 2-5-2008).

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceu a validade da inspeção judicial para constatar irregularidades em sistema de ponto eletrônico, identificando divergência entre os horários registrados nos relatórios de login/logout e aqueles constantes nas folhas de ponto, evidenciando manipulação dos registros de horários (TRT 4ª R., RO 00195-2006-023-04-00-3, 1ª T., Rel. Des. José Felipe Ledur, DO 1º-4-2008).

4. INDEFERIMENTO DA PERÍCIA

O artigo 464, parágrafo primeiro, do CPC estabelece as hipóteses em que o juiz indeferirá a perícia: quando a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico; quando for desnecessária em vista de outras provas produzidas; e quando a verificação for impraticável.

O Ministro Gilmar Mendes, em voto na ADI 5766, embora reconhecendo a proteção ao hipossuficiente, alertou que “não se pode desconsiderar que o uso indiscriminado de perícias desnecessárias onera o sistema judicial e pode, paradoxalmente, prejudicar o acesso à justiça de outros jurisdicionados”. Esta observação reforça a importância da aplicação criteriosa do artigo 464, §1º, do CPC, que autoriza o indeferimento da perícia quando desnecessária.

4.1. Dispensa da Perícia por Documentos Elucidativos

Complementarmente, o artigo 472 do CPC dispõe que o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.

Ampliando esta possibilidade, o artigo 427 do CPC estabelece que o juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes apresentarem documentos elucidativos sobre as questões de fato. Esta faculdade judicial tem especial relevância no processo do trabalho, onde frequentemente as partes apresentam laudos técnicos elaborados por seus assistentes ou documentos que demonstram de forma clara as condições de trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho tem aplicado esta disposição, reconhecendo que nos termos do artigo 427 do CPC, o juiz pode dispensar a prova pericial quando existirem nos autos documentos que considere elucidativos, principalmente se assentado pelo Regional que a prova documental é suficiente para o deslinde da controvérsia. Esta orientação aplica-se especialmente em casos de adicional de periculosidade quando já existem elementos probatórios suficientes nos autos.

O Enunciado 54 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela ANAMATRA em 2007, ratifica esta possibilidade ao estabelecer que se aplica o artigo 472 do Código de Processo Civil no processo do trabalho, de modo que o juiz pode dispensar a produção de prova pericial quando houver prova suficiente nos autos.

4.2. Cerceamento de Defesa por Indeferimento Indevido

O indeferimento de perícia configura cerceamento de defesa quando demonstrada sua essencialidade para a apuração dos fatos controvertidos. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região decidiu que o indeferimento da prova caracteriza cerceamento quando a perícia contábil era essencial para a apuração de diferenças salariais, verbas variáveis e critérios de promoção, violando o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (TRT-1, RO 0100861-66.2023.5.01.0282, 1ª Turma, Rel. Des. José Nascimento Araujo Neto, julgado em 25/03/2025, publicado no DEJT em 08/04/2025).

5. OBRIGATORIEDADE DA PERÍCIA – ARTIGO 195 DA CLT

No procedimento trabalhista, a regra do artigo 464, parágrafo primeiro, do CPC apresenta exceção importante no caso do artigo 195 da CLT, segundo o qual há obrigatoriedade de designação de perito toda vez que o pedido versar sobre adicional de insalubridade ou periculosidade, ainda que o reclamado seja revel e confesso quanto à matéria de fato.

A caracterização e a classificação da insalubridade e periculosidade, segundo a CLT, far-se-ão através de perícia a cargo de médico do trabalho ou engenheiro do trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento através da Súmula 460, estabelecendo que para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade entre as insalubres, que é ato da competência do Ministro do Trabalho e Previdência.

A obrigatoriedade da perícia técnica para caracterização de insalubridade e periculosidade ganhou reforço constitucional com a ADI 5766. Como destacou a Ministra Rosa Weber em seu voto, sendo a perícia imposição legal do artigo 195 da CLT, torna-se ainda mais grave onerar o trabalhador hipossuficiente com seus custos, configurando verdadeiro obstáculo ao acesso à justiça.

5.1. Exceção à Obrigatoriedade

A Súmula 453 do TST estabelece importante exceção à obrigatoriedade da perícia técnica. Segundo este verbete, o pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, dispensa a realização da prova técnica exigida pelo artigo 195 da CLT, pois torna incontroversa a existência do trabalho em condições perigosas.

6. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DA PERÍCIA

A Orientação Jurisprudencial 278 da SBDI-1 do TST estabelece que a realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova.

Esta orientação representa importante temperamento à rigidez do artigo 195 da CLT, permitindo ao magistrado valer-se de outros elementos probatórios quando a realização da perícia tornar-se impossível por circunstâncias alheias à vontade das partes, especialmente nos casos de encerramento das atividades empresariais ou desativação do local de trabalho.

7. PROCEDIMENTO DA PERÍCIA

7.1. Nomeação e Compromisso

O juiz nomeia o perito fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo, conforme determina o artigo 465 do CPC. Incumbe às partes, dentro de quinze dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito, arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso; indicar assistente técnico; e apresentar quesitos.

É importante destacar que, no processo do trabalho, ainda vigora a exigência do compromisso pericial. O artigo 827 da CLT estabelece que o juiz ou presidente poderá arguir os peritos compromissados ou os técnicos, e rubricará, para ser junto ao processo, o laudo que os primeiros tiverem apresentado. Não se aplica, portanto, ao processo do trabalho o artigo 466, caput, do CPC, segundo o qual o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso⁴.

É relevante observar que, para peritos contadores, o Conselho Federal de Contabilidade mantém o Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC) como sistema de qualificação adicional. Embora este cadastro sirva como referência de profissionais qualificados, não vincula os tribunais em suas nomeações, que mantêm autonomia para escolher peritos conforme as necessidades e disponibilidade local.

O perito pode escusar-se do encargo alegando motivo legítimo, devendo a escusa ser apresentada dentro de quinze dias, contados da intimação ou do impedimento superveniente, sob pena de se reputar renunciado o direito a alegá-la, nos termos do artigo 467 do CPC. Será organizada lista de peritos na vara ou na secretaria, com disponibilização dos documentos exigidos para habilitação à consulta de interessados, para que a nomeação seja distribuída de modo equitativo, observadas a capacidade técnica e a área de conhecimento.

7.2. Substituição do Perito

O perito pode ser substituído quando carecer de conhecimento técnico ou científico; quando, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. No caso previsto no artigo 468, inciso II, do CPC, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.

7.3. Realização da Perícia

O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição, conforme estabelece o artigo 466 do CPC.

Durante a diligência pericial, o perito e os assistentes técnicos podem utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia, conforme autoriza o artigo 473 do CPC.

7.4. Perícia Complexa com Múltiplos Peritos

O artigo 475 do CPC autoriza a nomeação de mais de um perito quando a matéria objeto da perícia apresentar complexidade que demande conhecimentos multidisciplinares. Esta disposição aplica-se ao processo do trabalho por força da aplicação subsidiária e supletiva do CPC, conforme artigos 769 da CLT e 15 do CPC.

No processo do trabalho, a perícia complexa com múltiplos peritos tem especial relevância em situações que demandam análise simultânea de diferentes especialidades, tais como: acidentes de trabalho que exigem avaliação médica e de engenharia de segurança conjuntamente; questões envolvendo sistemas informatizados que requerem expertise contábil e de tecnologia da informação; e análises de ambiente de trabalho que necessitam avaliação de múltiplos agentes insalubres por especialistas diversos.

Nestes casos, o juiz poderá nomear peritos de diferentes especialidades que atuarão conjuntamente, devendo apresentar laudo único ou, quando justificável, laudos complementares que abordem os aspectos específicos de cada área de conhecimento.

8. ESTRUTURA DO LAUDO PERICIAL

O laudo pericial deverá conter a exposição do objeto da perícia; a análise técnica ou científica realizada pelo perito; a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou; e a resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público, conforme determina o artigo 473 do CPC.

No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões. É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia, nos termos do artigo 473, parágrafos segundo e terceiro, do CPC.

9. VALORAÇÃO DA PROVA PERICIAL

O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o sistema do livre convencimento motivado, estabelecido no artigo 371 do CPC, indicando na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, conforme determina o artigo 479 do CPC.

Se houver necessidade, o juiz pode determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira, conforme artigo 480 do CPC. A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e de outra.

10. INQUIRIÇÃO DO PERITO

O juiz poderá inquirir o perito e os assistentes técnicos em audiência de instrução e julgamento, formulando as perguntas sob a forma de quesitos, conforme autoriza o artigo 477, parágrafo terceiro, do CPC. Esta faculdade processual permite ao magistrado esclarecer pontos obscuros ou contraditórios do laudo pericial, contribuindo para a formação de seu convencimento.

11. ASSISTENTES TÉCNICOS

Cada parte pode indicar um assistente técnico, que apresentará seu parecer no prazo comum de quinze dias após intimadas as partes da apresentação do laudo pelo perito oficial, conforme estabelece o artigo 477 do CPC. O assistente técnico não está sujeito a impedimento ou suspeição, sendo profissional de confiança da parte.

A Súmula 341 do TST estabelece que a indicação do assistente técnico é faculdade da parte, a qual deve responder pelos respectivos honorários, ainda que vencedora no objeto da perícia.

No caso específico dos contadores, a NBC PP 01, em seu item 33, estabelece que o assistente técnico deve obrigatoriamente celebrar contrato de prestação de serviços com seu cliente, observando as normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Contabilidade. Esta exigência formal visa garantir clareza nas responsabilidades e honorários do assistente técnico contador.

É importante destacar que, no processo do trabalho, por força do parágrafo único do artigo 3º da Lei 5.584/70, o assistente técnico deve apresentar seu laudo no mesmo prazo assinalado para o perito, sob pena de desentranhamento dos autos. Esta regra especial prevalece sobre o artigo 477 do CPC, que estabelece prazo comum de quinze dias após a intimação das partes, caracterizando mais uma peculiaridade do procedimento pericial trabalhista.

12. PERÍCIA SIMPLIFICADA

O artigo 464, parágrafo segundo, do CPC estabelece que, de ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade. A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.

Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa, conforme autoriza o artigo 464, parágrafo quarto, do CPC.

No processo do trabalho, esta modalidade tem especial aplicação em casos de menor complexidade, permitindo maior celeridade processual sem comprometer a qualidade técnica da prova produzida.

13. HONORÁRIOS PERICIAIS

13.1. Responsabilidade pelo Pagamento

Conforme o artigo 790-B da CLT, modificado pela Lei 13.467/2017, a responsabilidade pelos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia. A alteração legislativa incluiu a expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, o que tem gerado debate sobre sua constitucionalidade, especialmente considerando o direito fundamental de acesso à justiça para o trabalhador hipossuficiente.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5766 em 20 de outubro de 2021, estabeleceu importante distinção entre honorários periciais e advocatícios. Segundo o acórdão, os honorários periciais vinculam-se à busca da verdade processual, não podendo onerar o trabalhador hipossuficiente. A Corte declarou inconstitucional a expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita” do caput do artigo 790-B, bem como o parágrafo 4º do mesmo artigo, fixando a tese de que “é inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual”.

“A presunção legal de alteração da situação econômica do beneficiário da justiça gratuita, pelo simples fato de haver obtido créditos em outro processo, desconsidera a natureza alimentar das verbas trabalhistas” (STF, ADI 5766, Rel. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. 20/10/2021).

O STF estabeleceu distinção fundamental: enquanto os honorários advocatícios decorrem do princípio da sucumbência, os honorários periciais vinculam-se à busca da verdade processual, não podendo onerar o trabalhador hipossuficiente. Como destacado no acórdão: “Os honorários periciais, diferentemente dos honorários advocatícios sucumbenciais, decorrem da necessidade de produção de prova técnica determinada pelo juízo, não podendo o trabalhador ser penalizado por buscar a verdade dos fatos.”

A redação atual do artigo 790-B estabelece que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Ao fixar o valor dos honorários periciais, o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. O juízo poderá deferir parcelamento dos honorários periciais. O juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias. Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo¹.

A NBC PP 01 do Conselho Federal de Contabilidade estabelece, em seu item 35, que o perito contador nomeado pode requerer a liberação de até 50% dos honorários depositados antes do início dos trabalhos, quando julgar necessário para o custeio. A mesma norma veda expressamente o recebimento de honorários diretamente dos litigantes ou de seus procuradores, salvo disposição em contrário determinada pela autoridade competente, reforçando o princípio da imparcialidade pericial.

13.2. Impacto da ADI 5766 na Jurisprudência Trabalhista

Após a decisão do STF na ADI 5766, os tribunais trabalhistas devem observar as seguintes diretrizes:

a) Presunção de manutenção da hipossuficiência: Não se pode presumir que o trabalhador perdeu a condição de hipossuficiente pelo simples fato de ter obtido créditos em outro processo;

b) Ônus probatório do empregador: Cabe ao empregador demonstrar, com prova robusta, eventual alteração na capacidade econômica do beneficiário da justiça gratuita;

c) Aplicação ampla da Súmula 457 do TST: A responsabilidade da União pelo pagamento dos honorários periciais quando o beneficiário não dispõe de recursos deve ser aplicada sem restrições indevidas;

d) Vedação ao condicionamento: É inconstitucional condicionar o benefício da gratuidade à ausência de créditos obtidos em juízo.

13.3. A Questão Constitucional – ADI 5.766

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.766 em 20 de outubro de 2021, fixou importante tese sobre a matéria, estabelecendo que é inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário. A relatoria inicial coube ao Ministro Roberto Barroso, sendo redator do acórdão o Ministro Alexandre de Moraes⁶.

A decisão do STF na ADI 5.766 representa marco fundamental na proteção do acesso à justiça, estabelecendo que não se pode presumir perda da hipossuficiência apenas pela obtenção de créditos trabalhistas, cabendo ao empregador o ônus de provar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário.

13.4. Súmula 457 do TST

Em consonância com a proteção ao trabalhador hipossuficiente, o TST editou a Súmula 457, estabelecendo que a União é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita, observado o procedimento disposto nos artigos 1°, 2° e 5° da Resolução n. 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho².

A Súmula 236 do TST complementa esta sistemática ao estabelecer que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita.

13.5. Vedação ao Depósito Prévio

A Orientação Jurisprudencial 98 da SBDI-2 estabelece que é ilegal a exigência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à realização da perícia, independentemente do depósito.

Com a inclusão do parágrafo terceiro do artigo 790-B pela Lei 13.467/2017, que estabelece expressamente que o juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias, a vedação ao depósito prévio tornou-se norma legal expressa, reforçando o entendimento já consolidado na OJ 98 da SBDI-2.

14. PERÍCIA CONSENSUAL

As partes podem escolher o perito de comum acordo, conforme autoriza o artigo 471 do CPC, desde que sejam plenamente capazes e a causa possa ser resolvida por autocomposição. Nesta modalidade, as partes devem indicar conjuntamente os assistentes técnicos. A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz, representando importante instrumento de autonomia processual das partes.

15. PROVA PERICIAL EMPRESTADA

15.1. Tema 140 do TST – Tese Vinculante

O Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o Tema 140 em 16 de maio de 2025, estabeleceu tese vinculante sobre a validade da prova pericial emprestada. Segundo a decisão do Tribunal Pleno, a utilização de prova pericial emprestada para comprovar insalubridade ou periculosidade é válida, independentemente da concordância da parte contrária, desde que esteja presente a identidade fática entre o processo de origem e o processo em que a prova é utilizada, e seja observado o contraditório na produção da prova original e nos autos em que ela é trasladada, não configurando nulidade processual o indeferimento de nova perícia quando observados esses requisitos (TST, Tribunal Pleno, RRAg 1000-38.2023.5.23.0107, Tema 140, julgado em 16/05/2025, DEJT 16/05/2025).

15.2. Requisitos Cumulativos

Para a validade da prova pericial emprestada, devem estar presentes requisitos cumulativos: identidade fática, caracterizada pelo mesmo empregador, local de trabalho, função e período compatível; contraditório duplo, tanto na produção original quanto no processo de destino; e desnecessidade de concordância, sendo válida mesmo sem anuência da parte contrária, desde que observados os demais requisitos.

15.3. Aplicação Geral da Prova Emprestada

O artigo 372 do CPC prevê a possibilidade de adoção da prova emprestada de forma ampla, estabelecendo que o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. Esta regra aplica-se subsidiariamente ao processo do trabalho, conforme artigos 769 da CLT e 15 do CPC.

O Supremo Tribunal Federal tem admitido a prova emprestada até mesmo no processo criminal, onde imperam regras muito mais rígidas acerca da produção de provas. Em julgamento unânime, o STF reconheceu que a jurisprudência da Corte permite a utilização de provas colhidas em outro processo, desde que seja dada à defesa a oportunidade de se manifestar sobre estas provas, respeitando os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (STF, HC n. 95.186, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).

Trata-se de faculdade conferida ao juiz para, no caso concreto sob sua cognição, aproveitar prova produzida em outro processo, seja civil, trabalhista, administrativo ou inquérito civil, e trasladá-la para o processo sob sua direção, desde que intime as partes para, querendo, sobre ela se manifestarem. Não há necessidade de aquiescência da parte para que o juiz admita a prova emprestada, seja pericial, documental, testemunhal ou inspeção judicial, desde que assegure à parte a faculdade de exercer o direito fundamental ao contraditório tanto no processo de origem como no processo para o qual será utilizada.

16. PERÍCIA POR TELEMEDICINA

O Enunciado 4 da 3ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela ANAMATRA em 2023, estabelece que é viável a realização de perícias psiquiátrica e psicológica por meio virtual (telemedicina), a critério do juiz, observada a legislação dos conselhos profissionais. Esta inovação representa importante adaptação do procedimento pericial às novas tecnologias, especialmente relevante no contexto pós-pandêmico.

17. PERÍCIA DIGITAL E NOVAS TECNOLOGIAS

17.1. Legitimidade da Prova Digital

A evolução tecnológica das relações de trabalho tem demandado novos meios de produção probatória. Há controvérsias sobre a legitimidade da produção das provas digitais no processo do trabalho, sobretudo em função das limitações impostas pelo artigo 22 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e artigo 7º, inciso VI, da Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD).

O Enunciado 2 da 3ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Salvador-BA nos dias 22 e 23 de março de 2023, propõe tese no sentido de reconhecer a legitimidade e viabilidade de produção de prova digital no processo do trabalho, tanto por iniciativa da parte interessada quanto de ofício pelo magistrado.

A única restrição estabelecida refere-se aos dados em trânsito, protegidos pelo artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, pois nessa hipótese a obtenção dos dados implicaria interceptação, restrita ao processo penal e à investigação criminal. Entretanto, é plenamente possível a utilização de dados armazenados nos dispositivos eletrônicos como meio de prova.

17.2. Ponderação entre Privacidade e Direito à Prova

O Enunciado 3 da mesma Jornada estabelece importante diretriz interpretativa ao reconhecer que tanto o direito à privacidade e à proteção de dados, garantidos pelo artigo 5º, incisos X e LXXIX da Constituição, quanto o direito à prova, corolário do devido processo legal previsto no artigo 5º, inciso LIV, são direitos fundamentais. Havendo conflito entre esses direitos, o juiz deve utilizar a técnica da ponderação dos valores fundamentais envolvidos.

Esta ponderação deve considerar as limitações impostas pelo artigo 22 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e artigo 7º, inciso VI, da Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), sem, contudo, inviabilizar a produção probatória necessária ao esclarecimento dos fatos controvertidos.

17.3. Geolocalização como Meio de Prova

O Enunciado 5 da 3ª Jornada reconhece que sistemas de coleta de geolocalização do Google constituem meio válido de comprovação do trabalho e tempo de trabalho. Em se tratando de controvérsia judicial sobre a prestação de serviços, dias e horários trabalhados, dados colhidos do celular utilizado pelo trabalhador, por meio do GPS (Global Positioning System), que coleta dados em tempo real, constitui prova digital válida.

Complementarmente, o Enunciado 6 permite a utilização de registros de geolocalização como meios de prova em processo judicial, desde que observados os requisitos de necessidade e proporcionalidade. Não há direito líquido e certo à produção de tal prova quando os fatos puderem ser demonstrados pelos meios ordinários e menos invasivos da privacidade das partes.

17.4. Implicações Práticas da Perícia Digital

A admissão da prova digital no processo do trabalho apresenta desafios técnicos e jurídicos específicos. O perito designado para análise de provas digitais deve possuir conhecimento especializado em tecnologia da informação, sendo capaz de verificar a autenticidade e integridade dos dados eletrônicos apresentados.

Os laudos periciais digitais devem observar protocolos específicos de preservação da cadeia de custódia digital, garantindo a rastreabilidade e confiabilidade dos dados analisados. A perícia digital pode envolver análise de metadados, registros de acesso a sistemas, logs de aplicações, mensagens eletrônicas, dados de geolocalização e outros elementos tecnológicos relevantes para a comprovação dos fatos alegados.

Os citados enunciados são fontes doutrinárias do direito processual do trabalho e podem ser utilizados como reforço de fundamentação das decisões judiciais, representando importante evolução interpretativa para adequação do processo do trabalho às novas realidades tecnológicas das relações laborais.

18. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO

No rito sumaríssimo, somente quando a prova do fato o exigir ou for legalmente imposta será deferida prova técnica, conforme estabelece o artigo 852-H da CLT. O juiz deve, desde logo, fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear perito. As partes serão intimadas a manifestar-se sobre o laudo no prazo comum de cinco dias, demonstrando a preocupação do legislador com a celeridade processual característica deste procedimento especial.

19. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

19.1. Natureza Facultativa

O artigo 879, parágrafo sexto, da CLT estabelece que o juiz poderá nomear perito para cálculos complexos, tratando-se de faculdade, não obrigatoriedade. A jurisprudência consolidou que inexiste obrigatoriedade de perícia mesmo diante de cálculos complexos, conforme decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (AP 0011466-08.2015.5.01.0003, 6ª Turma, Rel. Des. Claudia Regina Vianna Marques Barrozo, DEJT 26/09/2020).

19.2. Contraditório Diferido

A jurisprudência admite contraditório diferido na perícia de liquidação, podendo a impugnação ocorrer via embargos à execução, sem necessidade de intimação prévia para designação, conforme estabeleceu o TST (AIRR 0001367-42.2012.5.02.0007, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 20/04/2018).

19.3. Irrecorribilidade

A decisão que determina perícia na liquidação possui natureza interlocutória, sendo irrecorrível de imediato, aplicando-se a Súmula 214 do TST, conforme decidiu o TRT-1 (AP 0000979-91.2013.5.01.0247, 7ª Turma, Rel. Des. Theocrito Borges dos Santos Filho, DEJT 17/10/2018).

20. AÇÃO REVISIONAL E ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Quando há condenação ao pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade e a relação de emprego permanece vigente, o pagamento será continuativo. Havendo alteração posterior nas condições de trabalho que elimine, reduza ou agrave o agente nocivo, faz-se necessário o ajuizamento de ação revisional, nos termos do artigo 505, inciso I, do CPC.

A ação revisional pode ser proposta tanto pelo empregador, quando implementadas medidas que eliminaram ou reduziram o agente insalubre ou periculoso, quanto pelo empregado, caso as condições de trabalho tenham se agravado, como na hipótese de alteração do grau de insalubridade de médio para máximo.

Esta ação constitui instrumento processual específico para adequação da condenação à realidade fática superveniente, não se confundindo com o descumprimento da decisão judicial, mas sim com a alteração das circunstâncias que fundamentaram a condenação original.

21. SÍNTESE DA JURISPRUDÊNCIA FUNDAMENTAL

Súmulas do TST

A Súmula 214 estabelece que na Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 893, parágrafo primeiro, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; ou que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no artigo 799, parágrafo segundo, da CLT.

A Súmula 236 determina que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita.

A Súmula 341 estabelece que a indicação do assistente técnico é faculdade da parte, a qual deve responder pelos respectivos honorários, ainda que vencedora no objeto da perícia.

A Súmula 453 dispõe que o pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, dispensa a realização da prova técnica exigida pelo artigo 195 da CLT, pois torna incontroversa a existência do trabalho em condições perigosas.

A Súmula 457 estabelece que a União é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita, observado o procedimento disposto nos artigos 1°, 2° e 5° da Resolução n. 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Orientações Jurisprudenciais da SBDI-1

A Orientação Jurisprudencial 165 estabelece que o artigo 195 da CLT não faz qualquer distinção entre o médico e o engenheiro para efeito de caracterização e classificação da insalubridade e periculosidade, bastando para a elaboração do laudo seja o profissional devidamente qualificado.

A Orientação Jurisprudencial 278 determina que a realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova.

Orientação Jurisprudencial da SBDI-2

A Orientação Jurisprudencial 98 estabelece que é ilegal a exigência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à realização da perícia, independentemente do depósito.

Enunciados das Jornadas de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA

O Enunciado 54 da 1ª Jornada, realizada em 2007, estabelece que se aplica o artigo 472 do Código de Processo Civil no processo do trabalho, de modo que o juiz pode dispensar a produção de prova pericial quando houver prova suficiente nos autos.

O Enunciado 2 da 3ª Jornada, realizada em 2023, reconhece a legitimidade e viabilidade da produção de prova digital no processo do trabalho.

O Enunciado 3 da 3ª Jornada estabelece a necessidade de ponderação entre o direito à privacidade e o direito à prova quando houver conflito entre esses direitos fundamentais.

O Enunciado 4 da 3ª Jornada determina que é viável a realização de perícias psiquiátrica e psicológica por meio virtual (telemedicina), a critério do juiz, observada a legislação dos conselhos profissionais.

O Enunciado 5 da 3ª Jornada reconhece a validade dos sistemas de geolocalização como meio de prova do trabalho e tempo de trabalho.

O Enunciado 6 da 3ª Jornada estabelece requisitos de necessidade e proporcionalidade para utilização de registros de geolocalização como prova judicial.

Precedentes Vinculantes

A ADI 5766 do STF, julgada em 20 de outubro de 2021, fixou a tese de que é inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário. A relatoria inicial coube ao Ministro Roberto Barroso, sendo redator do acórdão o Ministro Alexandre de Moraes.

O Tema 140 do TST, julgado em 16 de maio de 2025, estabeleceu que a utilização de prova pericial emprestada para comprovar insalubridade ou periculosidade é válida, independentemente da concordância da parte contrária, desde que esteja presente a identidade fática entre o processo de origem e o processo em que a prova é utilizada, e seja observado o contraditório na produção da prova original e nos autos em que ela é trasladada, não configurando nulidade processual o indeferimento de nova perícia quando observados esses requisitos (TST, Tribunal Pleno, RRAg 1000-38.2023.5.23.0107).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perícia no processo do trabalho continua evoluindo para equilibrar a necessidade de prova técnica com os princípios da celeridade e economia processual. As recentes decisões do STF e TST demonstram preocupação com o acesso à justiça, especialmente para trabalhadores hipossuficientes, ao mesmo tempo em que buscam racionalizar o sistema através de instrumentos como a prova emprestada e a perícia simplificada.

Os desafios contemporâneos decorrentes das transformações no mundo do trabalho, incluindo o teletrabalho, as plataformas digitais e a crescente utilização de inteligência artificial, demandarão constante adaptação dos métodos periciais. A incorporação da perícia digital e o reconhecimento da geolocalização como meio de prova representam passos importantes nesta evolução, mantendo-se sempre o rigor técnico essencial à justiça das decisões laborais.

As Jornadas de Direito Material e Processual do Trabalho promovidas pela ANAMATRA têm contribuído significativamente para a evolução interpretativa do instituto, oferecendo orientações práticas que, embora não vinculantes, influenciam decisivamente a jurisprudência trabalhista, demonstrando a importância do diálogo entre academia, magistratura e advocacia para o aperfeiçoamento do sistema processual trabalhista.

A tensão entre a proteção de dados pessoais e o direito à prova constitui novo capítulo na evolução da perícia trabalhista, exigindo dos operadores do direito sensibilidade para ponderar valores fundamentais e garantir tanto a privacidade quanto o acesso à justiça. Os enunciados aprovados na 3ª Jornada da ANAMATRA representam importantes diretrizes para navegação neste complexo cenário, estabelecendo parâmetros de proporcionalidade e necessidade que devem orientar a produção da prova digital.

A regulamentação específica dos peritos contadores através das NBCs PP 01 e 02 demonstra a importância da autorregulação profissional, servindo de modelo para outras categorias. O sistema de certificação via CNPC, embora não obrigatório universalmente, representa evolução qualitativa importante na profissionalização da atividade pericial.

A inspeção judicial, embora não constitua tecnicamente uma perícia, permanece como importante instrumento complementar ou substitutivo da prova pericial em determinadas circunstâncias, especialmente quando se trata de verificação direta de condições de trabalho ou funcionamento de sistemas eletrônicos de controle de jornada.

A possibilidade de nomeação de múltiplos peritos em casos complexos e o reconhecimento da ação revisional como instrumento adequado para alterações supervenientes das condições de trabalho demonstram a adaptabilidade do sistema processual trabalhista às demandas práticas do mundo do trabalho contemporâneo.

A decisão do STF na ADI 5766 representa verdadeiro divisor de águas na proteção do acesso à justiça para o trabalhador hipossuficiente, reafirmando que os honorários periciais, por vincularem-se à busca da verdade processual e não ao princípio da sucumbência, não podem criar obstáculos econômicos ao exercício de direitos fundamentais. Esta decisão, somada às evoluções jurisprudenciais e tecnológicas aqui analisadas, demonstra que a perícia no processo do trabalho continua sendo instrumento essencial para a realização da justiça social, adaptando-se constantemente às novas realidades sem perder de vista sua função primordial: permitir ao magistrado o conhecimento técnico necessário para a justa solução dos conflitos laborais.


Notas:

¹ O parágrafo quarto do artigo 790-B estabelece que somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

² A Resolução n. 66/2010 do CSJT disciplina o procedimento para pagamento de honorários periciais pela União nos casos de assistência judiciária gratuita.

³ A Lei n. 5.584/70 representou importante marco na evolução do procedimento pericial trabalhista, unificando a figura do perito judicial e estabelecendo a sistemática ainda hoje vigente de perito único com possibilidade de assistentes técnicos.

⁴ A manutenção da exigência do compromisso no processo do trabalho representa uma das peculiaridades que o distinguem do processo civil, reforçando a solenidade e responsabilidade do encargo pericial na seara trabalhista.

⁵ As Normas Brasileiras de Contabilidade PP 01 (R1) de 19/03/2020 e PP 02 de 21/10/2016 estabelecem o marco regulatório específico para peritos contadores, servindo como modelo de regulamentação profissional que outros conselhos de classe poderiam adotar.

⁶ No julgamento da ADI 5766, o STF dividiu-se em votação apertada (6×5). Os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski votaram pela inconstitucionalidade total dos dispositivos impugnados, argumentando que qualquer restrição à gratuidade violaria o núcleo essencial do direito fundamental de acesso à justiça. Especialmente relevante foi o argumento da Min. Rosa Weber de que “a perícia em matéria de insalubridade e periculosidade é obrigatória por força do art. 195 da CLT, não podendo o trabalhador ser onerado por cumprir exigência legal”.

⁷ Dados apresentados pela ANAMATRA como amicus curiae na ADI 5766 demonstraram o efeito inibitório da reforma: redução de 36% no ajuizamento de reclamatórias trabalhistas e abandono de 45% dos pedidos envolvendo insalubridade ou periculosidade após a vigência da Lei 13.467/2017.


Maurício Lindenmeyer Barbieri é advogado inscrito na OAB/RS sob o nº 36.798, com inscrições suplementares no Distrito Federal, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, além de registro nas Ordens dos Advogados da Alemanha (RAK Stuttgart) e Portugal (Lisboa). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e Bacharel em Ciências Contábeis. Mestre em Direito pela UFRGS e sócio da Barbieri Advogados.