A Decisão do STF sobre o IOF: Análise Jurídico-Tributária da Inconstitucionalidade Parcial dos Decretos 12.466 e 12.467/2025

05 de outubro de 2025

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Introdução: Os Limites Constitucionais da Competência Regulamentar – Decisão do STF sobre o IOF

A Decisão do STF sobre o IOF: Análise Jurídico-Tributária da Inconstitucionalidade Parcial dos Decretos 12.466 e 12.467/2025

Por Maurício Lindenmeyer Barbieri

1. Introdução: Os Limites Constitucionais da Competência Regulamentar

Em 16 de julho de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão monocrática liminar parcialmente procedente na ADC 96, suspendendo apenas as disposições relativas ao “risco sacado” nos Decretos 12.466 e 12.467/2025, mantendo válidas as demais majorações do IOF. A decisão cautelar estabelece importante precedente sobre os limites da competência regulamentar em matéria tributária e a distinção entre alteração de alíquotas e criação de hipóteses de incidência, ainda que sujeita à confirmação pelo Plenário do STF.

2. Estrutura Conceitual do IOF: Natureza Jurídica e Espécies

2.1. Características Fundamentais

O IOF constitui tributo de competência exclusiva da União (art. 153, V, CF), dotado de três características distintivas: pluralidade de hipóteses de incidência, extrafiscalidade predominante e flexibilidade normativa. Sua função regulatória justifica as exceções constitucionais aos princípios da legalidade (art. 153, §1º) e anterioridade (art. 150, §1º).

2.2. IOF/Crédito: Base de Cálculo e Alíquotas

Modalidade

Base de Cálculo

Alíquota Máxima Legal

Alíquota Pós-Decreto

Pessoa Jurídica

Principal da operação

1,5% ao dia

0,0082% ao dia + 0,95%

Pessoa Física

Principal + encargos

1,5% ao dia

0,0041% ao dia + 0,38%

Factoring

Valor da cessão

0,0041% ao dia

Mantida

Cartão de Crédito

Valor financiado

0,0082% ao dia

Mantida

Câmbio

Valor da operação

25%

3,5% (unificada)

3. Fundamentos Constitucionais da Extrafiscalidade

A extrafiscalidade tributária, conforme leciona Hugo de Brito Machado, manifesta-se quando “o tributo é extrafiscal quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, para buscar um efeito diverso da simples arrecadação.” O art. 153, §1º, da CF estabelece delegação legislativa permanente, mas não ilimitada, encontrando três limites intransponíveis: material (observância das alíquotas máximas legais), formal (motivação e publicidade dos atos) e teleológico (finalidade extrafiscal comprovável).

4. O Caso do Risco Sacado: Análise da Inconstitucionalidade

4.1. Estrutura Jurídica da Operação

O “risco sacado” envolve cessão onerosa de direitos creditórios entre fornecedor, empresa-âncora e instituição financeira. A operação não configura mútuo, financiamento ou abertura de crédito, mas cessão de direitos regulada pelo Código Civil (arts. 286-298).

4.2. A Violação ao Princípio da Tipicidade

Alberto Xavier ensina que “o princípio da tipicidade significa que o tributo se deve considerar excluído de plano sempre que o respectivo fato gerador não se enquadre rigorosamente em uma das situações taxativamente previstas na lei.” A equiparação por decreto viola o art. 97 do CTN, que estabelece reserva legal absoluta para instituição de tributos.

4.3. Considerações sobre a Decisão Liminar

A suspensão parcial determinada em sede cautelar pelo Ministro Alexandre de Moraes, embora tecnicamente correta quanto ao risco sacado, suscita questões jurídicas que merecem aprofundamento no julgamento de mérito. A distinção entre alteração de alíquota (permitida por decreto) e criação de hipótese de incidência (vedada) foi adequadamente estabelecida. Contudo, a validação liminar das demais majorações poderia ter contemplado análise mais detida quanto aos limites da extrafiscalidade, especialmente considerando a magnitude dos aumentos e o contexto de sua edição.

5. Análise Crítica das Majorações Validadas

5.1. Impactos Setoriais e Proporcionalidade

As majorações validadas representam aumentos de até 250% para pessoas jurídicas e 920% para operações cambiais específicas. Tal elevação, implementada com vigência imediata, suscita questionamentos sobre proporcionalidade e razoabilidade, princípios que, embora não explicitamente invocados na decisão cautelar, são inerentes ao controle de constitucionalidade e poderão ser examinados pelo Plenário.

5.2. Segurança Jurídica e Operações em Curso

A aplicação imediata das novas alíquotas atingiu operações já contratadas mas ainda não liquidadas, gerando situação de insegurança jurídica. O princípio da não-surpresa, corolário da segurança jurídica, poderia fundamentar modulação temporal mais adequada, protegendo expectativas legítimas dos agentes econômicos.

5.3. O Teste da Extrafiscalidade

A função precipuamente regulatória e extrafiscal do IOF é reconhecida pela jurisprudência consolidada do STF. Entretanto, majorações de tal magnitude, sem demonstração clara de objetivo regulatório, aproximam-se perigosamente do uso fiscal de instrumento extrafiscal. O julgamento definitivo poderá estabelecer parâmetros mais claros para distinguir o uso legítimo da competência regulamentar de eventual desvio de finalidade arrecadatória.

5.4. Implicações para o Processo de Adesão à OCDE

O Brasil, em seu processo de adesão à OCDE, assumiu compromissos de convergência regulatória, incluindo a eliminação progressiva de barreiras aos fluxos de capital. O Código de Liberalização de Movimentos de Capital da OCDE estabelece que países-membros devem eliminar restrições a operações financeiras internacionais.

Especificamente quanto ao IOF, o Brasil comprometeu-se a zerar alíquotas sobre operações de câmbio e investimentos estrangeiros até 2026, conforme roadmap apresentado ao Comitê de Investimentos da organização. As majorações ora analisadas, especialmente a elevação para 3,5% em operações cambiais, movem-se em direção contrária aos compromissos assumidos.

Embora decisões tributárias soberanas sejam prerrogativa nacional, a dissonância entre as majorações e os compromissos internacionais pode gerar questionamentos sobre a previsibilidade do ambiente regulatório brasileiro, elemento central nas avaliações da OCDE sobre governança econômica.

6. Conclusão: Precedentes e Implicações Jurídicas

A decisão liminar do STF estabelece três paradigmas fundamentais: a extrafiscalidade como requisito substancial de validade, a impossibilidade de inovação na hipótese de incidência por decreto, e o controle teleológico dos atos normativos tributários.

É importante ressaltar o caráter provisório desta decisão. Por tratar-se de medida cautelar, o mérito ainda será apreciado pelo Plenário do STF, oportunidade em que a Corte poderá rever tanto os fundamentos quanto a extensão da suspensão determinada. O julgamento definitivo oferecerá oportunidade para análise mais abrangente, incluindo a compatibilidade das majorações com compromissos internacionais assumidos perante a OCDE e a aplicação do teste de proporcionalidade.

A validação parcial das majorações em sede liminar sugere tolerância com uso fiscal moderado de tributo extrafiscal, criando zona cinzenta que demanda maior clareza jurisprudencial. A segurança jurídica, pilar do Estado de Direito, exige previsibilidade nas relações tributárias. Majorações abruptas e substanciais, mesmo quando formalmente válidas, comprometem o ambiente de negócios e a confiança no sistema tributário.

O precedente cautelar, embora importante na defesa da tipicidade tributária, deixa questões em aberto que certamente serão enfrentadas no julgamento de mérito. A distinção entre uso fiscal e extrafiscal do IOF permanece como desafio hermenêutico que demanda desenvolvimento jurisprudencial mais robusto, especialmente considerando os compromissos internacionais do Brasil e a necessária harmonização entre soberania fiscal e integração econômica global.