ICMS-ST: Conceitos Fundamentais e os Desafios da Insegurança Jurídica 

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09 de junho de 2025

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O ICMS com Substituição Tributária representa um dos regimes mais complexos e tecnicamente desafiadores do sistema tributário brasileiro. Sua aplicação abrange diversos setores da economia e exige das empresas não apenas o domínio de conceitos técnicos específicos, mas também a constante atenção às mudanças legislativas e jurisprudenciais que moldam sua interpretação. A relevância do tema transcende aspectos meramente operacionais, uma vez que envolve questões constitucionais fundamentais e gera significativos impactos financeiros para os contribuintes. Neste contexto, torna-se essencial compreender não apenas os fundamentos do instituto, mas também os desafios jurídicos contemporâneos que cercam sua aplicação, particularmente no que se refere às controvérsias sobre a cobrança de complemento do imposto.

O que é o ICMS-ST: Conceitos Fundamentais Definição e Funcionamento Básico A Substituição Tributária no âmbito do ICMS constitui um mecanismo jurídico pelo qual a responsabilidade pelo recolhimento do imposto devido em operações subsequentes é concentrada em um único contribuinte da cadeia produtiva. Este regime representa uma exceção ao princípio geral da tributação, segundo o qual cada contribuinte responde pelo imposto incidente sobre suas próprias operações. O funcionamento do sistema baseia-se na antecipação do recolhimento do ICMS que seria devido nas etapas posteriores da cadeia de circulação de mercadorias. Enquanto em uma operação convencional cada elo da cadeia recolhe o imposto correspondente à sua operação específica, no regime de substituição tributária um único contribuinte assume a responsabilidade pelo recolhimento de todo o imposto da cadeia, calculado com base em uma margem de valor agregado presumida. Esta concentração de responsabilidades visa primordialmente facilitar a fiscalização por parte dos estados, reduzindo o número de contribuintes a serem monitorados e aumentando a eficiência da arrecadação. O regime também busca combater a sonegação fiscal, especialmente em setores onde há maior pulverização de contribuintes ou histórico de inadimplência tributária. Os Agentes da Substituição Tributária No contexto da substituição tributária, identificam-se dois agentes principais com responsabilidades distintas e complementares.

O substituto tributário, geralmente posicionado no início da cadeia produtiva, assume a responsabilidade legal pelo cálculo e recolhimento antecipado do ICMS. Esta posição é tipicamente ocupada por fabricantes, importadores ou grandes distribuidores, que possuem maior capacidade de controle e fiscalização por parte das autoridades fazendárias. O substituto tributário deve não apenas calcular e recolher o imposto com base nas regras específicas de cada estado de destino das mercadorias, mas também cumprir uma série de obrigações acessórias complexas. Estas incluem a emissão de documentos fiscais com códigos específicos, o preenchimento de declarações especializadas e a manutenção de controles detalhados sobre as operações realizadas.

Por outro lado, os substituídos tributários compreendem os demais agentes da cadeia que recebem as mercadorias com o ICMS já recolhido antecipadamente. Embora dispensados do recolhimento do imposto, estes contribuintes não estão isentos de obrigações, devendo observar regras específicas de escrituração fiscal e controle de estoque, além de cumprir determinadas obrigações acessórias relacionadas ao regime. Base Legal e Regulamentação Fundamento Constitucional O regime de substituição tributária do ICMS encontra seu fundamento constitucional na Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que introduziu o § 7º ao artigo 150 da Constituição Federal. Este dispositivo estabelece que a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

A redação constitucional revela a natureza excepcional do instituto, que permite a cobrança antecipada de tributo antes da ocorrência do fato gerador, contrariando o princípio geral da tributação. Esta excepcionalidade é compensada pela garantia constitucional de restituição imediata e preferencial dos valores pagos quando o fato gerador presumido não se concretizar. A competência para legislar sobre ICMS permanece com os estados e o Distrito Federal, conforme estabelecido no artigo 155 da Constituição Federal. Contudo, a aplicação da substituição tributária em operações interestaduais exige regulamentação por lei complementar, nos termos do inciso XII, alínea “b”, do § 2º do mesmo artigo, além da celebração de convênios específicos entre os estados interessados. Convênios e Protocolos A Lei Complementar nº 87, de 1996, conhecida como Lei Kandir, estabelece as normas gerais para a aplicação da substituição tributária do ICMS. Este diploma legal define os contornos básicos do instituto, estabelecendo regras sobre responsabilidade, base de cálculo e direito à restituição, sem, contudo, esgotar todas as possibilidades de aplicação do regime. O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) desempenha papel fundamental na harmonização das regras de substituição tributária entre os estados. O Convênio ICMS nº 52, de 2017, representa o principal instrumento normativo neste sentido, estabelecendo diretrizes gerais para a aplicação do regime em operações interestaduais e definindo os produtos sujeitos à substituição tributária através de anexos específicos.

A aplicação da substituição tributária em operações interestaduais depende necessariamente da existência de acordo específico entre os estados envolvidos, formalizado através de convênios ou protocolos. Esta exigência decorre da necessidade de harmonizar as diferentes legislações estaduais e garantir a segurança jurídica nas operações que envolvem mais de uma unidade federativa. Aspectos Práticos do ICMS-ST Identificação de Produtos Sujeitos ao Regime A determinação de quais produtos estão sujeitos ao regime de substituição tributária constitui etapa fundamental para a correta aplicação do instituto. Esta identificação baseia-se primordialmente na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que classifica as mercadorias de acordo com suas características e finalidades específicas. O Código Especificador da Substituição Tributária (CEST) representa instrumento adicional de identificação, sendo obrigatório nas operações com produtos sujeitos ao regime. Este código permite maior precisão na identificação dos produtos e facilita o controle por parte das autoridades fiscais, devendo ser informado nos documentos fiscais mesmo quando a operação específica não estiver sujeita à substituição tributária.

Os setores tradicionalmente abrangidos pelo regime incluem bebidas em geral, produtos farmacêuticos, combustíveis, veículos automotores, produtos de perfumaria e higiene pessoal, entre outros. A definição dos produtos sujeitos ao regime varia conforme a legislação de cada estado, embora haja tendência de harmonização através dos convênios do CONFAZ. Cálculo e Base de Cálculo A determinação da base de cálculo do ICMS-ST constitui um dos aspectos mais complexos do regime, envolvendo não apenas o valor da operação realizada pelo substituto, mas também a estimativa do valor que será praticado nas operações subsequentes. Esta estimativa é realizada através da aplicação da Margem de Valor Agregado (MVA), índice percentual que busca refletir o valor agregado nas etapas posteriores da cadeia. A MVA é estabelecida pelos estados, frequentemente através de pesquisas de mercado ou estudos setoriais, e pode variar conforme o produto, o estado de origem e destino, e outras circunstâncias específicas. Sua aplicação resulta na formação de uma base de cálculo presumida, sobre a qual incide a alíquota do ICMS para determinar o valor do imposto a ser recolhido antecipadamente.

Em operações interestaduais, o cálculo torna-se ainda mais complexo, exigindo ajustes que considerem as diferentes alíquotas aplicáveis. O substituto deve calcular o ICMS devido ao estado de origem, aplicando a alíquota interestadual, e o ICMS-ST devido ao estado de destino, aplicando a alíquota interna sobre a base de cálculo presumida, deduzindo o valor já recolhido ao estado de origem. Obrigações Acessórias e Recolhimento O cumprimento das obrigações relacionadas ao ICMS-ST exige atenção a prazos e procedimentos específicos que variam conforme a legislação de cada estado. O recolhimento do imposto em operações interestaduais deve ser realizado através da Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), observando-se os prazos estabelecidos pela legislação do estado de destino. Os prazos para recolhimento variam conforme a situação do contribuinte substituto. Quando inscrito no estado de destino, o recolhimento deve ocorrer até o dia 9 do mês seguinte ao da operação. Para contribuintes não inscritos, o recolhimento deve ser realizado no momento da saída da mercadoria. Contribuintes optantes pelo Simples Nacional inscritos no estado de destino possuem prazo estendido até o dia 2 do segundo mês subsequente.

As obrigações acessórias incluem a entrega de diversas declarações específicas, como a Declaração de Substituição Tributária, Diferencial de Alíquota e Antecipação (DeSTDA) para optantes pelo Simples Nacional, e a Guia de Informação e Apuração do ICMS-ST (GIA-ST) para os demais contribuintes. Adicionalmente, devem ser observadas as regras do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e a correta utilização de códigos fiscais específicos nos documentos emitidos. Os Desafios da Insegurança Jurídica O Problema do Complemento do ICMS-ST A questão do complemento do ICMS-ST representa uma das principais fontes de insegurança jurídica no regime de substituição tributária. Enquanto o direito à restituição quando a base de cálculo efetiva é inferior à presumida encontra respaldo constitucional expresso e foi consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 593.849 (Tema 201), a cobrança de complemento na situação inversa carece de fundamento constitucional claro. O § 7º do artigo 150 da Constituição Federal trata exclusivamente da restituição de valores pagos quando o fato gerador presumido não se realizar, não fazendo qualquer menção à possibilidade de cobrança adicional quando o valor efetivo supera o presumido. Esta omissão constitucional não pode ser interpretada como autorização implícita para a cobrança de complemento, uma vez que a instituição de tributos deve observar rigorosamente o princípio da legalidade. A tentativa de aplicação da lógica do Tema 201 de forma inversa ignora os limites constitucionais que regem o poder de tributar. A cobrança de complemento constitui, em essência, instituição de novo tributo ou aumento de tributo existente, devendo observar não apenas o princípio da legalidade, mas também os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, além da necessidade de regulamentação por lei complementar.

Divergências na Aplicação pelos Estados A ausência de regulamentação constitucional expressa sobre a cobrança de complemento tem levado diversos estados a editarem legislações próprias sobre o tema, criando um cenário de divergência normativa que amplifica a insegurança jurídica. O Estado de São Paulo, através da Lei nº 17.293, de 2020, exemplifica esta tendência ao estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de complemento pelo contribuinte substituído quando o valor da operação final superar a base de cálculo da retenção. Esta proliferação de legislações estaduais sobre complemento do ICMS-ST ocorre sem o respaldo de lei complementar nacional, contrariando o disposto no artigo 155, § 2º, XII, “b”, da Constituição Federal, que exige regulamentação por lei complementar para as questões relacionadas à substituição tributária. A Lei Complementar nº 87, de 1996, permanece silente sobre a possibilidade de cobrança de complemento, tratando apenas do direito à restituição. As diferentes abordagens adotadas pelos estados criam um ambiente de incerteza para as empresas que operam em múltiplas unidades federativas, exigindo adaptações constantes aos diversos regimes locais e aumentando significativamente os custos de compliance. Esta fragmentação normativa contraria os objetivos de simplificação e harmonização que deveriam nortear o sistema tributário nacional. Posicionamento dos Tribunais Superiores O posicionamento dos tribunais superiores sobre a questão do complemento do ICMS-ST ainda não alcançou a clareza necessária para pacificar a controvérsia.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha se pronunciado definitivamente sobre o direito à restituição no Tema 201, a questão do complemento permanece em aberto, gerando decisões divergentes nos tribunais estaduais. O julgamento do ARE 1.455.613/SP pelo STF indicou que a questão do complemento não configuraria ofensa direta à Constituição, mas apenas violação reflexa, remetendo a competência para análise ao Superior Tribunal de Justiça. Esta decisão, contudo, não enfrentou o mérito da questão constitucional, deixando em aberto aspectos fundamentais sobre a legalidade da cobrança. Alguns tribunais estaduais têm adotado posicionamento favorável à cobrança de complemento, baseando-se em interpretações que aplicam a lógica da restituição de forma inversa e invocando o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Contudo, esta jurisprudência não é uniforme, e decisões em sentido contrário também podem ser encontradas, evidenciando a necessidade de pronunciamento definitivo dos tribunais superiores. Impactos Práticos para as Empresas Riscos e Contingências A incerteza jurídica sobre a cobrança de complemento do ICMS-ST gera impactos significativos para as empresas sujeitas ao regime.

O principal risco reside na possibilidade de autuações fiscais baseadas em legislações estaduais de constitucionalidade duvidosa, obrigando as empresas a destinarem recursos para defesa administrativa e judicial de posições que deveriam ser inequívocas à luz da Constituição Federal. A necessidade de constituição de provisões contábeis para fazer frente a eventuais exigências de complemento representa outro impacto relevante, afetando o planejamento financeiro das empresas e reduzindo a previsibilidade dos custos tributários. Esta situação é particularmente gravosa para empresas que operam com margens reduzidas ou em setores altamente competitivos.

Os custos de compliance também são significativamente ampliados pela necessidade de acompanhamento constante das mudanças legislativas em múltiplos estados, implementação de controles específicos para monitoramento das bases de cálculo efetivas versus presumidas, e manutenção de assessoria jurídica especializada para orientação sobre as constantes mudanças interpretativas. Estes custos adicionais podem representar desvantagem competitiva significativa, especialmente para empresas de menor porte que não possuem estrutura interna adequada para lidar com a complexidade do tema. Estratégias de Gestão de Riscos Diante do cenário de incerteza jurídica, as empresas devem adotar estratégias proativas de gestão de riscos tributários relacionados ao ICMS-ST. O acompanhamento legislativo constante torna-se essencial, não apenas das normas federais e convênios do CONFAZ, mas também das legislações específicas de cada estado onde a empresa mantém operações ou para onde destina mercadorias. A implementação de sistemas de controle adequados representa investimento fundamental para o gerenciamento dos riscos associados ao regime. Estes sistemas devem ser capazes de monitorar as bases de cálculo presumidas versus efetivas, identificar automaticamente situações que possam gerar exigências de complemento, e manter histórico detalhado das operações para eventual necessidade de defesa perante o fisco. A documentação adequada de todas as operações sujeitas ao regime constitui elemento crucial para a defesa em eventuais fiscalizações. Esta documentação deve incluir não apenas os documentos fiscais obrigatórios, mas também controles internos que demonstrem a correta aplicação das regras de substituição tributária e a observância às normas específicas de cada jurisdição. A consultoria jurídica especializada torna-se indispensável para navegação segura neste ambiente de incerteza.

A complexidade técnica do tema, combinada com a constante evolução legislativa e jurisprudencial, exige acompanhamento por profissionais com expertise específica em direito tributário e profundo conhecimento das nuances do regime de substituição tributária. Perspectivas e Tendências Cenário Atual e Expectativas O cenário atual da substituição tributária do ICMS caracteriza-se pela convivência entre aspectos consolidados e questões em aberto que demandam definição pelos tribunais superiores. Enquanto os fundamentos básicos do regime encontram-se bem estabelecidos na legislação e jurisprudência, a questão do complemento permanece como fonte de instabilidade jurídica que afeta significativamente o ambiente de negócios. A expectativa de pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da cobrança de complemento representa elemento central para a estabilização do regime. Este pronunciamento é aguardado não apenas pelos contribuintes, mas também pelos próprios estados, que necessitam de segurança jurídica para orientar suas políticas fiscais e evitar a proliferação de litígios.

A evolução do tema também está intrinsecamente relacionada às discussões sobre a Reforma Tributária em curso no país. As propostas de unificação dos tributos sobre consumo podem impactar significativamente o regime de substituição tributária, seja através de sua manutenção em novo formato, seja através de sua substituição por mecanismos alternativos de controle fiscal. Impacto da Reforma Tributária A Reforma Tributária aprovada pelo Congresso Nacional prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirão gradualmente os tributos atuais sobre consumo, incluindo o ICMS. Esta transformação estrutural do sistema tributário brasileiro necessariamente impactará o regime de substituição tributária, embora os contornos específicos desta mudança ainda não estejam completamente definidos. A manutenção de algum mecanismo de substituição tributária no novo sistema é provável, considerando-se a eficácia do instituto para fins de controle fiscal e arrecadação. Contudo, a unificação dos tributos e a criação de um sistema nacional único podem simplificar significativamente as regras aplicáveis, reduzindo a complexidade atual decorrente da multiplicidade de legislações estaduais.

O período de transição entre o sistema atual e o novo regime tributário exigirá atenção especial das empresas, que deverão adaptar-se gradualmente às novas regras enquanto mantêm o cumprimento das obrigações no sistema vigente. Esta transição pode estender-se por vários anos, conforme previsto na legislação da reforma, exigindo planejamento cuidadoso e acompanhamento constante das mudanças normativas. A definição clara das regras sobre complemento do ICMS-ST no sistema atual torna-se ainda mais relevante neste contexto de transição, uma vez que questões não resolvidas podem perpetuar-se no novo sistema ou gerar complexidades adicionais durante o período de migração. A resolução definitiva destas controvérsias pelo Supremo Tribunal Federal contribuiria significativamente para a estabilidade jurídica necessária durante este processo de transformação estrutural do sistema tributário brasileiro.

A experiência acumulada com o regime de substituição tributária do ICMS certamente influenciará o desenho dos mecanismos de controle fiscal no novo sistema tributário. As lições aprendidas sobre a importância da clareza normativa, da harmonização entre diferentes jurisdições e da necessidade de respaldo constitucional adequado para os instrumentos de controle fiscal deverão orientar a construção do novo arcabouço legal, contribuindo para um sistema mais eficiente e juridicamente seguro.

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