O ambiente tributário brasileiro, historicamente intrincado e oneroso, tem sido um dos maiores desafios para o desenvolvimento empresarial. A complexidade da legislação tributária, a multiplicidade de tributos e a constante insegurança jurídica geram altos custos de compliance e impactam diretamente a competitividade das empresas. Segundo o Banco Mundial, em 2019, uma empresa brasileira gastava em média 1.958 horas para pagar tributos, um tempo significativamente maior que a média de 206 horas em 190 países pesquisados, evidenciando a urgência de uma reformulação profunda.
A promulgação da Emenda Constitucional n. º 132/2023, que institui a Reforma Tributária, emerge como um marco para redefinir esse cenário, visando a simplificação e a racionalização da tributação sobre o consumo. Para o setor empresarial, essa reforma não é apenas uma mudança legal, mas uma reconfiguração fundamental que exige profunda adaptação empresarial e um planejamento fiscal estratégico imediato. Com o ano de 2026 marcando o início de sua complexa transição, compreender por meio de parceiros estratégicos, os mecanismos e os impactos das mudanças na tributação, através de soluções jurídicas seguras é, desta forma, essencial.
Os Pilares da Nova Tributação: IBS, CBS e Imposto Seletivo
A essência da Reforma Tributária reside na substituição de diversos tributos sobre o consumo por apenas dois novos impostos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Essa unificação visa superar a fragmentação do sistema anterior, que contava com cinco tributos (IPI, ICMS, ISSQN, PIS, COFINS) gerando um panorama de alta complexidade, elevado contencioso tributário e disparidades na carga tributária.
A inspiração para o IBS e a CBS vem do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), caracterizado pela plurifasidade e pela ampla não cumulatividade. O imposto incidirá em todas as etapas da cadeia produtiva, mas o valor pago em etapas anteriores poderá ser integralmente creditado na etapa subsequente. Essa característica é fundamental para eliminar o “efeito cascata” e para incentivar a formalização das operações, combatendo eficazmente a sonegação fiscal. Essa maior neutralidade fiscal promete impactar positivamente as relações comerciais ao longo da cadeia produtiva.
Com uma base de incidência ampla, o IBS e a CBS absorverão os antigos IPI, ICMS, ISSQN, PIS e COFINS, promovendo uma simplificação notável. A principal inovação é a migração da tributação na origem para a tributação no destino, ou seja, o imposto será recolhido onde o bem ou serviço é consumido. Essa alteração visa pôr fim à “guerra fiscal” entre estados, que distorcia a concorrência e a alocação de investimentos, e promete uma distribuição mais equitativa da arrecadação. Embora essa mudança seja vista como positiva para a economia tributária, estudos indicam que estados e municípios podem enfrentar desafios iniciais, ressaltando a importância dos mecanismos de transição.
Para o contribuinte, embora sejam tecnicamente dois tributos, sua normatização similar fará com que funcionem como um único imposto, reduzindo significativamente a complexidade. O IBS terá suas alíquotas fixadas por estados e municípios, enquanto a CBS terá suas alíquotas definidas pela União Federal.
Complementando esse novo arcabouço, a reforma introduz o Imposto Seletivo. De competência federal, este imposto incidirá sobre a produção, extração ou importação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Essa medida reflete uma tendência global de desestimular o consumo de certos produtos através da oneração fiscal, alinhando a política fiscal a princípios de ESG e tributação, e exigindo das empresas um reforço no compliance tributário para setores específicos.
Outras Alterações Relevantes e o Regime do Simples Nacional
A Reforma Tributária não se limita apenas aos impostos sobre consumo. Ela também traz ajustes em tributos sobre o patrimônio. Para o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a União poderá atualizar a base de cálculo. Para o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a reforma permite a cobrança sobre veículos aquáticos e aéreos, além de prever a possibilidade de alíquotas progressivas conforme o impacto ambiental. Para o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), são esperadas alterações importantes na progressividade das alíquotas e na competência para cobrança sobre bens no exterior, impactando diretamente o planejamento sucessório e a estrutura de holding familiar ou holding patrimonial.
A reforma também aborda novos princípios e regras de imunidade tributária, um tema vital para entidades sem fins lucrativos. A atualização dessas regras visa trazer maior clareza e adequação à realidade, exigindo que essas organizações revisem seus programas de integridade fiscal.
Para as microempresas e empresas de pequeno porte (ME e EPP) enquadradas no Simples Nacional, ajustes são esperados. Qualquer alteração na tributação de PIS, COFINS, ICMS e ISSQN pode influenciar as alíquotas e bases de cálculo aplicáveis ao Simples, impactando seu planejamento tributário e a escolha do regime tributário mais vantajoso.
A Transição Tributária a partir de 2026: Fase a Fase.
A transição da Reforma Tributária é um processo detalhado e faseado, sua compreensão é vital para qualquer planejamento tributário estratégico e a gestão tributária de longo prazo.
2026: O Início e a Fase de Teste do Novo Sistema.
O ano de 2026 marca o início da transição tributária. O IBS estadual (0,1%) e a CBS federal (0,9%) serão cobrados. É crucial notar que esses recolhimentos não representarão um aumento na carga tributária, pois os valores pagos poderão ser integralmente compensados com débitos de PIS, COFINS e PIS/COFINS-Importação. Essa compensação tributária garante a neutralidade fiscal na fase inicial, incentivando a conformidade fiscal e a adaptação às novas rotinas de escrituração fiscal e obrigações acessórias. Os recursos arrecadados em 2026 com IBS e CBS serão utilizados para financiar o Comitê Gestor do IBS e o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais.
A Partir de 2027: A Cobrança Integral e as Extinções Federativas
Em 2027, inicia-se a cobrança integral da CBS e do Imposto Seletivo. PIS/COFINS e PIS/COFINS-Importação são oficialmente extintos. O IPI terá alíquotas zeradas para a maioria das operações, exceto para produtos com industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus (ZFM), mantendo a desoneração nessa região. O IOF deixará de incidir sobre operações de seguro. A Contribuição ao PASEP permanece vigente. O Senado Federal fixará as alíquotas de referência para o Imposto Seletivo e a CBS.
2027 e 2028: IBS em Implementação Gradual
Enquanto a transição dos tributos federais é mais acelerada, o IBS, de competência estadual e municipal, passará por uma implementação mais gradual. Em 2027, o IBS é efetivamente implantado com alíquotas bastante baixas: 0,05% para o IBS estadual e 0,05% para o IBS municipal. A alíquota da CBS será reduzida em 0,1% nesses dois anos para não onerar o contribuinte, demonstrando preocupação com o equilíbrio fiscal.
2029 a 2032: A Substituição e a Redução Escalonada
A partir de 2029, inicia-se o processo mais intenso de substituição do ICMS e do ISSQN pelo IBS. As alíquotas do ICMS e do ISSQN serão recalibradas anualmente, reduzindo-se em 10% a cada ano até alcançarem 60% em 2032. Os benefícios fiscais de ICMS existentes também serão ajustados proporcionalmente. O Senado Federal definirá as alíquotas de referência do IBS para estados e municípios, buscando preservar a receita. Essa complexa gestão tributária estratégica exigirá acompanhamento constante.
2033: A Consolidação do Novo Sistema
Finalmente, em 2033, os impostos ICMS e ISSQN serão extintos, consolidando o novo modelo da Reforma Tributária.
A Complexa Transição do Direito Financeiro: Redirecionando a Arrecadação (2029-2097)
A transição do Direito Financeiro, que se estenderá por mais de 60 anos, aborda a redistribuição de receitas entre as entidades federativas. Essa é a essência da mudança da tributação na origem para o destino, garantindo o equilíbrio fiscal. Um Comitê Gestor do IBS atuará como centralizador, retendo uma parte dos valores do IBS para distribuir aos estados e municípios com base em sua receita média histórica. Uma retenção adicional de 5% será destinada a entes com menor capacidade fiscal, buscando equalizar os impactos da migração para a tributação no destino. Somente após esses passos, os valores remanescentes serão distribuídos conforme o critério do local de destino.
Gestão de Benefícios Fiscais e Saldos Credores de ICMS
Benefícios fiscais de ICMS concedidos via LC 160/2017 serão impactados. De 2029 a 2032, sofrerão redução proporcional. O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com recursos da União, ressarcirá os incentivos industriais concedidos por prazo certo e sob condição onerosa.
Saldos credores de ICMS acumulados até 2032 serão homologados e compensados com o IBS em parcelas, garantindo a recuperação de créditos tributários. A lei complementar detalhará esses procedimentos.
Desafios e Oportunidades nas Relações Comerciais e Tecnologia
A Reforma Tributária traz novos desafios nas relações comerciais, especialmente na economia digital. O princípio do destino e a neutralidade do IBS/CBS visam simplificar o e-commerce e a tributação internacional, como importação e exportação. A regulamentação complementar será crucial para esses avanços.
Incentivos para a Indústria Automotiva e o Foco em ESG
A reforma prorroga até 2032 incentivos fiscais para a indústria automotiva (crédito presumido da CBS), focando em veículos elétricos ou híbridos e biocombustíveis. Essa medida alinha o desenvolvimento regional com a transição energética, a descarbonização e a inovação tecnológica, reforçando a agenda de ESG.
A Importância de Parcerias Estratégicas na Navegação da Reforma Tributária
A Reforma Tributária é um divisor de águas, exigindo das empresas adaptação empresarial e gestão de riscos tributários. Soluções jurídicas deverão ser, igualmente, abrangentes. A experiência em Direito Tributário, Direito Empresarial, Compliance e Integridade, e Due Diligence permitirá auxiliar na análise de impacto, reorganização societária, planejamento fiscal estratégico, defesa em contencioso tributário e recuperação de créditos tributários, transformando os desafios da Reforma Tributária em catalisadores de desenvolvimento e economia tributária para seu negócio.
