Juros sobre Capital Próprio: Entenda as Novas Regras Tributárias e as Controvérsias em Julgamento no STJ
Os Juros sobre Capital Próprio (JCP) representam uma das principais ferramentas de planejamento tributário disponíveis às empresas brasileiras, constituindo-se em mecanismo fundamental para a otimização da carga fiscal e distribuição de resultados aos sócios e acionistas. Com as recentes alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.789/2023 e as controvérsias pendentes de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, torna-se essencial compreender os novos contornos jurídicos desta importante figura tributária.
Conceito e Natureza Jurídica dos Juros sobre Capital Próprio
Os Juros sobre Capital Próprio constituem modalidade específica de remuneração paga ou creditada por pessoa jurídica aos seus titulares, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio investido na empresa. Esta figura jurídica foi instituída pela Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, como mecanismo compensatório pela extinção da correção monetária de balanço, medida implementada no contexto das reformas econômicas do Plano Real.
A natureza jurídica dos JCP diferencia-se substancialmente dos dividendos tradicionais, uma vez que são tratados contabilmente como despesa financeira da empresa, e não como distribuição de lucros. Esta característica fundamental confere aos JCP sua principal vantagem tributária, permitindo a dedução do valor na apuração das bases de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O instituto dos JCP encontra-se disciplinado no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, com as alterações promovidas pela legislação superveniente, especialmente a Lei nº 14.789/2023, que trouxe modificações significativas aos critérios de apuração e dedutibilidade.
Principais Alterações Introduzidas pela Lei 14.789/2023
A Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023, promoveu alterações substanciais no regime jurídico dos Juros sobre Capital Próprio, estabelecendo novo rol taxativo das contas contábeis que podem integrar a base de cálculo para fins de apuração dos JCP.
A partir de 1º de janeiro de 2024, somente as seguintes contas do patrimônio líquido podem ser consideradas na base de cálculo dos JCP: capital social integralizado; reservas de capital compostas pela parcela do preço de emissão de ações que ultrapassar o valor nominal; reservas de lucros, com exceção da reserva de incentivo fiscal; ações em tesouraria; e lucros ou prejuízos acumulados.
A legislação estabeleceu vedação expressa à utilização da reserva de incentivo fiscal na base de cálculo dos JCP, incluindo as parcelas que tenham sido destinadas ao capital ou às reservas de capital a partir da vigência da nova lei. Ademais, foram excluídos da base de cálculo os valores relativos às contrapartidas de ajustes de elementos do ativo e passivo decorrentes de avaliação a valor justo, bem como outros lançamentos contábeis efetuados diretamente no patrimônio líquido sem transitar pelo resultado.
Regime Tributário Aplicável aos Juros sobre Capital Próprio
O tratamento tributário dos JCP apresenta características específicas que os distinguem de outras formas de distribuição de resultados. Para as empresas distribuidoras, os JCP constituem despesa dedutível na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que a pessoa jurídica seja tributada pelo regime do Lucro Real.
Esta dedutibilidade não se estende às empresas optantes pelo Lucro Presumido ou pelo Simples Nacional, uma vez que nestes regimes as bases de cálculo são determinadas de forma presumida, conforme a receita bruta e outros parâmetros legais.
Para os beneficiários dos JCP, sejam pessoas físicas ou jurídicas, incide tributação na fonte à alíquota de 15% sobre o valor bruto recebido. No caso de pessoas físicas, os valores devem ser declarados na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda como “rendimentos sujeitos à tributação exclusiva/definitiva”, não sendo passíveis de compensação com outras rendas.
Metodologia de Cálculo e Limitações Legais
O cálculo dos Juros sobre Capital Próprio obedece a critérios específicos estabelecidos pela legislação tributária. A taxa de juros aplicável corresponde à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), aplicada de forma proporcional ao tempo decorrido desde o início do período de apuração até a data do pagamento ou crédito dos juros.
A aplicação da TJLP deve observar o princípio da proporcionalidade temporal, considerando-se as alterações ocorridas no patrimônio líquido durante o período. Assim, eventuais modificações nas contas que compõem a base de cálculo devem ser consideradas pro rata temporis para fins de apuração do montante dedutível.
A legislação estabelece limites específicos para a dedutibilidade dos JCP, que não podem ultrapassar o maior entre os seguintes valores: cinquenta por cento do lucro líquido do exercício antes da dedução dos juros sobre capital próprio; ou cinquenta por cento do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros. Para fins de aplicação do primeiro limite, considera-se o lucro após a dedução da CSLL, mas antes da dedução do IRPJ.
Aspectos Contábeis e Procedimentais
O registro contábil dos Juros sobre Capital Próprio pode ser efetuado de duas formas distintas, conforme a opção da empresa. A primeira modalidade consiste no lançamento como despesa financeira na escrituração contábil digital, enquanto a segunda permite o registro como exclusão na escrituração fiscal, especificamente no e-LALUR e no e-LACS.
O creditamento dos JCP deve ser individualizado, com destinação registrada em contrapartida à conta de passivo exigível, representativa de direito de crédito do sócio, acionista ou titular da empresa individual. A utilização do valor creditado para integralização de aumento de capital não prejudica o direito à dedução, desde que observadas as formalidades legais.
Operações entre Partes Dependentes
A Lei nº 14.789/2023 introduziu tratamento específico para operações societárias realizadas entre partes dependentes, adotando o conceito estabelecido no artigo 25 da Lei nº 12.973/2014. Consideram-se partes dependentes aquelas que tenham controle comum ou relação de controle entre si, seja direto ou indireto.
Para fins de apuração da base de cálculo dos JCP, os valores negativos decorrentes de operações societárias entre partes dependentes devem ser considerados, reduzindo a base de cálculo. Por outro lado, as variações positivas somente são consideradas quando as operações envolvem efetivo ingresso de ativos à pessoa jurídica, com aumento patrimonial em caráter definitivo.
Esta regra visa coibir a criação artificial de base de cálculo para JCP através de operações intragrupo, como o ágio gerado indevidamente em reorganizações societárias. Importante ressaltar que estas disposições não afetam o reconhecimento da valorização de investimentos decorrente da aplicação do Método da Equivalência Patrimonial.
Princípio da Competência e Limitações Temporais
A dedução dos Juros sobre Capital Próprio deve observar rigorosamente o princípio da competência, conforme estabelecido na legislação tributária. A dedução deve ocorrer no mesmo período de apuração do lucro real que serviu de base para o cálculo dos JCP, sendo vedada a dedução em períodos posteriores.
Esta regra temporal impede que as empresas deduzam JCP calculados sobre patrimônio líquido de exercícios anteriores, mesmo que a deliberação para distribuição tenha ocorrido posteriormente. A falta do exercício tempestivo desta faculdade legal implica em renúncia ao direito de dedução, em observância ao regime de competência e à vedação de aproveitamento de despesas de exercícios anteriores.
Controvérsia Judicial no Superior Tribunal de Justiça
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça encontra-se diante de importante controvérsia relacionada à interpretação das regras de dedutibilidade dos Juros sobre Capital Próprio, especificamente quanto à possibilidade de dedução de JCP relativos a exercícios fiscais anteriores.
A questão central do debate reside na interpretação do artigo 9º, parágrafo 7º, da Lei nº 9.249/95, havendo divergência entre a posição dos contribuintes e o entendimento da Receita Federal do Brasil. Enquanto os contribuintes defendem interpretação mais flexível da norma, permitindo certas modalidades de dedução retroativa, a autoridade fiscal sustenta aplicação restritiva do regime de competência.
O julgamento desta controvérsia pelo STJ possui relevância fundamental para a segurança jurídica do instituto, uma vez que a decisão deverá estabelecer critérios uniformes para a aplicação das regras de dedutibilidade temporal dos JCP. A definição desta questão impactará diretamente o planejamento tributário das empresas e a estruturação de operações envolvendo distribuição de resultados.
Diferenciação entre JCP e Dividendos
A distinção entre Juros sobre Capital Próprio e dividendos reveste-se de importância fundamental para o planejamento tributário empresarial. Enquanto os dividendos são disciplinados pela Lei nº 6.404/76 e constituem distribuição de lucros já tributados, os JCP são regidos pela Lei nº 9.249/95 e caracterizam-se como despesa dedutível.
Do ponto de vista procedimental, os JCP apresentam maior simplicidade, não exigindo previsão estatutária específica, aprovação em assembleia geral ou percentual mínimo obrigatório de distribuição. A decisão sobre pagamento de JCP pode ser tomada pela diretoria da empresa, observadas as limitações legais.
O tratamento tributário diferenciado constitui a principal vantagem dos JCP em relação aos dividendos. Enquanto os dividendos são isentos para os beneficiários mas não dedutíveis para a empresa, os JCP são dedutíveis para a empresa e tributados à alíquota de 15% para os beneficiários, resultando em carga tributária total inferior.
Momento Adequado para Dedução
A dedução dos Juros sobre Capital Próprio pode ser efetuada em diferentes momentos, conforme o regime de apuração adotado pela empresa. No caso do Lucro Real anual ou trimestral, a dedução ocorre ao final do respectivo período de apuração.
Para empresas que apuram estimativas mensais de IRPJ e CSLL, é possível a dedução de JCP quando os recolhimentos são determinados com base em balanços ou balancetes de redução ou suspensão. Contudo, não é admitida a dedução quando as estimativas são calculadas com base na receita bruta e acréscimos.
Em todos os casos, deve ser observada a limitação aos percentuais legais, tanto no momento da apuração das estimativas mensais quanto no ajuste realizado ao final do período de apuração.
Considerações Finais
Os Juros sobre Capital Próprio constituem instrumento relevante de planejamento tributário, especialmente após as modificações introduzidas pela Lei nº 14.789/2023. A correta aplicação das novas regras exige análise cuidadosa das contas do patrimônio líquido elegíveis, observância aos limites de dedutibilidade e atenção às regras específicas para operações entre partes dependentes.
A pendência de julgamento no Superior Tribunal de Justiça sobre aspectos temporais da dedutibilidade adiciona elemento de incerteza ao cenário, recomendando-se cautela na estruturação de operações que possam ser afetadas pela decisão judicial. A assessoria jurídica especializada torna-se fundamental para a adequada utilização deste instituto, garantindo o aproveitamento dos benefícios fiscais dentro dos parâmetros legais estabelecidos.

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